Sobre uma máxima de Valéry
Eu penso muito na frase do Valéry sobre como as palavras são pontes sobre um abismo. Sobre como não podemos nos demorar muito nelas com o risco de cairmos. Acho que faz sentido e acho uma puta imagem. Mas acho que também gosto dessa imagem para pensar certas práticas filosóficas.
Apesar da filosofia estar tradicionalmente associada a uma certa minúcia, há momentos em que pode ser mais interessante se apoiar nos conceitos e tratá-los como pontes provisórias. O Nietzsche faz isso em certo sentido. Digamos que esse seja o espírito ensaístico na filosofia?
Não acho que pode ser um procedimento adotado de modo radical. Acho que a filosofia tem sua efetividade justamente num cuidado com o conceito. Mas há momentos e instâncias em que se posterga esse cuidado para se conseguir chegar a uma posição mais produtiva.
O eterno adiamento que a gente encontra em várias obras de filósofos e que nos irritam (me irritam) talvez seja a performance visível desse procedimento. “Depois desenvolvo”, “Voltarei a essa questão” etc. Notas promissórias que são emitidas sem qualquer intenção de serem pagas.
Mas como disse, é um procedimento, um recurso que pode e deve ser empregado diante de certos becos sem saída. Não acho que isso precise ser visto necessariamente como um defeito, antes um reconhecimento da incapacidade de auto-fundação do trabalho conceitual.
Eu vejo o Blumenberg acenando do fundo. Essas notas promissórias servem como suporte temporário para que uma conquista de conceitos consistentes seja possível. A questão, mais uma vez, não é tomar o caráter escorregadio da linguagem como ponto de chegada, mas ponto de partida.
O que interessa é construir espaços conceituais que tornem a navegação possível. É por isso que acho que noções como “objetividade” e “consistência” tem algum papel a desempenhar e que de maneira alguma elas se choquem com esses insolúveis da experiência.