December 7, 2018

A besteira da filosofia como refutação

Por um lado eu até gosto de discutir, conversar, entrar no jogo de entender argumentos etc. Por outro lado tenho uma convicção que não se faz filosofia por meio de discussões. Elas podem até ter um papel, mas não acho que seja algo da ordem de servir como tribunal.

É por isso que acho uma besteirada uma certa sanha pra refutar”, desconstruir” ou mesmo achar que é possível mudar a posição do outro (como se o que estivesse em jogo fosse convencimento — e bem, para sedução de um ser intermitentemente racional há meios mais eficazes).

Acho que discutir, conversar, tem alguns efeitos que acho positivos. Produz divergência no sentido, nos obriga a expressar o que pensamos melhor e atentar para buracos que sozinho passamos por cima. Sem contar a criação de certos laços de afeto ao criar um canal de comunicação.

Se a filosofia é, como tendo a crer, um processo de impessoalizar-se, deixar de ser aquilo que se era/é (ao produzir corpos mais complexos, com relações mais e mais sutis) qualquer noção de convencimento ou refutação fica completamente despropositado.

November 24, 2018

Comentários a partir de Lakoff

O Lakoff fala uma coisa muito boa no podcast que eu indiquei mais cedo. Os democratas (ler também a esquerda”) tem medo de entrar no campo da sedução. Acha que é tudo da ordem da razão e que se o convencimento não for assim melhor nem ser. Para ele isso é um negacionismo científico.

Pra ele isso é ignorar os desenvolvimentos científicos que mostram paulatinamente a falta de arbítrio da consciência sobre as nossas decisões e/ou posições (algo que a psicanálise já tinha avisado também, mas enfim). Diante disso insistir na razão é apostar num modelo quebrado.

Ninguém está sendo manipulado. O erro é botar a coisa nesses termos. A questão, pro Lakoff, é que o nosso cérebro não funciona com uma racionalidade desenhada no século XVII. Isso é de um moralismo tosco que acha que qualquer via não-racional é automaticamente controle.

Esse moralismo só serve para preservar um status quo. É por isso que o âmbito estético é importante. É por isso que não se trata de convencer as pessoas, mas de entrelaçá-las, redesenhar as fronteiras no qual os termos do debate são postos etc. Enfim, preciso ler Lakoff.

E, de novo, não se trata de acreditar em qualquer irracionalismo, pelo contrário, é uma questão de redesenhar as fronteiras do que se entende por razão. Enfim, o Bento dá algumas indicações sobre isso.

November 22, 2018

As semelhanças nas filosofias da natureza de Platão e Deleuze

Não é sexy, mas pensando aqui, se realmente formos coerentes, o planômeno (plano de consistência) deveria ser relacionado ao papel das ideias no Timeu. Pois justamente se trata da ordem” que existe na metafísica deleuziana.

O plano de consistência tem a ver com a determinação de limites. A máquina abstrata não é um vale tudo e nem é caos. Acho que dá pra pensar nela enquanto um princípio de ordem, mas uma que produz heterogênese.

Nesse esquema, então, os elementos aberrantes seriam próximos ao caos (desterritorialização absoluta). Isso é algo muito pouco explicitado pelo Deleuze e Guattari, quase um deus ex machina, mas ok.

Por fim, como falei acima, a khora seria justamente o diagrama, que é a instância na qual acontece a mistura propriamente dita.

Quanto ao demiurgo, bem, previsível que não haja nada do tipo, mas imagino que se for despersonalozado (como no Filebo), pode-se talvez pensar que essa causa” da individuação é o elemento problemático, que no Mil Platôs aparece como o fora (ok, esse aqui é difícil mesmo).

(errata: a máquina abstrata é associada ao diagrama e não ao plano de consistência)

O interessante é que apesar dos ajustes,o esquema deleuziano cabe direitinho na organização do Timeu. Importante lembrar também que o Timeu (como mostra o Schelling) já tem uns elementos que parecem prever a filosofia transcendental (leiam o ensaio do Schelling sobre Timeu).

Não é que o Deleuze repete o Platão (não repete, como Schelling tb n), mas vai se tornando visível uma continuidade de problemas centrais pra filosofia da natureza. Sobretudo a tentativa de entender esse oroboro que procura entender que natureza produz um ser que pensa sobre ela.

November 13, 2018

Neuroses na hora da leitura de obras traduzidas

As vezes eu tou lendo filosofia e bate a BAD DA TRADUÇÃO (que na maior parte das vezes é imbecil). Ainda mais quando leio gente comentando detalhes ínfimos da língua original e que ficam reforçando a paranóia de que tou perdendo o essencial e tou do lado de fora.

