February 5, 2020

Sobre a gênese do problema do amor

Tem uma questão que eu tenho pensado muito, claro, sem muita bibliografia ainda (eu culpo a falta de estabilidade, as obrigações com concursos, projetos, e coisas que não me deixam mergulhar”), que é a gênese do problema do amor. Em que situação esse fenômeno se faz relevante.

Eu sei que tá fora de moda pensar em termos universais. Pensar que há experiências que podem atravessar culturas e que não sejam meramente restritas a um campo de sentido. Que corre-se riscos ao se falar disso, ainda assim, acho que de fato o amor é uma dessas experiências.

E vou ser bem platônico aqui (novidade), pois Isso não significa que ele se dá da mesma forma, que ele assume as mesmas feições, que ele significa as mesmas coisas dentro de contextos diferentes, que ele tem os mesmos conteúdos, que ele tem os mesmos meios ou representações.

Se falo em universalidade no caso é porque acredito que há um problema, que há experiências que de alguma forma podem ser identificadas, associadas, reconhecidas uma nas outras apesar das diferenças e variações. O que não significa submeter as variações a uma forma de amor”.

Na verdade seria antes o contrário, o amor enquanto ideia é que teria a sua potência experimentada sempre por meio das suas variações, como se fossem as suas variações que animassem sua lógica (pensando na thread do @TiagoGuidi1 outro dia sobre a alma).

Voltando ao tema em questão. Se o amor é um universal (nesse sentido que tou falando), como se dá essa universalidade? Não está no conteúdo, não está na posição, não está na representação, na mídia, estaria aonde então? Eu acho que está no problema”.

Eu tou com um palpite, que eu preciso desenvolver, que eu preciso estudar de fato, que o amor é justamente um tipo de experiência que surge do convívio inevitável entre seres humanos (não quero entrar nos méritos do amor interespecífico, isso seriam outros quinhentos).

O problema é que desse convívio, das relações que estabelecemos, haveriam relações que seriam mais ou menos afins, mais ou menos interessantes, mais ou menos agradáveis. E a coisa nem sempre bate com as organizações sociais que sobredeterminam os indivíduos.

Isso significa que o amor é a resistência do indivíduo sobre a sociedade? Não é isso, embora essa talvez seja a forma burguesa que o amor desenvolveu (tou pra ler um artigo antigo do R. Benzaquen com o @nemoid321 sobre Shakespeare e a origem do estado que trata disso).

Mas ao mesmo tempo, acho que não dá pra reduzir a experiência do amor à afinidade. Ainda que eu ache que a coisa apareça a partir de um contexto em que desejos de um indivíduo entrem em conflito com as ordenações sociais de uma comunidade, não parece ser só isso.

Ainda mais que, se a gente pensa no problema do amor, na experiência do amor (bem, aqui talvez vá um pouco de anedotismo), o amor parece ser justamente a experiência que desloca o indivíduo do seu centro. Não é apenas a sociedade que é resistida”, mas o próprio indivíduo.

A questão de ter pessoas às quais você é mais ou menos afim, ainda está numa certa esfera do afeto e do interesse, ainda tem a ver com afirmar os interesses de um indivíduo sobre o meio. O problema do amor é que não raro ele vai contra os interesses do indivíduo.

Não faltam relatos, literários, cinematográficos, artísticos que tentam dar conta dessa dimensão problemática do amor, o fato de que ele não necessariamente é bom para o amante. Mas se ele não é bom pra sociedade (por romper com suas ordenações) e pro indivíduo, pra quem ele é?

Aí acho que entra meu interesse pelo Badiou. O amor parece ter uma gênese numa experiência que abala tanto o indivíduo como a comunidade a um ponto que elas ganham um certo sentido em oposição a ele. Ainda que indivíduo e comunidade se oponham, essa oposição é ainda complementar.

E volta pra questão, onde pode estar essa gênese. Onde estaria a gênese do amor. Acho que dei uma volta achando que ia pra um caminho (achar que o amor poderia surgir de uma situação social banal, o interesse maior por outras pessoas apesar da determinação social), mas não.

O que talvez seja o caso de entender um tipo de situação social específica que entramos e que se desenvolve de uma forma que nossa própria individualidade é deslocada de importância e marginalizada (sem ser dissolvida). Seríamos mais que um e menos que dois? (cc @gtupinamba)

O que é esquisito. Mas ao mesmo tempo talvez explique como o tema do amor foi e é algo muito importante nos contextos religiosos. Pois justamente a relação com o divino passa também em alguma medida por esse se deixar ser atravessado por algo maior que si.

