January 15, 2019

Sobre uma máxima de Valéry

Eu penso muito na frase do Valéry sobre como as palavras são pontes sobre um abismo. Sobre como não podemos nos demorar muito nelas com o risco de cairmos. Acho que faz sentido e acho uma puta imagem. Mas acho que também gosto dessa imagem para pensar certas práticas filosóficas.

Apesar da filosofia estar tradicionalmente associada a uma certa minúcia, há momentos em que pode ser mais interessante se apoiar nos conceitos e tratá-los como pontes provisórias. O Nietzsche faz isso em certo sentido. Digamos que esse seja o espírito ensaístico na filosofia?

Não acho que pode ser um procedimento adotado de modo radical. Acho que a filosofia tem sua efetividade justamente num cuidado com o conceito. Mas há momentos e instâncias em que se posterga esse cuidado para se conseguir chegar a uma posição mais produtiva.

O eterno adiamento que a gente encontra em várias obras de filósofos e que nos irritam (me irritam) talvez seja a performance visível desse procedimento. Depois desenvolvo”, Voltarei a essa questão” etc. Notas promissórias que são emitidas sem qualquer intenção de serem pagas.

Mas como disse, é um procedimento, um recurso que pode e deve ser empregado diante de certos becos sem saída. Não acho que isso precise ser visto necessariamente como um defeito, antes um reconhecimento da incapacidade de auto-fundação do trabalho conceitual.

Eu vejo o Blumenberg acenando do fundo. Essas notas promissórias servem como suporte temporário para que uma conquista de conceitos consistentes seja possível. A questão, mais uma vez, não é tomar o caráter escorregadio da linguagem como ponto de chegada, mas ponto de partida.

O que interessa é construir espaços conceituais que tornem a navegação possível. É por isso que acho que noções como objetividade” e consistência” tem algum papel a desempenhar e que de maneira alguma elas se choquem com esses insolúveis da experiência.

January 11, 2019

Comentários sobre a definição de filosofia em documentos públicos

Com relação ao que comentei há pouco. Olhem esses trechos. O primeiro é dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio/Ciências Humanas e suas Tecnologias (1999). O segundo é das Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio/Filosofia (2008).

Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino MédioParâmetros Curriculares Nacionais de Ensino Médio

Orientações curriculares nacionais para o ensino médio/filosofiaOrientações curriculares nacionais para o ensino médio/filosofia

Com o intuito de se preservar a liberdade do professor, o que acaba se fazendo é tornando a filosofia uma prática sem qualquer delimitação precisa. O professor é quem define o que é filosofia. Me pergunto se isso não acaba sendo um tiro pela culatra.

Eu consigo compreender muito bem que o que se procura evitar é justamente qualquer forma de dogmatismo. Mas para isso é preciso abdicar de qualquer forma de determinação para além do individual? Do jeito que a coisa se põe fica parecendo quase uma questão de doxa.

Essa preocupação em localizar a prática filosófica num fundo relativista, como se a sua normalidade fosse justamente ela ser questão de posição, me parece só mais uma forma de enfraquecer a atividade ao inadvertidamente abdicar da precisão.

Sem precisão a coisa me parece poder ter pouca eficácia. Sem qualquer objetividade para além do indivíduo (“das suas razões [particulares?]”) como pensar que essa prática seja emancipatória? No fundo atende bem ao modus operandi individualista presente na ordem neoliberal atual.

January 11, 2019

A recusa da determinação filosófica

A cada dia que passa eu acho que a precisão na comunicação é um elemento que deveria ser mais cultivado. A realidade equívoca da linguagem não deveria servir como ponto de chegada, mas partida para o problema da comunicação. Por isso gosto dessa anedota do Sebald:

o horror para Sebaldo horror para Sebald

No caso da filosofia, toma-se demais como dado fatal uma certa inesgotabilidade do sentido ou uma incapacidade dar conta de tudo. No mais das vezes o que acabo vendo é uma abdicação de qualquer postura positiva em nome da fetichização dessa totalidade inabarcável.

