September 19, 2019

Um uso equivocado do twitter

Tem um novo gênero literário sendo gerado no twitter. Agora além das threads tem as threads que vem com uma imagem ilustrativa ou um gif em cada tweet. Eu sei que isso já acontecia antes, mas rolou uma agora que fez saltar a autoconsciência do gesto.

Vou fazer meu juízo de valor pois eu não sou de ferro (muito pelo contrário), mas tem também um certo tom nessas threads que aparecem que são um tico condescendentes (“quer entender x? SeGuE o FiO”).

Gosto muito de threads explicativas, gosto de gente que desenvolve, argumenta, afirma sua posição. Nem precisa ter a minha amada virtude da hesitação, pode ser direto (e muitas das mais científicas” não hesitam nem um pouco). Mas a condescendência é algo que acho meio bad.

É o pior lado da classe do professorado” é essa onda meio deixa eu te explicar como o mundo funciona”. (Mesmo quando de forma fofa” é uma merda).

O saber é mais gostoso quando você não precisa ficar marcando a distância entre você e quem não tem.

September 19, 2019

Um populismo climático?

Alguém fala sobre populismo climático? Senão tá quicando a bola. Sinto um pouco isso no fenômeno-Greta (não nela-enquanto-pessoa, enfim, ela a essa altura não é uma pessoa mais, ela transcendeu e se tornou uma figura pública), uma promessa de mudança sem passar por instituições.

Nem entro no mérito da posição dela, das suas ideias, mas ela aparece muito como um ícone de mobilização que correria por fora da política tradicional. Faz muito sentido ela ter força/contágio num momento de desconfiança das instituições como governos, partidos etc.

Ela se endereça a todos. Ela usa muitos slogans marcantes e memorizáveis e, de certa forma, ela fala coisas que deveriam ser capaz de atrair a todos (afinal, quem pode ser contra o que ela fala?). Fico curioso pra saber se ela vai conseguir galvanizar alguma mudança.

Ela ainda tem uma história que é atraente, que em termos de capacidade de afetar as pessoas é enorme: uma pessoa comum, que sofre, tem depressão com o colapso iminente, que luta apesar das suas limitações e ela ainda tem uma cara sempre firme e forte. Uma urgência que transmite.

Agora, e é aí que entorta o rabo da porca, será que uma mobilização nos moldes populistas, como essa que tá sendo impulsionada pela/a partir da Greta consegue funcionar numa esca global? Isto é, para além dos limites do estado e da nação?

Pois se há uma questão em que o internacionalismo parece ser absolutamente necessário é nessa, na questão climática. Ainda assim, é difícil imaginar (o que não significa que é impossível) ver uma mudança em escala global que não seja mediada por estados e nações.

Que a Greta contagie as pessoas eu não estou negando, pelo contrário, é essa capacidade que eu tomo como partida. Que ela circule por espaços de poder também só exprime sua potência como alguém que consegue navegar um espaço internacional. Não é isso que pergunto.

A minha pergunta é um pouco uma dificuldade de imaginar (não no sentido de achar impossível, mas só que é difícil mesmo imaginar o que seria) o que seria um cenário em que os apelos da Greta resultassem em uma articulação global (via estados e nações ou não) em torno do clima.

Eu sinto muitas vezes que as coisas são feitas em termos de step 1, step 2, step 3: ????, profit”. De fato curiosamente esse meme exprime pra alguém como o François Jullien um pouco o paradigma do ocidente. O que ele faz de interessante é mostrar outras possibilidades.

O Jullien mostra nos textos em que compara política/guerra ocidental com a chinesa é a maneira como no ocidente’ tende-se a deixar um espaço sempre para o acaso. Que mesmo nos manuais de estratégia vai haver ali sempre um momento de risco. É o contrário da tradição chinêsa.

Não é que os chineses sejam mais ou menos advinhos, mais capazes de compreender todas as variações. É um certo realismo que procura compreender quais são as tendências para não ter que se opor a elas ou para ter que arriscar algo que seja impossível, uma espécie de cautela.

O realismo deles eu acho que está em tentar trazer ao máximo as dificuldades, os limites, as tensões e contradições pra superfície. Expôr as dificuldades ao máximo para tornar o campo mais navegável, para descobrir as tendências que podem ajudar a agir.

