August 25, 2022

A falta de experiência com variedades de leituras

Pensando como a leitura é uma experiência ao mesmo tempo tão difusa mas tão pouco comentada. Não lembro de no colégio ter tido momentos de refletir (e praticar) diferentes formas de ler, de entrar num texto (mais superficial, mais profundo, aprendendo modulações).

Acho que só fui me dando conta de como há uma variedade imensas de formas de ler bem recentemente ao começar a conversar com amigos sobre dificuldades nossas (e percebendo como na universidade o modo adequado de ler a depender do contexto nem sempre é explícito [bourdieu vibes]).

Não acho que isso seja culpa de ninguém”. Também tou tentando evitar recair nessa polaridade entre não há tempo pra ler pois geralmente o discente está imerso em corres” [verdade] ou apesar de tudo não se faz ciência sem que se dedique à leitura de alguma forma” [verdade].

Acho que entender como há formas de leitura, praticá-las, tentar situar elas a depender do contexto, talvez possa ser um caminho mais produtivo para encarar esse problema? (algo que ficou claro pra mim depois de ler comentários da @rntdlsss e @estocastica mais cedo).

Isso sem entrar nos méritos cognitivos”. Se você lê o Nabokov falando sobre literatura você fica a impressão de que se não recria visualmente todas as cenas do romance você está perdendo tudo. Eu, por exemplo, nunca fui capaz disso, raramente imagino cenas visualmente.

Isso não tem a ver com tentar pouco ou mesmo com eu não saber ler (quer dizer, acho que não, ao menos nunca me atrapalhou ou me fez fruir menos). Acho que tem mais a ver com o fato de que a gente fala muito pouco sobre as nossas experiências, sobre coisas que tomamos com óbvias.

Agora imagina isso para textos acadêmicos? Tem diferentes formas de ler e de apreender (dá pra decorar, mapear, dá pra escanear, dá para prestar atenção na superfície ou procurar sentidos profundos). Dá pra ir de traz pra frente, dá pra ir pelo índice de termos ou pelo sumário.

A gente raramente fala disso, raramente conversa abertamente sobre a prática concreta de leitura. A gente fica em abstrações e acho que isso cria muita dificuldade (pois quem não consegue performar um certo modelo dominante se fode). O resultado é uns critérios invisíveis.

Eu comecei a pensar muito nisso ao refletir sobre concursos de filosofia. Se você pensa bem (e tenta se preparar para eles), você percebe que há tipos de leitura que tem mais chance de sucesso (independente de qualquer qualidade filosófica sua). Mas nada disso é dito.

Claro, um mercado precisa operar por seleções. O problema não é esse. Este é apenas um exemplo em que as formas de ler não ficam esclarecidas (e tendem a se fuder quem não tem capacidade de manjar as regras do campo).

August 24, 2022

Sobre as imagens da institucionalidade da filosofia

Essa thread é boa. Acho que a situação aqui no Brasil é um pouco diferente (sinto que o campo de história da filosofia” tem uma predominância maior por n’ razões), mas ajuda esclarecer também as distâncias entre ideias que circulam em depts de filosofia e de outras áreas.

Isso não é algo que eu estudei (nem saberia como começar a estudar isso, para ser sincero, então fico no registro das impressões), mas sempre fui fascinado pela maneira como a filosofia que circula em departamentos é diferente daquela que circula fora.

Não são apenas autores que são diferentes (de maneira tosca: filosofia analítica’ circula muito mais dentro de departamentos de filosofia do que filosofia continental’), mas a própria imagem que se tem da filosofia, as expectativas, é bastante diferente conforme o local.

Durante um tempo eu me perguntei se isso se devia a um engajamento menos contínuo de quem é de fora, mas hoje em dia acho que isso é apenas uma maneira de querer preservar uma forma específica de se engajar com a filosofia como a forma ideal.

Isso também acabaria pressupondo que qualquer engajamento mais consistente com a filosofia levaria necessariamente ao desenvolvimento de certos procedimentos e práticas que vemos em espaços como departamentos de filosofia (que são essencialmente dedicados à filosofia).

Não apenas isso ignora que a filosofia historicamente foi mais do que sua instanciação na universidade moderna e suas dinâmicas específicas (e de questões de trabalho nesse mundo), como a gente também acaba restringindo demais o que podemos fazer com o pensamento.

Por isso talvez hoje em dia (e por sempre ter trabalhado muito mais com gente que é de fora da filosofia do que gente de dentro) tem me interessado cada vez mais explorar o que é que dá pra fazer nesses espaços que tendem a ser considerados de engajamento menor” ou secundário”.

August 16, 2022

Bourdieu e o ensaísmo

Bourdieu também me fazendo pensar que a transformação do ensaio em gênero e a sua eleição por uma certa filosofia atual como •espaço• da escrita disponível ao filosofar é uma forma canalha de reproduzir saberes não partilhados (posto que não ensináveis, ainda mais em massa).

Tentando separar aqui meu apreço de uma certa experimentação ensaística desse movimento institucional que fica afirmando aqui e ali que o que sobra para escrever [nesse tempo de ruínas] são ensaios” sem nunca conseguir articular de modo transmissível o que é isso.

O ensaio acaba não sendo nem uma forma específica, com convenções e procedimentos particulares que acabam apresentando um objeto singular e nem o local de experimentação livre disponível democraticamente a quem realizar um movimento de negação das formas de escrita.

Ele vira apenas um tipo de texto que ganha seu estatuto de ensaio após ser reconhecido por aqueles com poder em determinado campo e que são capazes de consentir esse status sem jamais disponibilizar seus critérios. Um shibboleth que sinaliza a entrada na cultura letrada.

