February 28, 2020

Comentários sobre a distância entre a história da filosofia e a atividade filosófica

Eu acho que a distinção entre história da filosofia e atividade filosófica (crítica/especulativa) ainda é fundamental. Até pra entender algumas coisas que vem acontecendo na área da filosofia no Brasil. Acho que temos expandido muito o campo da história da filosofia recentemente.

A inclusão de pensamentos que vem de uma matriz não-ocidental (ainda que, é preciso sempre lembrar, não como uma >raíz<, mas como algo que - por mais antigo que possa ser - chega no presente e não no passado) e uma complexificação das nossas raízes é um passo importante.

Mas ainda acho que isso se dá sobretudo na rúbrica de história da filosofia. Comentário, exposição e explicação de outros pensamentos (ou seja, não os do autor). Ainda que de outra ordem, de outra dimensão, parece que o campo especulativo, fora exceções, continua travado.

É CLARO que a atividade filosófica hoje em dia é mediada por relações com a história da filosofia (na verdade sempre foi de alguma maneira ou outra). Ainda assim, sou muito cético de que basta mudar o referente (o autor”) estudado para magicamente produzir-se uma filosofia aqui.

Esse último comentário era mais uma lembrança sobre algumas coisas que dois membros da minha banca de mestrado fizeram na época, que pareciam ir nessa direção. Como se bastasse olhar para outras tradições que existem no Brasil para resolver o problema da falta de assunto” daqui.

Inclusive, eu suspeito que a deferência exagerada para pensamentos não-ocidentais, a facilidade com que se pula na garupa de novos atores da nossa composição da história da filosofia, exprime uma certa vergonha da filosofia que pode ser mais intensa que a dos uspianos dos 60.

Se naquela época a vergonha era não estamos a altura”, não somos preparados o suficiente”, por uma torção a vergonha agora seria do próprio fato de que a nossa relação com pensamentos não-ocidentais acaba sendo mediada ainda por essa coisa que tem características problemáticas.

Como se o fato de estarmos ligados a uma atividade que teve/tem relação com elementos racistas, imperialistas, colonialistas, misóginos etc nos manchassem por simples associação. E ainda assim, o problema é que não podemos nos ligar a uma outra tradição e abandonar totalmente.

Daí talvez a tentativa de que o gesto de se associar aos pensamentos que vem de outras matrizes venha acompanhada muitas vezes de uma demonização excessiva do ~pensamento ocidental~, como que para combater a vergonha de se estar indissoluvelmente ligado a ele.


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