March 3, 2020

Uma proposta de divisão do campo da filosofia

Vou propor uma separação pro campo da filosofia institucional. Acho que na existem quatro campos em que se concentram as atividades (a porcentagem que cada um ocupa não teria como averiguar, mas diria que as três posteriores são minorias):

  1. História da filosofia — da antiguidade, da idade média, da modernidade mas, também, da contemporaneidade (incluindo a contemporaníssima — desde autores recentes continentais como analíticos que publicaram ontem, tratados todos como peças de análise” [termo do @bilhalvagabo])
  2. Estética (análise de obras de arte com ou sem a ajuda de um padrinho filosófico)
  3. Política (sobretudo desde junho de 2013 o gênero >análise de conjuntura + conceitos filosóficos< parece ter explodido)
  4. Filosofia analítica (essa pelo que meus colegas contam é peça rara)

Eu tenho uma hipótese adicional (não verificável, como todas) que parte da razão da filosofia analítica não ter pegado com força é que os concurso de entrada em departamento privilegiam quem consegue navegar bem na história da filosofia (há prós e contras para isso).

February 28, 2020

Comentários sobre a distância entre a história da filosofia e a atividade filosófica

Eu acho que a distinção entre história da filosofia e atividade filosófica (crítica/especulativa) ainda é fundamental. Até pra entender algumas coisas que vem acontecendo na área da filosofia no Brasil. Acho que temos expandido muito o campo da história da filosofia recentemente.

A inclusão de pensamentos que vem de uma matriz não-ocidental (ainda que, é preciso sempre lembrar, não como uma >raíz<, mas como algo que - por mais antigo que possa ser - chega no presente e não no passado) e uma complexificação das nossas raízes é um passo importante.

Mas ainda acho que isso se dá sobretudo na rúbrica de história da filosofia. Comentário, exposição e explicação de outros pensamentos (ou seja, não os do autor). Ainda que de outra ordem, de outra dimensão, parece que o campo especulativo, fora exceções, continua travado.

É CLARO que a atividade filosófica hoje em dia é mediada por relações com a história da filosofia (na verdade sempre foi de alguma maneira ou outra). Ainda assim, sou muito cético de que basta mudar o referente (o autor”) estudado para magicamente produzir-se uma filosofia aqui.

Esse último comentário era mais uma lembrança sobre algumas coisas que dois membros da minha banca de mestrado fizeram na época, que pareciam ir nessa direção. Como se bastasse olhar para outras tradições que existem no Brasil para resolver o problema da falta de assunto” daqui.

Inclusive, eu suspeito que a deferência exagerada para pensamentos não-ocidentais, a facilidade com que se pula na garupa de novos atores da nossa composição da história da filosofia, exprime uma certa vergonha da filosofia que pode ser mais intensa que a dos uspianos dos 60.

Se naquela época a vergonha era não estamos a altura”, não somos preparados o suficiente”, por uma torção a vergonha agora seria do próprio fato de que a nossa relação com pensamentos não-ocidentais acaba sendo mediada ainda por essa coisa que tem características problemáticas.

Como se o fato de estarmos ligados a uma atividade que teve/tem relação com elementos racistas, imperialistas, colonialistas, misóginos etc nos manchassem por simples associação. E ainda assim, o problema é que não podemos nos ligar a uma outra tradição e abandonar totalmente.

Daí talvez a tentativa de que o gesto de se associar aos pensamentos que vem de outras matrizes venha acompanhada muitas vezes de uma demonização excessiva do ~pensamento ocidental~, como que para combater a vergonha de se estar indissoluvelmente ligado a ele.

February 28, 2020

A dificuldade de transmitir ideias filosóficas

Esse texto do Safatle se explicando” pra mim é um sintoma da dificuldade de pessoas que procuram articular posições geradas a partir de sistemas filosóficos complexos fazerem depois uma contribuição pública que será lida por quem não atravessou o sistema.

Eu tou lendo o texto e, tendo já conhecimento de parte do que ele escreve em filosofia”, parece que na verdade ele tá apenas explicitando coisas que ele já falou e que estavam implícitas no texto inicial e que é o que permitem compreender o que ele tava falando inicialmente.

Não tou dizendo que isso significa que ele está certo”, mas que parte das incompreensões passam pelo fato de que sua aparição pública acaba criando uma ilusão de que o que ele diz pode ser compreendido autonomamente, fora da rede de sentidos que ele construiu previamente.

