December 28, 2018

Sobre o valor de um bom comentário filosófico

Comentadores devem ser lidos para ajudarem na leitura privada mas parte do seu papel é justamente se diluirem nessa leitura sem precisar que sejam mencionados direto. Eles são interessantes na medida em que são absorvidos.

Isso significa que a sua função (esclarecer ou revelar algum ponto específico, iluminar algum tema) não depende do seu aparecimento explícito no texto. O importante é que os elementos absorvidos sejam efetivamente postos em jogo sem que se precise ficar alardeando em cada ponto.

Não há demérito nessa função auxiliar, é apenas mais uma posição do jogo que todos ocupam eventualmente. Acho que a menos que você esteja se opondo a alguém explicitamente (por alguma razão) não faz mal fazer mais que menções pontuais.

Falo da filosofia, mas acho em parte que o problema e a demanda por ficar se mencionando comentadores surge pelo fato de que a classe de comentadores acaba de certo modo se tornando dominante e sua finalidade de auxiliar acaba virando a função primordial na academia.

December 27, 2018

Uma possível leitura redentora de David Foster Wallace

Vou morrer acreditando que This is water” do DFW é um experimento formal no campo discursivo e que o seu conteúdo não deveria ser compreendido de forma imediata como se ele pudesse transcender a sua forma (na verdade acho que é essa transcendência do conteúdo” que é performada)

Apenas para deixar claro: não digo que o que ele faz não produza afetos, o que acho é que há uma armadilha que é o mito da autenticidade, a ideia de que as ideias ali são apresentadas de forma autêntica e pura, como se não fossem frutos de uma elaboração formal consciente.

Acho que um dos méritos do DFW é justamente conseguir produzir de maneira artificiosa (e nem por isso menos eficaz) uma autenticidade. O que tiro das obras dele é em parte a autenticidade como algo que se constrói e não algo que de tem de modo inerente.

December 21, 2018

Sobre os desafios da universidade diante do EAD

Minha opinião (polêmica?) do dia é que se os cursos presenciais poderão ser substituídos rapidamente pelo EAD é porque a universidade meio que perde o seu lugar a partir do momento em que a sua função social passa a ser preparar jovens para o mercado de trabalho.

Primeiro ponto é que isso não acontece necessariamente por vontade da universidade. É um processo complexo, com inúmeros atores para além dos membros dessa comunidade — e talvez por isso mesmo, apesar de haver resistência interna, não frearam esse movimento.

Sobre a falta de propósito: basta ver como para esses fins a universidade realmente é ruim. Acho que sobretudo tem dois pontos internos e um externo. Internos: 1) currículos inchados e pouco atualizados, 2) professores desinteressados nos aspectos educativos.

Externo: As exigências de trabalhos no mercado sempre são ou muito específicas (tornando inevitável que haja buracos na formação do profissional) ou são de uma espécie de versatilidade (o que exigiria um tipo de flexibilidade talvez impossível de implantar em universidades).

E repito (ou digo pela primeira vez aqui), não é que a universidade seja um espaço obsoleto em si, mas me parece que para fins do mercado a sua estrutura seja completamente imprópria. Não surpreende ela estar sendo desmantelada (EADdização) quando ela se mostra inadequada ao fim.

Mas claro, pra defender os ideais da universidade para além do mercado, tudo isso exigiria que houvesse uma realidade menos precarizante e que também não se articulasse a partir de uma lógica do risco. Infelizmente não é o caso, deixa do universidades como um lame duck.

Eu não fico feliz com isso, na cerdade pra mim é bem triste, ainda mais quando vemos o efeito que isso pode ter mesmo sob essas condições nos últimos anos. Mesmo capenga, a capacidade de gestar, gerar e difundir discursos da universidade ainda é imensa.

Mas acho que em certo sentido ela está morta já. No sentido de que talvez a essa altura (quando a crise se torna visível — salve F. Jullien) já não haja nada pra fazer nela para reverter esse quadro. Isso é muito triste e pra mim pessoalmente, já que esse espaço é central p/ mim.

Ah mas o que então? Bem, pra pegar o Jullien, acho que há vários elementos desse projeto que podem ser reciclado em outros tipos de instituições enquanto o lento naufrágio das universidades segue correndo. Tentar levar adiante os elementos férteis em projetos ainda germinando.

Talvez aceitar que a universidade é um cadáver — algo que percebemos quando tiramos o olho das licenciaturas e olhamos pros cursos centrais (os que ganham mais recursos, mais professores) — seja um bom passo inicial pra poder pensar alternativas e como sobreviver para além dela.

December 20, 2018

A dificuldade de transmitir causalidades complexas

O problema de apresentar explicações causais complexas da realidade é que elas são inacessíveis (e por tanto irrelevantes) para quem está ainda preso numa experiência da realidade delimitada ainda por ilusões transcendentais e/ou fetiches.

Tem momentos que acho que a filosofia não seja nada menos (ou nada mais) que um processo de reposicionamento dessas ilusões a partir de cadeias conceituais discursivas que complexificam as causas somados a uma prática de repetição que visa desfazer maus hábitos mecanicamente.

Como se orientar na realidade/Como orientar a realidade” é o nome do jogo (com essa duplicidade mesmo).

