November 9, 2019

O compromisso implícito ao se utilizar jargões na filosofia

Há um certo luxo em abdicar de palavras, certos jargões. Mover sem elas certamente dificulta a comunicação, traz mais atrito - e não são todas as situações que pode-se passar sem elas. Ainda assim, no caso da filosofia, a coisa parece ir na direção contrária.

Quanto mais nos apoiamos em termos consensuais mais abdicamos a responsabilidade de articular localmente o que há de conceitual para além do discurso. É vital, acredito, mensurar essa distância sem a qual a filosofia não existe.

Não é surpresa que Platão seja apaixonante pra mim. Ele procede justamente por um esvaziamento dos jargões, das grandes teorias”, ou seja, de qualquer coisa que pode facilitar a compreensão. Mas ele não faz isso por um horror à comunicação, mas por aspirar outra objetividade.

November 9, 2019

Hipóteses prévias à leitura do livro Le triple du plaisir” de Jean-Claude Milner

Hipóteses antes da leitura desse livro. O livro aparentemente trata das relações entre prazer, amor e sexo a partir da antiguidade grega. O que eu tou pensando é que essa relação tripla talvez possa ser mapeada na distinção entre finitude, infinitude e irrupção que esbocei antes.

No caso o amor diria respeito ao elemento infinito. Ele não é algo que se esgota, ele não teria propriamente um objeto delimitado (pelo contrário, ele seria a própria ilimitação que aparece na medida em que fronteiras são rompidas). Também não faz sentido falar de duração dele.

O prazer seria um elemento finito. Algo que dura, que é positivamente determinável (ainda que nem sempre de modo preciso). Ele é também algo que acontece com/nos nossos corpos. É, portanto, talvez, a finitização do amor. Ou, o que acontece com o amor quando atualiza?

Por fim o sexo seria justamente a irrupção, o evento, o corte, que marca a dialética entre finitude e infinitude. Esse é o ponto em que, confesso, tenho menos clareza. Falta também entender melhor as dinâmicas do infinito-finito (incipit Badiouanismo).

November 4, 2019

Sobre Platão como uma origem da tradição

Hoje conversando com um amigo percebi que uma das razões de tomar Platão como ponto de origem da filosofia não é pelo fato de que ele seja “primeiro”” de nada (não é), mas por ser sempre ele que é repetido [diferencialmente] ao longo da tradição. A tradição fez de Platão origem.

Parece pouco, mas isso ajudou demais a entender um pouco a minha fixação com ele e a minha intuição da sua importância. Claro, todo mundo sabe que ele é importante, mas agora tou entendendo pra mim mesmo o porquê dessa importância (duas coisas diferentes pois: diálogo da alma)

November 2, 2019

A centralidade do amor para a filosofia

Eu tou relendo passagens do Eros pra preparar minha apresentação da semana que vem e é impressionante esse livro.

Certamente está entre os poucos livros que me fizeram pensar diferente. Abriu todo um campo de problemas e questões que, ainda que existisse, ficava subordinado. Inclusive o próprio Platão se transformou nessa leitura e passei a entender um enorme ponto cego que tinha com ele.

Depois de muitos anos sem conseguir entender finalmente caiu a ficha a centralidade de um diálogo como O banquete” na obra platônica. Claro que eu ”entendia””, mas ainda assim não via como ali se entrelaçava filosofia com a prática a partir da situação erótica.

Passei muito tempo tentando entender de que modo aparecia a filosofia como um certo movimento natural da própria vida prática. Até tinha lido os comentários de Hadot e Foucault sobre a relação entre filosofia e amor, mas a coisa sempre aparecia de modo vago ou irrelevante.

Agora eu vejo que a terceira parte da minha tese (e a parte final da segunda) teria que toda ser re-escrita segundo esse ponto de vista. O que faltava ali pra entender a eficácia do conceito era conseguir entender direito o gatilho pra sua elaboração. Pois a eficácia é atenção.