O que parece ser o caso em algumas situações sociais, mas não em todas. O que talvez poderia explicar o caráter mítico e/ou religioso em algumas sociedades fascistas? Enfim, algumas questões que poderiam surgir.

Mas voltando ao amor, acho que talvez o fato de que não seja qualquer relação social seja o que resta ser explicado. Pois parece ser justamente um tipo de relação (que, pode ser com qualquer um, com quantas pessoas forem?) que força o amante a se mover contra si.

E o difícil é que esse mover contra si pode ser bom, pode ser ruim, pode dar ruim, pode ser fantástico, pode se dar de muitas formas pois o dois é um número bem instável nesse sentido (e bem, A cena do dois” do Badiou formaliza isso de uma bela maneira).

O tipo de relação que a gente precisa circunscrever é então essa que nos força a sair da individualidade mas nem por isso acaba compondo uma nova unidade, uma fusão. Fosse o caso de uma fusão simplesmente não haveria drama, pois as tensões estariam resolvidas.

Rodei, rodei e agora acho que só dei volta sem conseguir atingir o problema que tava querendo discutir.

January 28, 2020

Sobre a falsa impressão de um Platão ascético

É engraçado que a galera adora falar do Platão como o criador de uma filosofia ascética que tende para o suprassensível mas adoram esquecer que sempre depois da imagem de ascensão vem uma de descida.

Acontece na República (quando se critica os filósofos que ficam com cabeça nas nuvens). Acontece no Banquete com Alcebíades. Acontece no Teeteto, em que é também zuado o caráter aéreo dos filósofos e se exige que eles tenham um pé no chão e participação na vida pública/concreta.

January 13, 2020

Sobre a existência da alma platônica

Tenho pensado muito no Fédon. Acho que os argumentos sobre a alma ali conseguem mostrar que tem algo que excede e que não pode ser descrita de um ponto de vista puramente físico. Na verdade acho que a obra toda do Platão é apenas um mostrar” isso, a realidade do abstrato.

O problema da alma é complicado, acho que mistura muita coisa ali, tem um subtexto religioso que não é pra se descartar completamente em nome de um pseudo-ateísmo. Mas é foda que tem algo ali na tentativa de dar uma forma para aquilo que existe fora do tempo.

E tem a ver com ficar tateando aquilo que resiste, o que não consegue ser completamente descrito a partir de um discurso >>>materialista<<<. Na verdade eu nem consigo falar disso direito. Eu ainda tou tateando, vou calar a boca pra parar de falar besteira.

January 6, 2020

Sobre as engrenagens da Ética de Espinosa

A Ética do Espinosa é uma máquina bem azeitada. Isso todos sabem. Mas acho que uma das coisas mais interessantes que tem ali é que o procedimento filosófico-teórico está próximo demais ao procedimento prático-existencial. E tem uma circularidade esquisita aí.

Pois de certa forma as elaborações teóricas que se constroem na ética desenham um tipo de prática possível, um tipo de atitude, ação e procedimento para navegarmos no mundo e cuidarmos dos nossos afetos. Ao mesmo tempo, essas elaborações dependem de um certo tipo de prática.

O que acontece é que no meio da Ética há uma justificativa que explicaria como a nossa prática natural (ou seja, o processo de junção de imagens contingentemente para nos orientar) se converte em uma prática sábia (as imagens se juntam necessariamente) a partir do acaso.

A vida sábia fica, ao menos em seu começo absoluto, refém do acaso. E ao mesmo tempo, o que torna ainda mais difícil, é que mesmo que a gente ensine o caminho da sabedoria (a filosofia?), ainda é preciso que o indivíduo receptor tenha condições de ser ativo para virar sábio.

Em certo sentido o que se pode fazer é isso, talvez, ajudar a criar as condições da sabedoria. Mas o esforço da sabedoria ainda envolveria, em alguma medida, um diálogo da alma consigo mesma”. Os exercícios filosóficos seriam, portanto, isso, tentativa de aprender por imitação.

Isso não é novo. Platão fala no Mênon que a passagem de uma opinião correta para a sabedoria passa por uma passagem da junção contingente de opiniões corretas para uma junção necessária das opiniões certas. Aristóteles também bota a imitação como central para alcançar a virtude.

December 26, 2019

A sombra da metrópole na filosofia

Deve ser divertido trabalhar numa disciplina em que seu campo não é completamente colonizado pelas metrópoles e em que ou você se submete e se torna europeu/americano ou você é no máximo um excêntrico torcendo pra um espacinho pra sobreviver cair do céu.