Uma amiga me disse que talvez pareça que eu esteja pedindo uma espécie de agenda mais clara (ou melhor, na verdade ela disse que talvez pareça que estou fazendo como as pessoas que pediam uma agenda para a galera de junho de 2013), mas não é isso.

O que acho é que tem uma série de dificuldades (as amarras institucionais são enormes, você tem uma série de governos, empresas, lobbies, sem contar setores da população resistentes ou mesmo apassivados/oprimidos por uma precariedade que já vivem) que são realmente DIFICULDADES.

Claro que não vou ser eu que vou resolver essas coisas do conforto da minha cadeira. Não é isso. Tou só trazendo um pouco aqui a minha dificuldade de imaginar mesmo. Gostaria de acreditar que isso não é uma impossibilidade, daí a tentativa de exprimir isso aqui.

September 18, 2019

Pequena diatribe contra o ensaísmo cultural

Um ensaio sobre porque é sempre tão difícil falar sobre o ensaio.

Um artigo não é um ensaio. Uma resenha não é um ensaio. Memórias não são um ensaio. Poesia em prosa não é ensaio (a minha tomada quente é qeu prosa poética é o que a gente costuma chamar de derivação do estilo da Clarice Lispector). Jornalismo literário’ não é ensaio.

Uma postagem de blog não é um ensaio (e tá tudo bem, Mark Fisher fez muita coisa com essa forma sem que a gente precise chamar de ensaio pra valorizá-la).

Crítica de artes visuais não é ensaio. Crítica de cinema não é ensaio. Crítica de livro não é ensaio. Um texto de [french] theory” não é ensaio. Um texto com referências filosóficas não é ensaio.

O ensaio é o graal da não-ficção.

Dizer que o ensaio é a anti-forma é fácil. É só postergar o problema da sua definição (e bem, estou com Sócrates no Mênon, a impossibilidade de fechar uma definição não deve servir como desculpa para evitar o exame).

O caminho inicial possível (pois sokrático-platônico) seria o estabelecimento de um consenso mínimo a partir de alguns exemplos: Montaigne, Burton, Hazlitt, Nietzsche, Freyre, Sontag (…?)

September 16, 2019

Sobre a vergonha de ser chamado filósofo

Hoje em dia acho que entendo um pouco o meu cringe com ser chamado de filósofo” por pessoas (ou ver outras se descrevendo como tal). É que não acho que seja um predicado, e sim verbo, não uma propriedade, mas uma prática. E uma que, além de tudo, tende para a despersonalização.

Para além dos meus problemas (que me dei conta por agora) com a questão da predicação, acho que esse em particular acaba que traindo seu sentido na medida em que se concebe ele como mero latch of being”. Reforça-se bem aquela estrutura que seria dissolvida pela filosofia.

Inclusive acho que se me perguntassem (não perguntam) qual a definição de filosofia a minha resposta seria algo na linha de despersonalização/impessoalização por meio da (re)articulação/ampliação conceitual da experiência”

Com o adendo que a despersonalização é justamente uma ampliação do espaço do sujeito. A pessoalização é a fetichização de uma causa única, um sujeito que receberia todos os predicados. A filosofia dissolve essa unidade ao complexificiar e evidenciar uma pluralidade de relações.

September 15, 2019

O intelectual público num mundo sem empiria

Uma coisa que eu penso é nas implicações da figura do intelectual se aceitamos (se aceitamos) que não existe conhecimento empírico (essa tese de um amigo que cada dia que passa eu abraço com mais força).

Nem vou entrar no mérito do valor ou não dessa figura. Se temos espaço ou não (“no gods, no masters”), mas acho que ainda assim a ideia de uma iluminação pública” é interessante se a gente não ignora as infraestruturas midiáticas que compõem a cadeia comunicativa.

Pois em certo sentido uma coisa que vemos muito é que a iluminação vem a partir do fornecimento de informação. Como se toda e qualquer iluminação possível fosse fruto da confrontação com evidências.

O problema disso está bem elaborado no paradoxo do Mênon. Como conhecer aquilo que não conheço se sequer teria capacidad de reconhecer? E se conheço efetivamente, não seria o caso de eu estar apenas reconhecendo aquilo que já conheço? Essa aporia problematiza a experiência.