November 2, 2019

A falta de interesse entre pares na filosofia

Ontem conversava com uns amigos sobre um tema horrível, que é a falta de interesse dos pares pelo que fazemos. Claro, há amigos, há pessoas que leem, mas o desinteresse institucional mesmo, os efeitos de estar estudando coisas esquisitas que sequer compõem um campo marginal.

Os espaços de troca são sempre efêmeros e você raramente sente que aquilo faz diferença. O ressentimento com o sucesso de outras áreas é inevitável, considerando que isso se traduz em bolsas e vagas em alguns casos. Não tem revistas pra publicar e o currículo sofre.

Mas o pior mesmo, ao menos pra mim, é sentir que aquilo não faz a menor diferença. De novo, tenho a sorte de ter um grupo de amigos na área que por conta da Philia se interessa no que faço, presta atenção, lê, debate. Mas fora disso? Parece um deserto.

E claro, é difícil, todos estão sem tempo, as urgências e as necessidades são outras. Mas acaba tudo funcionando como uma espécie de incentivo pra alimentar um pouco a inércia, pra cultivar uma espécie de reclusão (em mim vejo isso aparecendo num desejo cada vez maior de aula).

Cansa demais, ainda mais nessas condições precárias. E isso me faz querer exprimir e produzir menos ainda. Não me deixa sentir a vontade. É difícil. A sorte é que estou dando aula. Na verdade acho que é o que me salva, pois é um espaço onde uma certa gratificação existe.

E, o que tem me corroído até o último fio de cabelo, é pensar que boa parte dos cortes de interesse acaba ocorrendo por escolhas bibliográficas. Sou tão louco por bibliografia quanto qualquer um aqui, mas quando ela se torna o filtro de seleção aí realmente há problemas.

Que se eleve ou rebaixe o trabalho de alguém pelas escolhas dela (sejam escolhas incorretas”, na mida”, antiquadas”, canceladas”) é algo que me causa azia demais. É a cereja do bolo na espetacularização da teoria.

É aquela velha história, você está vendo uma apresentação de alguém, um amigo, ou a sua, e um canalha fala: faltou falar de x’.” Ou mas porque você usa y’?” Faltou o que cara pálida. Na maior parte das vezes aquele tipo de sugestão passa ao largo de tudo o que foi discutido.

A pessoa fica com cara besta, se sente completamente ignorada em tudo o que disse. É claro que a escolha bibliográfica diz algo. Agora achar que ela condena e resume tudo o que pode ser dito? Que delimita de antemão absolutamente como um texto pode ser usado? Ah vtnc.

Citar Deleuze não te faz santo, e ler Hegel não te faz demônio. Quer dizer, só quando ler continuar sendo esse gesto vazio de se ater ao nome na lombada impressa por um nicho do mercado editorial que procura sobreviver às custas do espetáculo.

October 29, 2019

Sobre a relação entre o uso da linguagem e o problema da boa vida

Eu tenho pensado cada vez mais como tem um uso cifrado da linguagem que é essencial pro que eu entendo como boa vida. Uma certa polidez que passa pela não-literalidade, por uma sinceridade que é mais mediata do que imediata. Que depende de uma certa opacidade que ajuda a aliviar.

Eu acho que nada disso é muito generalizável, inclusive eu poderia dizer que em certo sentido é geracional (deixando em suspenso como se determina uma geração, como se delimita, em quanto é temporal, em quanto é espacial e enquanto é também um corte de classe).

É engraçado, pois acho que o DFW, com todas as questões dele, entendia isso. Essa preocupação imensa com a literatura de auto-ajuda sempre me pareceu (de longe) com um interesse pelo valor de uma retórica que consegue realizar de modo efetivo uma autenticidade emulada.

E eu confesso que ultimamente tenho tido pouca paciência pra gramática da espontaneidade, a gramática da autenticidade (nesse nível mais direto e imediato). Acho que isso tira profundidade (e talvez aí seja o juízo de gosto atuando).

O meu ceticismo entra aí. Nessa ideia de que existe uma interioridade que seria exteriorizada de modo simples. A espontaneidade depende disso, da capacidade de algo se exprimir sem limites. Ou melhor, encara a dificuldade de expressão como uma limitação sobre uma subjetividade.


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