September 8, 2022

Alguns comentários sobre a figura do rei-filósofo

O que eu acho que as pessoas esquecem” ao zuar a figura do rei-filósofo, é que da maneira como ele é descrito, é uma posição ingrata” do ponto de vista dos desejos da cidade: pessoas que vivem sem bens, dividindo tudo, sem parceiros sexuais, transparente a todos os cidadãos.

A cidade ideal (que é a segunda cidade apresentada no diálogo) é uma cidade em expansão para dar conta dos desejos ilimitados de seus cidadãos. Os reis, porém, como aponta a Debra Nails, ainda vivem em condições semelhantes à vida comunitária proposta pelo Sócrates inicialmente.

Não chega a ser um modelo clastriano de poder, mas certamente estamos distante de qualquer figura autoritária que concentra na mesma figura do poder a autoridade do governo e o gozo dos frutos produzidos pela sua governança.

September 6, 2022

Sobre a con art” de instagram

Eu gosto muito de acompanhar a con art” alheia no instagram. São pessoas que não fazem nada que não seja banal (não chega a ser ruim, mas também não é bom, nada excepcional). E ainda assim, você vê ali um certo golpe, que é tão mais interessante quanto mais na cara está.

Eu acho que há uma arte nisso, uma espécie de esforço de levar até o limite a capacidade de enganar o outro (esse que nem sempre é otário, apenas caiu num ponto cego que ele não tem culpa de ter). Acho bonito (invejo?), pois há um nível de sofisticação e habilidade que aprecio.

Os meus casos prediletos são aqueles em que a pessoa está o tempo inteiro dizendo para você que aquilo é um golpe, que você está sendo trapaceado, e que o único efeito desse aviso é fazer com que as pessoas caiam ainda mais facilmente como trouxas. É belo (ainda que não moral).

É por essas e outras que sou apaixonado pelo Sócrates e Platão. Acho que o diálogo O Sofista” inclusive abre com esse problema: como separar o farsante do filósofo se externamente ambos se parecem a mesma coisa? Eis um problema que o próprio Platão não consegue resolver.

Se eu fosse uma dessas pessoas que escreve livros e que ainda por cima escreve livros aleatórios”, por obsessões temporárias”, acho que eu escreveria um livro sobre con art” (para entender melhor).

Poderia também oferecer cursos se eu tivesse uma cátedra em general studies”.

September 5, 2022

Sobre a diferença entre amor e desejo

Uma coisa que acho importante na obra platônica, e que acho que fica esquecido hoje fora os círculos estritamente platônicos ou algumas figuras tipo a Carson e o Badiou, é a diferença entre amor e desejo.

Não que seja uma questão de apontar a superioridade de um conceito sobre isso (até porque esses dois conceitos tem uma certa interdependência), mas simplesmente não negar a diferença e reduzir um ao outro me parece importante.

Eu mesmo tenho dificuldade (quando me perguntam no ato) em diferenciar os dois conceitos de maneira sistemática (um dia quem sabe tente por no papel minhas confusões), mas acho que a sua diferença em termos vividos é mais clara que a luz do sol.

Eu diria que a diferença entre amor e desejo, na obra platônica, aparece nas diferenças (e aproximações) do discurso do Lísis e do Sócrates no Fedro. Acho que a Carson entende algo de importante quando dedica tanto tempo a esse diálogo no Eros, the bittersweet”.

E acho que inclusive a dificuldade de compreender esses conceitos não é contingente, já que não são poucas as vezes que confundimos amor e desejo na vida prática. O problema, me parece, ser acreditar que essa confusão implica numa ausência de diferença.

Por isso que gosto da defesa platônica de que o amor é uma forma de ver mais que nem sempre é compreendida por quem está fora do laço de intimidade. O amor é uma loucura em que o mundo aparece de outra forma a partir do dois. É algo incrível essa chance de viver outra vida.

August 31, 2022

As vantagens de não filosofar na metrópole

Mais uma vez pensando nas vantagens e desvantagens de não ter uma tradição filosófica institucionalmente consolidada no país. Por um lado, tradição é uma coisa interessante, uma forma de solidariedade diacrônica. Por outro não há deferências” filosóficas que é preciso se fazer.

Imagina, você é alemão, você precisa lidar de alguma forma com o legado habermasiano, se você é francês, com o legado estruturalista ou fenomenológico (pra bem ou mal), se você é americano/inglês, com as peripécias da tradição analítica.

Se você é brasileiro você até precisa lidar com questões institucionais (afinal, cada lugar tem sua estrutura, e existe uma estrutura que perpassa que tende a ser historiográfica), mas não parece que se trata de uma tradição consolidada” em que alguns surgem como inevitáveis.

August 29, 2022

Alguns incômodos com Nietzsche

É impressionante, a cada leitura que passa, a cada vez que retorno, eu acho o Nietzsche cada vez mais besta. Hoje eu leio o eterno retorno, no parágrafo 341 do Gaia Ciência como uma espécie de bravata de quem não está sendo esmagado pela máquina de moer gente do capitalismo.

Muita gente mais sofisticada e com mais tempo nas mãos fez críticas mais substanciosas ao conservadorismo do Nietzsche. Mas acho que além disso, hoje em dia me incomoda como pra mim a coisa tende a aparecer como uma leitura empobrecedora da realidade.

E acho que o Nietzsche foi importante para toda uma geração aí impactante (alemães da primeira metade do xx e franceses da segunda metade do xx), mas não sinto que ele seja relevante para nós hoje em dia (salvo como artefato histórico que ajuda a entender nossos antecedentes).

Isso não impede as pessoas de tirarem um proveito do Nietzsche (como é possível tirar proveito de qualquer pensador), de encontrarem coisas que os ajudem a pensar. Acho que enfim, a mágica da leitura está um pouco nisso. Mas tendo a achar mais mérito dos leitores do que dele.

August 25, 2022

Crítica ao gênio jovem

Quando eu penso em artistas que explodem” depois de uma janela de juventude (penso, por exemplo, no Sebald), eu sempre fico pensando quanta coisa massa que existe que jamais chega a circular muito por contingências do mercado artístico.

Isso pra mim tem um efeito duplo. Por um lado acho que me faz desinflar um pouco os supostos gênios da esfera pública (há muito confete). Sinto que a percepção consensual de genialidade tende a ser algo que para funcionar precisa apagar como aquela pessoa se relaciona com outras.

Por outro lado acho que me faz ter mais atenção com as coisas que me cercam, com aquilo que pessoas próximas fazem (seja em que campo), com perceber que muitas vezes a coisa pode tocar a gente quando prestamos atenção ao que foi feito ali quando também é feita com atenção.

Tenho pensado muito nisso depois de ler sobre o processo de isolamento que o J-A Miller fez na obra do Lacan ao separá-lo daquilo que evidencia as influências, empréstimos etc (independente da qualidade hermenêutica do Miller, não entro no mérito se é bom ou ruim).


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