October 20, 2022

A posição institucional do ensaísta

Pensando a ideia de public scholar” nacional, sobretudo lembrando de um ensaio recente que li da própria Merve sobre a forma ensaio: https://nybooks.com/articles/2022/11/03/the-illusion-of-the-first-person-merve-emre/

E acho que tem uma coisa meio ingrata na forma do ensaio, quando se pensa para esses vôos não-acadêmicos, pois ele acaba caindo em lugares-comuns que me incomodam: o ensaio pessoal (comentado ali), a resenha literária que discute mais de um livro ou um pastiche benjaminiano.

Isso tudo se relaciona com uma discussão que levantei uma hora no blog (e que acho que ficou subdesenvolvida, mas que acho que tem chão para percorrer), sobre as expectativas que surgem quando nos aproximamos da imagem de intelectual.

E o interessante do ensaio da Merve (para retornar ao texto inicial) é que ela elabora uma micro-genealogia das práticas de escrita que não se resumem à associação do ensaio como uma prática confessional. Esta, no caso, é apenas uma variante bem recente (apesar de semelhanças).

Eu acho que isso se torna ainda mais complicado no momento em que escrita parece estar se tornando um artefato insustentável enquanto opção profissional.

Cada vez menos realizada por quem tem grana e não precisa de dinheiro no trabalho, cada vez mais feita por quem precisa pagar as contas e por isso acaba assumindo a forma de um bico, ou algo mal pago ou como algo que se faz no tempo livre por quem tem outros corres.

Ficou tudo muito solto aqui, mas o que acho que tem me incomodado (sobretudo trabalhando com escritas que não são para mim nos últimos dois anos) é que os espaços de circulação de texto (que tem qualquer perspectiva de darem retorno profissional) são inflexíveis demais.

A gente tem uns modelos que podem ser divididos em alguns tipos que estão presentes nos espaços de maior circulação escrita. Tem, por exemplo, a figura tarimbada e estabilizada que desce do seu pedestal da sabedoria para enunciar pepitas epistêmicas (sempre as mesmas).

Tem também as figuras, atentas aos movimentos da moda, às novidades (importantes, pois a moda me parece um vetor de novidade que ajuda a reciclar as cenas) que não tem ali um prestígio, mas que conseguem aproveitar-se da moda ser mais próxima do que elas fazem.

No Brasil a gente não parece ter tanto espaço para o ensaio pessoal (coisa de americano?), mas eu diria que de alguma forma ele aparece pois tanto o acadêmico público quanto aquelas pessoas que dependem das modas parecem estar também numa corrida para fazer uma marca”.

E não há o que reclamar dos indivíduos que entram nesse jogo de construir uma marca, uma personagem autoral literária, pois no fim das contas (sobretudo daqueles que não tem o espaço e a segurança do tarimbado) o que importa é conseguir se sustentar materialmente trabalhando.

O efeito, porém, é que é chato. Uma coisa meio previsível em que você consegue imaginar a forma, sobretudo com uso e abuso do termo ensaio para justificar qualquer tipo de forma que não seja ficcional e nem seja um artigo acadêmico (que seria supostamente ancorado em refs).

Eu acho interessante e engraçado ao mesmo tempo isso. Pois por um lado, eu concordo: acho que se há algo que chamamos de ensaio é justamente uma liberdade na hora de escrever, um esforço experimental que expande o campo do não-ficcional ao negar de maneira determinada estilos.

O problema é que a maior parte das pessoas que se arroga” ensaísta é que ou a pessoa fica ali num lenga lenga de mas montaigne, mas os românticos, mas benjamin” e tudo o que se faz é falar sobre a arte dos ensaios.

A outra alternativa é só fazer o pastiche dessas formas. Ou seja, assume-se ensaísta para fazer resenhas que comentam mais de um livro ou para fazer um texto melancólico, fragmentário, com a desculpa de que é seu tempo mas que só parece uma cópia barata de Benjamin/Lukacs.

Só acho engraçado que” és tão livre para escrever e acaba sempre escrevendo a mesma coisa, da mesma forma, com os mesmos códigos. Bem, de certa forma isso me parece até inevitável, já que a negação de determinados códigos e estilos é seguida pela sua organização institucional.

Ainda assim, não consigo me satisfazer com isso. Mesmo quando vem textos legais assim (e existem, claro), me dá a mesma sensação de quando premiaram a Gluck ao nobel. Muito massa premiar uma poeta modernista de 1920, mas pena que estamos em 2020 e mundos e fundos aconteceram.


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