Problematiza pois a simples experiência sensível não é condição suficiente para que se efetivamente conheça algo que não se conhecia antes. O que é uma merda, já que não basta então ter informação pois isso não significa que você conseguirá entender no que ela se encaixa.

Significa que a experiência sensível é irrelevante? Não, claro que não. Apenas que ela não é condição suficiente. Claro, isso tudo se se leva a sério o paradoxo do Mênon que eu falei acima.

Sem entrar em muitos detalhes (ou seja, evitando as questões espinhosas) acho que um conhecimento efetivo do desconhecido implica uma reforma categorial (e você pode escolher seu autor predileto que fala disso: Deleuze para os continentais, Sellars para os analíticos).

Reforma categorial seria um movimento de reorganização (criação/redução também) das categorias que se compreende a realidade a partir da experiência de algo que não é compreendido, que não faz sentido. Ou seja, não se trata de se adequar a uma coisa, mas de abrir espaço pra ela.

O que implica um elemento criativo. Pois se não se reconhece”, não se compreende isso que leva nosso pensamento aos nossos limites (ou seja, ao ponto que não podemos pensar), qualquer solução precisa ser criativa, mas uma criação que tem um lastro que a limita.

Não adianta eu inventar categorias, conceitos, reorganizar tudo se isso não produz alguma espécie de integilibilidade nova. O mérito que eu vejo no Marx é justamente esse, ser capaz de partir de um fenômeno latente e a partir da especulação conceitual tornar algo inteligível.

Pois bem. Nesse caso, a iluminação da figura intelectual não pode se contentar em fornecer ideias, fornecer contextos. É preciso efetivamente - me perdoem pela hipponguice - expandir os limites da percepção [pois o conceito é, essencialmente, um psicotrópico].

E isso não é possível fazer sem que os conceitos usuais sejam tornados estranhos (sdds Viktor Chklovsky). Acho que isso é o mais importante. Não tornar as coisas confortáveis, mas mostrar o aspecto estranho. Pois é esse aspecto estranho que justamente aponta para nossos limites.

Tudo isso pra dizer que acho que quando a gente continua apenas trabalhando com conceitos mas em um nível do senso comum a gente não anda, a gente só aparenta estar andando, aparenta estar sendo inteligente. O que me lembra algo que o Patrice Maniglier fala sobre os intelectuais.

No caso ele descreve os intelectuais filósofos’ que ocupam a mídia. Ele fala sobre como eles dominam muito bem a técnica da redação”, como eles conseguem construir textos organizados, com uma boa problemática, que eles citam a tradição e os modernos.

Mas qual o problema? Apesar de todos esses elementos eles ainda estão nivelando toda a realidade. É tudo o mesmo plano, não tem paralaxe (hah), tem apenas um plano contínuo chamado senso comum onde os sentidos tendem a se equivaler.

O problema deles é que basta mobilizar a tradição, ou alguns conceitos, para iluminar um problema. No fundo isso é tão falso quanto aquele que simplesmente resolve apresentar informações novas. O difícil é que a verdadeira iluminação não deixa de produzir mais nuance e sombra.

September 14, 2019

A incomensurabilidade das causalidades complexas

O problema de ler o Paulo Arantes é um pouco como ler o Marx tardio, Marx do Capital. As causas são tão complexas, amplas, impossíveis de dar conta completamente que você sente uma vertigem com relação a sua capacidade de agir.

É ao mesmo tempo impossível agir adequadamente sem uma dimensão correta da complexidade, mas ao mesmo tempo essa complexidade é ela mesma demosbilizadora na medida em que torna a nossa agência individual irrelevante no esquema geral das coisas.

Algo que se torna ainda mais pesado se considerarmos que somos bombardeados há séculos com a ideia da prevalência do indivíduo, o indivíduo como átomo e ponto irredutível da sociedade. A redução de corpos mais complexos a uma mera soma desses átomos.

Isso, talvez, seja o que torna essa complexidade desmobilizante. Pois sim, do ponto de vista do indivíduo a coisa parece impossível, intransponível. Mas o problema é justamente esse, em parte, a redução da ação ao ponto de vista do indivíduo. É isso que torna impossível ver.

É o que me faz retornar sempre pro Bento, pro Bento do Tratado Político, onde ele desenha os megazords dos tipos de governos. Onde ele procura tentar mostrar como construir um corpo complexo que ao mesmo tempo distribui o poder.


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