November 2, 2019

A falta de interesse entre pares na filosofia

Ontem conversava com uns amigos sobre um tema horrível, que é a falta de interesse dos pares pelo que fazemos. Claro, há amigos, há pessoas que leem, mas o desinteresse institucional mesmo, os efeitos de estar estudando coisas esquisitas que sequer compõem um campo marginal.

Os espaços de troca são sempre efêmeros e você raramente sente que aquilo faz diferença. O ressentimento com o sucesso de outras áreas é inevitável, considerando que isso se traduz em bolsas e vagas em alguns casos. Não tem revistas pra publicar e o currículo sofre.

Mas o pior mesmo, ao menos pra mim, é sentir que aquilo não faz a menor diferença. De novo, tenho a sorte de ter um grupo de amigos na área que por conta da Philia se interessa no que faço, presta atenção, lê, debate. Mas fora disso? Parece um deserto.

E claro, é difícil, todos estão sem tempo, as urgências e as necessidades são outras. Mas acaba tudo funcionando como uma espécie de incentivo pra alimentar um pouco a inércia, pra cultivar uma espécie de reclusão (em mim vejo isso aparecendo num desejo cada vez maior de aula).

Cansa demais, ainda mais nessas condições precárias. E isso me faz querer exprimir e produzir menos ainda. Não me deixa sentir a vontade. É difícil. A sorte é que estou dando aula. Na verdade acho que é o que me salva, pois é um espaço onde uma certa gratificação existe.

E, o que tem me corroído até o último fio de cabelo, é pensar que boa parte dos cortes de interesse acaba ocorrendo por escolhas bibliográficas. Sou tão louco por bibliografia quanto qualquer um aqui, mas quando ela se torna o filtro de seleção aí realmente há problemas.

Que se eleve ou rebaixe o trabalho de alguém pelas escolhas dela (sejam escolhas incorretas”, na mida”, antiquadas”, canceladas”) é algo que me causa azia demais. É a cereja do bolo na espetacularização da teoria.

É aquela velha história, você está vendo uma apresentação de alguém, um amigo, ou a sua, e um canalha fala: faltou falar de x’.” Ou mas porque você usa y’?” Faltou o que cara pálida. Na maior parte das vezes aquele tipo de sugestão passa ao largo de tudo o que foi discutido.

A pessoa fica com cara besta, se sente completamente ignorada em tudo o que disse. É claro que a escolha bibliográfica diz algo. Agora achar que ela condena e resume tudo o que pode ser dito? Que delimita de antemão absolutamente como um texto pode ser usado? Ah vtnc.

Citar Deleuze não te faz santo, e ler Hegel não te faz demônio. Quer dizer, só quando ler continuar sendo esse gesto vazio de se ater ao nome na lombada impressa por um nicho do mercado editorial que procura sobreviver às custas do espetáculo.


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Sobre a relação entre o uso da linguagem e o problema da boa vida Eu tenho pensado cada vez mais como tem um uso cifrado da linguagem que é essencial pro que eu entendo como boa vida. Uma certa polidez que passa
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A centralidade do amor para a filosofia Eu tou relendo passagens do Eros pra preparar minha apresentação da semana que vem e é impressionante esse livro. Certamente está entre os poucos