September 19, 2019

Um populismo climático?

Alguém fala sobre populismo climático? Senão tá quicando a bola. Sinto um pouco isso no fenômeno-Greta (não nela-enquanto-pessoa, enfim, ela a essa altura não é uma pessoa mais, ela transcendeu e se tornou uma figura pública), uma promessa de mudança sem passar por instituições.

Nem entro no mérito da posição dela, das suas ideias, mas ela aparece muito como um ícone de mobilização que correria por fora da política tradicional. Faz muito sentido ela ter força/contágio num momento de desconfiança das instituições como governos, partidos etc.

Ela se endereça a todos. Ela usa muitos slogans marcantes e memorizáveis e, de certa forma, ela fala coisas que deveriam ser capaz de atrair a todos (afinal, quem pode ser contra o que ela fala?). Fico curioso pra saber se ela vai conseguir galvanizar alguma mudança.

Ela ainda tem uma história que é atraente, que em termos de capacidade de afetar as pessoas é enorme: uma pessoa comum, que sofre, tem depressão com o colapso iminente, que luta apesar das suas limitações e ela ainda tem uma cara sempre firme e forte. Uma urgência que transmite.

Agora, e é aí que entorta o rabo da porca, será que uma mobilização nos moldes populistas, como essa que tá sendo impulsionada pela/a partir da Greta consegue funcionar numa esca global? Isto é, para além dos limites do estado e da nação?

Pois se há uma questão em que o internacionalismo parece ser absolutamente necessário é nessa, na questão climática. Ainda assim, é difícil imaginar (o que não significa que é impossível) ver uma mudança em escala global que não seja mediada por estados e nações.

Que a Greta contagie as pessoas eu não estou negando, pelo contrário, é essa capacidade que eu tomo como partida. Que ela circule por espaços de poder também só exprime sua potência como alguém que consegue navegar um espaço internacional. Não é isso que pergunto.

A minha pergunta é um pouco uma dificuldade de imaginar (não no sentido de achar impossível, mas só que é difícil mesmo imaginar o que seria) o que seria um cenário em que os apelos da Greta resultassem em uma articulação global (via estados e nações ou não) em torno do clima.

Eu sinto muitas vezes que as coisas são feitas em termos de step 1, step 2, step 3: ????, profit”. De fato curiosamente esse meme exprime pra alguém como o François Jullien um pouco o paradigma do ocidente. O que ele faz de interessante é mostrar outras possibilidades.

O Jullien mostra nos textos em que compara política/guerra ocidental com a chinesa é a maneira como no ocidente’ tende-se a deixar um espaço sempre para o acaso. Que mesmo nos manuais de estratégia vai haver ali sempre um momento de risco. É o contrário da tradição chinêsa.

Não é que os chineses sejam mais ou menos advinhos, mais capazes de compreender todas as variações. É um certo realismo que procura compreender quais são as tendências para não ter que se opor a elas ou para ter que arriscar algo que seja impossível, uma espécie de cautela.

O realismo deles eu acho que está em tentar trazer ao máximo as dificuldades, os limites, as tensões e contradições pra superfície. Expôr as dificuldades ao máximo para tornar o campo mais navegável, para descobrir as tendências que podem ajudar a agir.

Uma amiga me disse que talvez pareça que eu esteja pedindo uma espécie de agenda mais clara (ou melhor, na verdade ela disse que talvez pareça que estou fazendo como as pessoas que pediam uma agenda para a galera de junho de 2013), mas não é isso.

O que acho é que tem uma série de dificuldades (as amarras institucionais são enormes, você tem uma série de governos, empresas, lobbies, sem contar setores da população resistentes ou mesmo apassivados/oprimidos por uma precariedade que já vivem) que são realmente DIFICULDADES.

Claro que não vou ser eu que vou resolver essas coisas do conforto da minha cadeira. Não é isso. Tou só trazendo um pouco aqui a minha dificuldade de imaginar mesmo. Gostaria de acreditar que isso não é uma impossibilidade, daí a tentativa de exprimir isso aqui.


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