October 28, 2019

Um privilégio da periferia na lida filosófica

Repetindo essa posição pois faz tempo que não digo: Não acho que faz sentido escolher autores pra amar/odiar. Normal sentir afinidades, trabalhar mais a partir de certos autores. Mas a ideia de clubinho (anti ou contra) é besta. E acho que faz menos sentido do pdv da periferia.

Tem um distanciamento irônico que sinto que é produzido pelo caráter periférico. Inclusive acho que é um luxo achar que podemos jogar esse jogo de adesão. Não consigo formular isso bem, mas acho que quem consegue lidar bem com isso (com todos os problemas dele) é o Paulo Arantes.

A gente tem até um privilégio de não precisar entrar nesse jogo do ponto de vista de primeira ordem (ou seja, encarar a coisa como simplesmente uma disputa entre teses/posições). O fato de que somos estranhos a isso nos permite enxergar a coisa do ponto de vista do ridículo.

A paralaxe (hah) aparece aí. Não como uma forma de recusar a competição entre teses e hipóteses, mas como forma de requalificar o que é isso a partir do caráter altamente ridículo da filosofia enquanto instituição e conjunto de práticas. E isso de certa forma é libertador.

October 23, 2019

O papel da literatura secundária em filosofia

Eu entendo a importância de literatura secundária introdutória. Mas as vezes sinto que como é minha área de trabalho” eu não vou estar fazendo meu trabalho direito se não for direto à fonte (ainda que, inicialmente, mediada por literatura secundária - embora não goste).

Isso é uma questão que peso muito. É um problema, não consigo não me envolver com o que vou ler de uma maneira superficial ou leve (isso é bom, na maior parte das vezes, mas em alguns momentos de incompreensão é horrível), ainda mais que não posso usar se não encarar diretamente.

Sei que cada pessoa faz diferente, até porque tem usos diferentes, e eu mesmo não sei direito o porquê de fazer assim, mas sinto que não poderia, por exemplo, construir algo a partir de Kant partindo e dependendo exclusivamente de literatura introdutória pra fornecer ideias.

Em alguma medida eu tenho entendido que tem um elemento do pensamento que é gerado no próprio contato com o texto (o ~diálogo da alma consigo mesmo~) que me parece o mais essencial. Uma espécie de esforço de auto-re-produção dos conceitos que estão ali elaborados.

Mais do que simplesmente compreender o seu sentido”. O que falo é uma espécie de capacidade de gerar esse sentido de maneira interna. E nesse sentido o mais importante do texto não seriam os conceitos textuais”, mas a dinâmica conceitual que aparece na leitura.

October 20, 2019

O peso do mercado editorial na hora de pautar questões em humanas

Vou falar algo que tem um camplo de aplicação muito restrito, mas acho que nós (que lidamos com questões de filosofia, crítica e humanidades) somos muito reféns do mercado editorial na hora de pautar certas questões. É muito difícil não se determinar pelos lançamentos.

Por um lado eu entendo, afinal, muita coisa não é traduzida, demora, então quando chega a coisa acaba ganhando mais leitores. Por outro, a gente acaba tendendo a esquecer aquilo que está disponível mas não circula hoje no campo publicitário editorial.

É como se certos circuitos estimulassem a formação de modismos que em boa parte do tempo acabam funcionando como espaços de trocas entre significantes que apenas marcam” quem emite esses nomes como alguém contemporâneo.

Nem sei se consegui me exprimir direito e também não tenho qualquer solução. Mas fico com forte impressão que a difusão de conceitos” (neologismos ou nomes reutilizados) dificulta o real esforço de comunicação ao fingir uma camada de troca em comum a partir dos jargões da moda.

October 16, 2019

Tentativa de definição da filosofia

Uma tentativa de definição de filosofia que acho interessante (mas com limite, óbvio): a arte da navegação em complexificações auto-induzidas.

Ou seja, uma prática de orientação em uma realidade crescentemente complexa, mas cujo caráter de complexidade é induzido pela própria atividade de navegação. Não deixa de ser um pouco do lema sokrático: a aporia não é limite, mas condição do saber, amplia-se o campo do não-saber.

Um dos limites dessa definição é que ela não daria conta suficientemente do elemento externo ao navegante que também é um dos responsáveis pela complexificação. Pois a partir dos momentos em que o seu quadro conceitual é incapaz de dar conta do real que ele se reforma.

Logo, se o sujeito que navega é quem realiza distinções que complexificam o real, isso é motivado também por algo que é exterior a ele (esse exterior podendo ser tanto de dentro’ como de fora’).

Esse modus operandi é mais visível na filosofia antiga clássica e helênica, mas é também o que parece acontecer na estrutura triádica do conhecimento espinosano e no sistema de juízos kantianos.

Segue o lógos” de fato talvez seja involuntariamente um resumo críptico adequado dessa ideia de navegação. Heráklito como sempre dando a letra:

Desse lógos, sendo sempre, são os homens ignorantes tanto antes de ouvir como depois de o ouvirem; todas as coisas vêm a ser segundo esse lógos, e ainda assim parecem inexperientes, embora se experimentem nestas palavras e ações, tais quais eu exponho, distinguindo cada coisa segundo a natureza e enunciando como se comporta. Aos outros homens, encobre-se tanto o que fazem acordados como esquecem o que fazem dormindo.” (fragmento 2)

October 16, 2019

Esboço da antifilosofia platônica

Efeito colateral positivo da leitura de Platão: cada vez menos consigo usar sem me sentir incomodado palavras/nomes que se passam por conceitos e que despertam debates sem fim sobre seu significado correto mas são no fundo termos vazios que mudam dependendo da boca do emissor.

Agora favoreço cada vez mais elaborações sobre o sentido independentemente dos termos escolhidos (ou melhor, os termos funcionam como marcadores de posições mais do que sinais de adequação/inadequação).

Efeito colateral negativo é que acabo me frustrando pois termos como materialismo”, afetos”, comunismo” são utilizados o tempo inteiro como se eles tivessem um sentido único do qual as pessoas podem se aproximar mais ou menos. Ou seja, há sempre um trabalho de limpar terreno.

October 15, 2019

Sobre conselhos impossíveis na vida acadêmica

escolha um bom orientador”

Como sou platônico, vou apenas mencionar uma coisa de O Sofista” que se aplica a essa situação: Como diferenciar o bom orientador do orientador que apenas parece bom? (afinal, todos já tiveram contato com professores que pagam de amigos de alunos mas são terríveis). Se fode aí.

Apenas pra dimensionar o problema (longe de dizer que isso foi que foi dito), mas caso a situação fosse um namorado machista/opressor, imagina se o conselho fosse procure um homem menos babaca”? Porra, o problema é justamente essa cegueira epistêmica” constitutiva da situação.

Não dá pra resolver com um simples gesto voluntarista, como se fôssemos cientes de todas as situações e como se a babaquice dos professores fosse algo fácil de apreender. Existem casos (que capaz de não serem de minorias) de professores generosos com uns alunos mas não outros.

Sem contar que o ônus acaba recaindo sobre quem? Sobre o aluno, justamente a parte mais fraca. Porra.


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