é como se ficassem fazendo uma ciranda no entorno do texto e cantando pra mim você nunca vai chegar tão perto do texto. pode ir desistindo. o caminho está fechado e você mesmo sabe disso. é melhor ler outra coisa pois esse aqui já era.”

November 10, 2018

Sobre os limites reprodução ampliada de discursos da esquerda

Me põe muito a pensar esse a demanda da esquerda querer imitar os mecanismos de reprodução e escala de discurso da direita. Não é que eu acho errado, mas acho difícil esses mecanismos não serem eles próprios mecanismos que afetam o processo. (Eu sei, pós-estruturalismo 101)

Acho fundamental a ocupação de espaços de atenção, mas quando vejo esforço sendo dirigido a esses mecanismos de emissão unidirecionais (ainda que, claro, há uma membrana mais porosa entre o youtuber e seu público do que no caso da tv e do seu espectador) fico preocupado.

Acho que o tipo de vida que isso tende a produzir pode ser efetivo em curto prazo, mas imagino que rapidamente os problemas da escalabilidade começam a aparecer sem que o problema da formação da subjetividade seja sequer tocado tocado (já q os meios de transmissão são os mesmos).

Sem contar que eu acho que esses meios de amplificação tendem a produzir dois tipos de sujeitos. O emissor, que ao se tornar centro acaba correndo graves riscos de acreditar ser maior que realmente é e, por outro lado, o público, que corre o risco de se tornar fanboyista.

Sobre o primeiro ponto, a minha posição talvez seja meio dura e seca, acho que o ego precisa ser limado desde o início. Acabar com qualquer possibilidade de culto à personalidade (algo que sabemos que é do que vive o lado de lá) sem por isso aplainar tudo (ou seja, um desafio!).

Por outro lado, o público, se é que é um público ainda, talvez fosse mais interessantes se fossem se tornando em participantes ativos (não como mera platéia que interage com o Silvio Santos ou sugere temas para as esquetes), produtores eles mesmos num processo de coemancipação.

meu medo nesse caso é sempre evitar o que vemos nessas culturas de fanboyismos, que me dão um pouco de medo desde que li sobre o John Green numa matéria da nyer: https://newyorker.com/magazine/2014/06/09/the-teen-whisperer

Talvez por isso tenho tendido a pensar na criação do comum a partir de práticas de atenção. Não tenho muito além disso, é algo que vi numa apresentação na ANPOF de um colega não-twitteiro mas que também fiquei matutando depois de conversar com um outro amigo meu.

O ego, me parece, é diametralmente oposto à atenção pois ele justamente impede do discurso e dos signos e atos circularem fora da direção estabelecida por ele. Tudo passa a ser referido ao emissor e não ao espaço construído conjuntamente.

Mas isso não é um problema apenas do emissor, mas do receptor que abraça o dogmatismo entre iguais (ainda que seja por uma justa proteção entre iguais diante de problemas reais!). Difícil dissolver isso (em parte filosofia pra mim é isso aí, mas isso sou eu puxando a sardinha?)!

Enfim, não sei. Talvez eu esteja exagerando (é o risco de ter ficado matutando isso sozinho só comentando aqui e ali com algumas pessoas sobre isso). Se alguém achar, não hesite em falar aqui comigo.

November 6, 2018

Algumas reflexões a sorte na carreira acadêmica a partir de Weber

É verossímil demais (e portanto doloroso) o quanto o Weber põe o sucesso na carreira acadêmica na conta do azar. Tanto no aspecto de arranjar algum emprego estável como de produzir um trabalho efetivamente interessante.

No primeiro caso isso significa que tem gente boa que fica de fora enquanto medíocres conseguem entrar (mas, apesar disso, é preciso resistir à ideia de que ficar de fora é atestado de genialidade sua, pois trata-se, justamente, de acaso).

No segundo que ter boas ideias tem como condição o trabalho e o empenho, mas nada disso garante que as boas ideias virão. E por sua vez, essas ideias nunca vem necessariamente na hora da labuta, são intempestivas, de modo que podem nos fazer crer que não se relacionam a esforços.

É algo até cruel, considerando que o tempo investido não deixa de ter seus momentos mortos e de tédio mas sem qualquer garantia que algum fruto vá aparecer (e muit menos algum fruto que seja rentável e ajude avançar na carreira).


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