December 16, 2018

A ilusão referencial da visão da filosofia dos olavistas

[Sobre um texto de Pedro Sette-Câmara criticando o desconstrucionismo nas universidades]

Dá pra complementar dizendo que o movimento que acontece no tema da filosofia [por parte desses olavetes] é bem simplório e nostálgico de uma realidade que não sei dizer se em algum momento existiu na filosofia. Vou só destacar alguns pontos:

Primeiro, fica bem claro na menção ao epicurismo que parte-se de um equívoco enorme sobre o que pode ser a filosofia. É bem besta o autor falar, como se fosse um absurdo alguém cogitar isso, que uma reflexão filosófica não possa ser informada por um conjunto de práticas.

Esse desejo de retornar às questões fundamentais às coisas mesmas”, além de ser um TOPOS hiper batido da história da filosofia, ele nem sempre significa falar diretamente e sem mediações dos grandes temas” que afligem à alma. Desde os diálogos socráticos de Platão se vê isso.

A filosofia as vezes pode ser desprezada e detestada por isso, por essa hesitação e pela escolha do caminho torto e oblíquo, mas se isso ocorre é por conta da maneira como a tentativa de refletir diretamente sobre esses problemas” é um convite para aporias e incompreensões.

Não é à toa que você não vai ver nenhum grande filósofo definindo de bate pronto o que é o belo”. E mesmo quando definem não raro a coisa é feita apenas como ponto de partida para uma complexificação posterior.

Reclamar do fato de que fazer filosofia é comentar texto” é fechar os olhos tanto para a realidade material imediata dos filósofos ao longo da história como também para a maneira como comentar textos” não pode ser reduzido a uma autorreferencialidade.

A filosofia não é um simples ato de perguntar, mas é uma ecologia de questões, problemas, técnicas e soluções que envolvem uma tradição e uma história. Comentar textos é uma das formas de realizar essa prática. Isso não foi inventado com a universidade, basta ver a escolástica.

Mesmo na antiguidade. Vixe, olhe Aristóteles, ele está o tempo inteiro comentando’ outros filósofos. Isso não significa que ele não realiza nenhuma especulação ou que ele não toque em questões relevantes e/ou importantes. Isso não faz sua obra menor, é apenas meio de expressão.

Me incomoda a maneira também como se compra acriticamente (ou sem qualquer explicação que justifique o apelo à responsabilidade’ que o próprio objeto do texto não segue) a noção de indivíduo, mas isso é uma discussão que não sei se cabe desenvolver aqui.

Não preciso nem comentar dos espantalhos que são as referências a uma tradição pós-moderna” [mas não nomeada diretamente] que só comenta textos sobre textos é mais um espantalho levantado né?

Enfim, sei lá. Me parece muito tacanho essa noção de filosofia. Me incomoda demais pois não dá nem pra chamar de um ensaísmo vulgar. Fica parecendo de fato em alguns momentos uma defesa do papo cabeça” de adolescente só que com requintes retóricos e eruditos.

Me incomoda demais essa maneira de pôr as coisas pois se acho que a filosofia tem algum interesse é justamente por complicar as coisas, por torná-las mais complexas e mostrar que não necessariamente o melhor caminho entre dois pontos é uma reta.

Talvez seja exagero, mas enfim. Fica aí o rant.

O que significa críticar um autor?

A dissincronia entre pensar e entenderQual o sentido da filosofia?

A divisão internacional do trabalho filosófico

A crítica ingênua como algo que deve ser entendido

December 14, 2018

A relevância contemporânea da discussão de Meillassoux sobre fideísmo

Me surpreende eu lembrar dele, mas ssa exigência de uma espécie de tolerância com as posições religiosas da ministra lembra todos os problema do fideísmo apresentados no primeiro capítulo de Após a finitude” do Meillassoux. Pressinto que é uma cilada botar a coisa nesses termos.

Não acho que há solução. Mas esse jogo entre 1) ridicularizar as posições dela por serem irracionais’ e 2) defender o direito à crença’ (sempre num misto estranho de privado e público) e moralizando quem não respeita o jogo me parecem dois lados da mesma moeda.

É fácil ocupar a posição de intelecto superior’, acima de coisas baixas como moral’ e religião’. Mas é igualmente fácil cair nas armadilhas da tolerância universal (com uma condescendência embutida), como se ela não acabasse protegendo os fortes e enfraquecendo os fracos.

Primeiro que botar as coisas em termos de crença é sempre uma forma de ignorar como posições religiosas estão ligadas a uma ecologia de práticas que não se resume a uma doutrina. Ou seja, o apelo a uma racionalidade superior’ nesse caso é sempre ingênuo e meio cego.

Por outro lado o contexto é sempre importante e as relações nem sempre são simétricas e/ou equilibradas. Não dá pra lidar do mesmo jeito com práticas religiosas que tem um ímpeto de colonização da mesma forma com outras práticas em que a conversão não é um elemento central.

É por isso que acho que apelos a qualquer forma de racionalidade barata, senso comum ou todo mundo sabe que x’ mas também aos ecumenicismos vagos e meramente formais acabam apenas tornando o campo ainda menos navegável.


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