September 15, 2019

O intelectual público num mundo sem empiria

Uma coisa que eu penso é nas implicações da figura do intelectual se aceitamos (se aceitamos) que não existe conhecimento empírico (essa tese de um amigo que cada dia que passa eu abraço com mais força).

Nem vou entrar no mérito do valor ou não dessa figura. Se temos espaço ou não (“no gods, no masters”), mas acho que ainda assim a ideia de uma iluminação pública” é interessante se a gente não ignora as infraestruturas midiáticas que compõem a cadeia comunicativa.

Pois em certo sentido uma coisa que vemos muito é que a iluminação vem a partir do fornecimento de informação. Como se toda e qualquer iluminação possível fosse fruto da confrontação com evidências.

O problema disso está bem elaborado no paradoxo do Mênon. Como conhecer aquilo que não conheço se sequer teria capacidad de reconhecer? E se conheço efetivamente, não seria o caso de eu estar apenas reconhecendo aquilo que já conheço? Essa aporia problematiza a experiência.

Problematiza pois a simples experiência sensível não é condição suficiente para que se efetivamente conheça algo que não se conhecia antes. O que é uma merda, já que não basta então ter informação pois isso não significa que você conseguirá entender no que ela se encaixa.

Significa que a experiência sensível é irrelevante? Não, claro que não. Apenas que ela não é condição suficiente. Claro, isso tudo se se leva a sério o paradoxo do Mênon que eu falei acima.

Sem entrar em muitos detalhes (ou seja, evitando as questões espinhosas) acho que um conhecimento efetivo do desconhecido implica uma reforma categorial (e você pode escolher seu autor predileto que fala disso: Deleuze para os continentais, Sellars para os analíticos).

Reforma categorial seria um movimento de reorganização (criação/redução também) das categorias que se compreende a realidade a partir da experiência de algo que não é compreendido, que não faz sentido. Ou seja, não se trata de se adequar a uma coisa, mas de abrir espaço pra ela.

O que implica um elemento criativo. Pois se não se reconhece”, não se compreende isso que leva nosso pensamento aos nossos limites (ou seja, ao ponto que não podemos pensar), qualquer solução precisa ser criativa, mas uma criação que tem um lastro que a limita.

Não adianta eu inventar categorias, conceitos, reorganizar tudo se isso não produz alguma espécie de integilibilidade nova. O mérito que eu vejo no Marx é justamente esse, ser capaz de partir de um fenômeno latente e a partir da especulação conceitual tornar algo inteligível.

Pois bem. Nesse caso, a iluminação da figura intelectual não pode se contentar em fornecer ideias, fornecer contextos. É preciso efetivamente - me perdoem pela hipponguice - expandir os limites da percepção [pois o conceito é, essencialmente, um psicotrópico].

E isso não é possível fazer sem que os conceitos usuais sejam tornados estranhos (sdds Viktor Chklovsky). Acho que isso é o mais importante. Não tornar as coisas confortáveis, mas mostrar o aspecto estranho. Pois é esse aspecto estranho que justamente aponta para nossos limites.

Tudo isso pra dizer que acho que quando a gente continua apenas trabalhando com conceitos mas em um nível do senso comum a gente não anda, a gente só aparenta estar andando, aparenta estar sendo inteligente. O que me lembra algo que o Patrice Maniglier fala sobre os intelectuais.

No caso ele descreve os intelectuais filósofos’ que ocupam a mídia. Ele fala sobre como eles dominam muito bem a técnica da redação”, como eles conseguem construir textos organizados, com uma boa problemática, que eles citam a tradição e os modernos.

Mas qual o problema? Apesar de todos esses elementos eles ainda estão nivelando toda a realidade. É tudo o mesmo plano, não tem paralaxe (hah), tem apenas um plano contínuo chamado senso comum onde os sentidos tendem a se equivaler.

O problema deles é que basta mobilizar a tradição, ou alguns conceitos, para iluminar um problema. No fundo isso é tão falso quanto aquele que simplesmente resolve apresentar informações novas. O difícil é que a verdadeira iluminação não deixa de produzir mais nuance e sombra.


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