E isso é um problema, uma dificuldade, pois evidentemente a intervenção pública não tem como ser feita com a pessoa carregando sempre junto todo um sistema que muitas vezes não pode ser reproduzido em miniatura. Na verdade isso parece uma das dificuldades da condição filósofo’.

February 17, 2020

Uma defesa das fronteiras disciplinares

Ainda que esteja fora de moda, o Badiou satisfaz meu interesse por preservar frotneiras disciplinares. O que não significa que não haja interações, traições, contrabandos etc. Significa que há campos de sentido com constituições e regras distintas. (ou seja, preserva diferenças).

E acho que tem um elemento perigoso aqui que talvez seja minha posição polêmica. Se você atravessou a fronteira de modo ilegal e conseguiu fazer o contrabando sem ser notado, ótimo. É uma vitória da potência sofística da plasticidade do discurso. (Górgias canta nessa hora).

Mas se você for pego, se algum vigia perceber isso, a minha posição é que o invasor tem todo o direito de ser descascado. Caso contrário se torna uma brincadeira irresponsável, sem risco e sem perigo pra quem quer transitar entee espaços. Ou você aprende o espaço ou o engana.

O que não aceito é quando se entra no espaço sem conhecer as regras ou se disfarçar adequadamente e quando se é flagrado fica choramingando. Acho que isso é um desrespeito aos esforços de constituição dos campos disciplinares (respeito que o sofista tem ao aceitar se disfarçar).

February 12, 2020

A tradição de se sentir estúpido

O problema do texto das confissões de um ex filósofo (que confesso, bateu em alguns pontos aqui por questões pessoais), é que ele ignora que se sentir estúpido, atrasado, correndo atrás é uma experiência constituinte da prática filosófica não dogmática.

Não é pra marcar aqui um espaço de martírio e autocomiseração, mas só reforçar dois ponto óbvios que são esquecidos:

  1. Sócrates passa boa parte do tempo anunciando sua ignorância e talvez isso devia ser visto como a tentativa de aceitar essa posição incômoda mas inevitável.

  2. A experiência do espanto como gatilho pra filosofia é algo que se encontra por toda a tradição (e não apenas na antiguidade). Perder as certezas diante de algo que não entendemos é, portanto, constituinte.

  3. Pra finalizar só lembrar que se a filosofia é associada ao Eros, é por ele ser filho da Penúria com Recurso (Pênia e Poros?). O filósofo teria sua imagem ligada, portanto, a uma pobreza epistêmica.

February 10, 2020

Sobre se sentir um idiota na filosofia

Li a confissão do ex-filósofo do Gironi e tem muita coisa ali que parece self-serving bullshit” (por falta de expressão melhor). Ainda assim, o que ele fala sobre se sentir idiota, preguiçoso e burro é algo duro. Talvez isso não seja um problema para todos, mas aqui é.

Não tanto no sentido comparativo (embora isso exista, isso é real — e fantasmático ao mesmo tempo), mas no sentido de se deparar com limites à sua compreensão. Isso é pior quando se tem um gosto pela coisa (é paradoxal, mas é esse o paradoxo fundador da relação erótica da fil).

Ainda assim o que tem funcionado pra mim, pra ajudar com essas questões é pensar a atividade como voltada para a docência acima de tudo. Claro, me ajuda a lidar com certas pressões, mas não resolve todas (não resolve o fato de que ainda preciso escrever artigos pra publicar).

Pensando aqui e também a partir de um tweet do Negarestani, que é polêmico, desnecessariamente polêmico e também não deixa de conter os seus pontos cegos (e sua cabeça-durice), acho que essa onda de pluralizar ontologias” muitas vezes acaba tendo a ver com essa impotência na área.

Acho que isso não precisa significar que certos trabalhos são inócuos por serem associados a esse campo. Mas acho que de fato tem surgido trabalhos na rabeira de boas obras que pressupõem (as vezes sem querer) que se organizar direitinho (na ontologia) todo mundo se resolve”.

E não é que isso seja um defeito moral. Acho que a situação de impotência do acadêmico em contraste com as promessas da filosofia e sua tradição, acabam gerando ou uma passividade (descrença total niilista ou profissionalização escolástica) ou um construtivismo exagerado.

A posição que me ajuda a pensar essa questão (e ficar nos dois lados), é um texto, conciso mas que vai direto ao ponto, do Tristan Garcia: Une boussole conceptuelle”, que compara de modo produtivo uma pegada mais pluralista” e uma pegada mais realista”


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