No fim das contas, sinto que no Brasil a discussão sobre se um texto é ensaio ou não é” na maior parte das vezes pode ser reduzida a capacidade desse texto capturar ou não as regras e tiques não-ditos da elite letrada nacional.

E isso pra mim aparece no fato de que os esforços de encontrar uma genealogia pra esse gênero (Lukács! Montaigne! Adorno!) por mais que possam produzir bom trabalho historiográfico, raramente são operacionalizáveis a ponto dos procedimentos se tornarem reprodutíveis.

Há um livro a ser escrito sobre o lado literário” da esfera pública nacional que parte de uma tentativa de compreender e elaborar como a proposta ensaística que conecta a Revista Clima” (1941-1944) até a Serrote (2009-?) acabam conformando e delimitando os debates públicos.

August 15, 2022

Um estranhamento com a melancolia

Uma coisa que não entra em mim (e que me deixa bastante incapaz de entender muitas coisas) é uma certa disposição triste ou melancólica. Não que eu não tenha tido esses momentos. Diria inclusive que pra mim uma grande dificuldade é o aumento de frequência nos últimos anos disso.

Mas não sei se consigo olhar para as coisas de partida” nessa chave. Acho que pra mim é alienígena demais (e muitas vezes eu me frustro quando talvez deveria ser compassivo). A disposição mais solar/alegre, também me torna muito passador de pano acho, querendo ver o melhor.

E acho que uma disposição alegre não significa que eu estou feliz o tempo inteiro, já que não são poucas as vezes que eu vejo como resultado imediato dessa imagem uma certa sensação de estupidez (por não ver outras disposições) ou de que agi errado pelas minhas expectativas.

No fim das contas eu diria que isso me faz sentir mais sozinho (embora quando encontre alguma pessoa afim seja um conforto que nem consigo descrever,), pois realmente acho que a perspectiva de decepção com o mundo me parece uma tendência estatística difícil de fugir.

É meio cômico que uma disposição solar, anti-introspectiva, agregadora e com um otimismo razoavelmente inabalado (sobretudo pros tempos presentes) acabe me deixando frustrado, reflexivo, sozinho (em termos, pois felizmente bem acompanhado) e sem qualquer perspectiva.

August 15, 2022

As transmissões inesperadas na filosofia

Uma coisa que sempre me fascinou na filosofia é a maneira como a transmissão de ideias, valores, princípios nem sempre se dá na superfície do texto. Aquilo que alguém intencionava transmitir nem sempre é aquilo que dá tração em outros contextos e que se mostra mais interessante.

Eu sempre me lembro do Mênon, do problema da transmissão da virtude, pois acho que de alguma forma ali as incompreensões” históricas que abundam na filosofia parecem ser uma forma tateante de explorar as formas que se transmite algo que não está na letra do texto.

O problema é que as vezes aquilo que não está na letra do texto nem mesmo é totalmente visível, inteligível, para a pessoa que escreve o texto. De alguma forma o problema é a transmissão do espírito” (por falta de palavra melhor). Mas o que ele é está sempre a se determinar.

August 11, 2022

Desafios da escrita de filosofia para ensino básico

Uma coisa que torna pra mim difícil escrever textos de filosofia para o ensino médio é que o texto não é simples veículo para ideias, mas é aquilo mesmo que deve transmitir a validade de ideias que não tem referência fora da textualidade (ou da discussão).

Não entro no mérito de outras disciplinas, mas pra mim isso complica a coisa pois é quase inevitável que o texto vá se complicando no processo, vá se tornando difícil na medida em que a qualidade da coisa está ligado a construir os argumentos complexos que transmitem as ideias.

Não dá simplesmente para escrever em linguagem simples” pois como o texto não é mero suporte/veículo, ele próprio tem que acabar produzindo conexões que fazem surgir algo que é pensável a partir do que está disposto ali. Mesmo exemplos (importantes) não tem força sem isso.

Isso é um problema que estou lidando a alguns anos, e acho que mesmo aqui não consegui justificar direito (e não acho que é um problema apenas para o ensino médio, mas acho que ali há algumas demandas que dificultam ainda mais esse processo).

De minha parte eu tento me concentrar em poucas ideias, mas fornecendo o máximo de elementos que ajudem os alunos a conseguirem percorrer o processo de pensamento que acho que está envolvido na construção das ideias. Na ideia parece fácil, mas na prática dá um trabalho da porra.

Não são poucas as vezes, no processo de escrita, que fico completamente desesperado, achando que minhas editoras vão querer cortar minha cabeça pelo tanto de volta que tou dando no texto, pelo tanto de contexto que tento fornecer para conseguir transmitir algumas ideias.

E é umas coisas que vão acumulando e no meio do processo até fico preocupado de estar viajando demais (felizmente com o tempo fui me afinando com quem me edita e acho que ainda que tenha medo, tenho conseguido me aterrar um pouco mais de modo que os problemas são mais pontuais).

Sem contar outros problemas inevitáveis nessa miniaturização das ideias (o risco de estar deturpando elas”, de estar simplificando” ou mesmo estar fazendo recortes que enviesam demais sua elaboração). É sempre um sufoco tentar fazer algo que não seja só dogmático.

Mas eu preciso admitir que apesar disso tudo gosto. Gostaria de ser mais bem pago (hah) e também gostaria de ter prazos menos apertados. Certamente é um tipo de trabalho que eu conseguiria me ver fazendo por mais anos (ainda que esse ciclo que tou envolvido vai terminar agora).

Acho que bem ou mal é um desafio que me obriga a construir outra relação tanto com a filosofia como também com a maneira como escrevo (e como penso as formas de me endereçar aos outros).


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