E nessa horas essa hesitação em dar um sentido positivo para a filosofia acaba sendo apenas outra forma de fragilizar essa prática com a desculpa de livrá-las de dogmatismos. Sem nenhuma delimitação sequer conseguimos fazer nada com essa atividade, ela não é manejável.

January 8, 2019

Contra a inutilidade da filosofia

Hoje em dia uma das coisas que eu mais odeio é essa defesa absoluta da filosofia como algo que não serve para nada”. Como se fosse um PECADO estarmos interessados nos efeitos que ela produz.

É claro que isso tem a ver com o ócio da nobreza no mundo grego. Com o pensamento de alguém que não produz mas tem sua vida produzida por escravos e pelas suas mulheres. A crítica do Simondon às origens hierárquicas do pensamento hilemórfico vai bem no alvo desse problema.

É por isso que se a filosofia deve muito ao mundo grego, não é por isso que não devemos tomar acriticamente tudo o que foi determinado naquele momento. Essa defesa da filosofia como sendo mais nobre por ser em si” é em certo sentido reflexo dessa sociedade.

A ideia de um saber contemplativo, defendida por Aristóteles, como um tipo de saber mais nobre não pode ser descolado da estrutura social que organizava a sociedade em que essa filosofia surgiu.

Se temos como objetivo superar esse tipo condição social (algo que não me parece nem um pouco polêmico, sobretudo se pegamos a filosofia moderna - ainda que ela seja repleta de contradições que atravancariam isso) não vejo razão para perpetuar essa posição do saber filosófico.

January 3, 2019

Sobre a suposta impossibilidade de definir a filosofia

Me cansa muito os efeitos da vulgata (interna) de que a filosofia tem como principal característica a impossibilidade defini-la de modo absoluto. Eu não acho errado isso, acho que de fato há esse elemento de inesgotabilidade como condicão. Mas no geral isso leva a uma preguiça.

O problema não é com a ideia em si, mas que sirva de desculpa para evitar se pôr o problema de demarcar contornos precisos e procurar produzir uma objetividade. Enfim, no geral, apesar das intenções, acho que isso acaba sendo algo que mais enfraquece o discurso do que fortalece.

January 3, 2019

Sobre o eu te avisei” na política

Essa ideia de que não se tem responsabilidade com a realidade, que se tem o direito de ficar emitindo eu avisei” em repeat pois não se está comprometido com ativismos ou militância me parece apenas uma outra face da disposição neoliberal atual (o empresário-de-si meritocrático).

Eu entendo que responsabilidade é um termo que causa repulsa pela associação com a noção de culpa, de um dever, mas ela pode ser compreendida como o reconhecimento da consequência das nossas ações posturas que segue independentemente dos nossos desejos.

Pois ficar falando eu te avisei” é muito gostoso mas cria uma situação absolutamente insuportável com as pessoas próximas.

Não precisa ser ativista para ser capaz de ter eficácia na realidade (numa escala bem pequena, claro) e ajudar uma situação ruim a ficar pior. Querendo ou não isso contribui com tornar o ambiente mais hostil a qualquer revisão de posição.

O problema me parece ser crer que a esfera de responsabilização pelas nossas ações num meio social é limitada apenas aos que desejam transfromar social. Me parece no fundo um gesto infantil (e remete ao individualismo neoliberal) que acha que pode separar ações de efeitos.

Isso deveria ser melhor esmiuçado em algum momento, mas essa separação só me parece possível por um lado quando se dissolve a ideia de comunidade e solidariedade (e as responsabilidades envolvidas nisso, algo intensificado pela dinâmica de competição e individualismo atual).

Por outro lado (algo que já falei por aqui) isso também parece condicionado pela separação do pessoal e do político. Como se as decisões políticas (como se viver em sociedade, que tipo de social se deseja etc) pudesse ser descolado das relações que se tem efetivamente com outros.

Então claro, dá pode dizer eu te avisei o quanto quiser (quem nunca), você pode achar que não precisa se ocupar com nada pois não está metido com militância. O problema é se achar legitimado por isso, já que o que legitima são justamente certas condições que produzem a desgraça.


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