O fato de que não há objetos” de estudo locais” torna a coisa mais difícil pois por mais que faça muito sentido pra filosofia a coisa não ser nacionalizada”/“particularizada”, na hora institucional você sente com muita clareza que há um teto pra quem não subscreve ao modelo.

E mesmo quando você subscreve, o que você consegue é tentar ser europeu (ou seja, ser um defunto que finge estar fazendo filosofia quando na verdade está apenas fazendo exegeses [algumas boas, algumas irrelevantes]) ou americano (vivo, porém estéril na maior parte das vezes).

E bem, nunca se vai ser tão americano quanto os americanos, tão francês quanto os franceses, tão alemão quanto os alemães.

Vejo o pessoal de história, de antropologia, de sociologia, de crítica literária e até sinto uma certa inveja. Eles tem um espaço pra cultivarem, os tipos de objetos dessas disciplinas permitem isso. Na filosofia acho que o máximo que a gente consegue é tentar imitar isso.

Acho fundamental o movimento de levar a sério tradições não-ocidentais. É um trabalho historiográfico imprescindível pluralizar o campo, mas ainda assim, por mais que história da filosofia e filosofia se misturem, a coisa ainda me parece que é o caráter histórico que abre isso.

É possível que o que eu estou falando aqui seja lido como um apelo a um certo universalismo” da filosofia. E de alguma forma é. Mas acho difícil filosofia que não aconteça fora do jogo do uno com o múltiplo (seja lá o nome que se dê a esse par) e fora do movimento de abstração.

Isso não quer dizer que esse par só pode ser lido da forma que o ocidente faz, óbvio que não. Mas, de fato acho que tem alguns nós difíceis de desatar, difíceis ainda de entender direito, que tem a ver com o fato de que no campo da abstração há constrangimentos colonizadores”.

Na verdade eu acho que é uma falsa solução” achar que basta olhar para o pensamento de não-ocidentais”. Não por isso não ser fértil (é fértil pra kct, e ter lido um pouco de pensamento ameríndio pra minha dissertação certamente é uma das coisas que me fez pensar o que penso hj)

Mas é uma falsa solução na medida em que não resolve o problema. Apenas o desvia para o campo historiográfico. Bem, eu tou especulando aqui, talvez esteja falando besteira, mas algo me diz ainda que não resolve, apenas posterga e deixa a coisa ainda na estrutura historiográfica.

E nesse desvio ele acaba de certa forma repetindo um procedimento bem europeu. Trocando o filósofo tesouro nacional’, por um povo (ou pensador) menor, um povo/pensador esquecido, ignorado pela tradição filosófica colonizadora. Claro, isso gera atrito, gera diferenças.

E não quer dizer que esse trabalho não seja bem feito, não acabe produzindo desvios e diferenças a partir do próprio objeto imprórpio, que em sua estranheza acaba revelando limites do próprio procedimento de exegese/reconstrução do pensamento de um antepassado.

Mas acho que a coisa ainda se mantém presa, ainda se mantém no mesmo esquema e não resolve o problema que ME incomoda. Sem contar que ainda cria um caminho que as vezes se apresenta como o único” caminho pra descolonizar o pensamento. Como se bastasse olhar para o lado”.

(E claro, nem entrar no mérito de toda a condescendência involuntária que aparece junto a esse gesto de achar que basta dar voz ao outro, que basta prestar atenção ao outro - o que não significa que não se deva prestar atenção, enfim, é tudo misturado, confuso, complicado demais)

O que eu acho que é difícil, então, é conseguir fazer essa descolonização” no próprio campo da abstração. É isso que me incomada, ainda que talvez soe um pouco infantil, talvez soe inclusive como um desejo que nem faz sentido.

December 20, 2019

Sobre o amor e o ciúmes

Faz sentido que o ciúmes seja uma coisa que existe se o amor é uma experiência conectada ao conhecimento. Se a gente aceita como Platão que o amor é a experiência da experiência, o ciúme é apenas o que acontece quando a finitude da nossa condição epistêmica esbarra no seu limite.

Mais uma vez eu estou sofrendo com o fato de que a minha tese foi escrita com o ponto de vista errado. Se tem uma coisa que eu tenho certeza agora é que o elo entre a prática e a atividade filosófica é justamente algo que se passa entre eros e philia.

O meu erro foi não ter percebido que a melhor forma de falar de metafilosofia não era falando diretamente de metafilosofia (ao menos não no sentido que me interessava), mas justamente ter investigado esse laço entre amor e conhecimento (e também entre amizade e discurso público).


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