May 4, 2020

Balanço sobre as análises filosóficas do início da pandemia

Muito boa essa thread:

A única coisa que fico pensando é que em alguma medida, se o silêncio e a demora é importante, ao mesmo tempo parece que especular (não-dogmaticamente) é algo que ajuda a mapear as perguntas e questões.

Conversando com o @gtupinamba ele falou algo que realmente faz sentido, há uma homogenidade muito grande na reclamação dos textos filosóficos”, e me pergunto se isso não é um sinal de um certo espírito que não consegue lidar com aquilo que é próprio do âmbito filosófico.

Claro que as vezes pode ser cedo demais, pode ser raso demais, repetitivo demais, dogmático demais e até indústria da produtividade” demais, fetichização do pensamento etc. Mas ao mesmo tempo é engraçado que incomode” que as pessoas estejam tentando articular sentido agora.

Um dos luxos da filosofia (do pensamento em geral) talvez seja que ele não tem hora pra acontecer, não tem caminho certo, não tem conteúdos corretos ou procedimentos homogêneos. Pensa-se à despeito de sentirmos que o momento não é pra isso. Não é isso a liberdade da filosofia?

Entendo que possa irritar essas confirmações”, mas talvez isso aconteça por tomar esses textos não como exercícios e sim como soluções. A régua que mede esses textos com base em uma suposta adequação é que estaria mais próxima de uma demanda produtivista/utilitarista.

O que talvez revele algo que já sabemos, que pensar cansa, que ser instigado a pensar cansa, incomoda e que incomoda mesmo quando discordamos ou concordamos com os textos, incomodam por nos jogarem numa atividade que não gostaríamos de fazer agora (?).

Enfim, acho que talvez essa reação adversa não deixa de trazer em parte um certo espírito anti-filosófico (mas uma antifilosofia pobre) que falaria mais de si do que dos textos.

Mas claro, não falo isso pra desmerecer as críticas, mas, como nos textos, tenho tentado entender o que tem de verdade e o que tem de problemas (pois evidentmente vai ter um pouco de ambas.). Se há questões boas nas críticas, nem sempre elas conseguem separar o bebê da água.

May 1, 2020

Sobre o excesso em ideias

Essa thread é boa pois ela não apenas recusa um falso problema como também mostra a insuficiência dos rótulos na hora de lidar com pensamentos, já que suas contribuições excedem eles.

Tem uma coisa que acho que é ambivalente na thread que me incomoda um pouco. Até entendo que uma das razões pra se ler um autor seja pra entender o >mundo< dele, pra entender a dimensão do seu mundo a partir do que é expresso por meio das suas ideias.

Ao mesmo tempo (e acho que isso fica ambivalente na thread, por isso não é uma crítica, mas uma explicitação), acho que isso é meio que mortificar as ideias, condená-las ao momento em que elas emergem quando muitas vezes a dimensão do pensamento tem algo de a-histórico.

Pois o esquisito das ideias (! alerta platonismo !) é que elas tem algo que não é redutível ao seu campo de atualização/ingressão/aparição e é isso que torna a filosofia e o pensamento um campo interessantes (mas específico) de análise e de estudo.

April 29, 2020

Alguns comentários a partir de O Sofista

Hoje tou pensando de novo no problema que organiza a investigação de O sofista”. Como diferenciar o filósofo do sofista se o sofista se parece com o filósofo? (antes que viúvos da sofística que apareçam pra defender o sofista, é bom ler o Eutidemo pra entender quem é criticado)

O fato de que esse tipo de distinção foi usada muitas vezes para operar a partir de critérios arbitrários para reprimir/apagar posições institucionalmente mais fracas, politicamente mais potentes, não significa que a distinção em si é problemática.

Mesmo Deleuze (em sua ambígua relação com o platonismo) reconhece isso no seu texto final sobre Platão (“Platão e nós”), em que ele reconhece a validade do esforço de seleção. O problema é esse esforço se cristalizar a partir de uma imagem naturalizada.

Daí a sugestão dele, de substituir a seleção a partir da ideia (embora, em minha opinião, uma visão caricata demais da ideia, visto que em Platão a ideia não tem conteúdo positivo) por uma seleção a partir da potência (a partir de Nietzsche e Espinosa).

April 26, 2020

Sobre a figura do conselheiro filosófico

Engraçado o Huck dialogando com filósofos. Tem o Yuval Harari, agora o Sandel. Independente da qualidade deles, é curioso essa volta à cena” do conselheiro filósofo (Olavo pioneiro disso aqui) - mesmo que seja apenas por um valor >simbólico< (pelo que representa).

Nem acho que >conselheiro< seja o papel adequado (acho que o Espinosa ao recusar a cátedra de Heidelberg tava certo), mas independente o pessoal vai continuar cagando em cima da cabeça dos filósofos no campo da esquerda? Sim. Mas os filósofos institucionais também tem culpa? Sim.

As pretensões filosóficas são um eterno problema para posições libertárias e/ou de esquerda? Sua capacidade muitas vezes é vista justamente como o problema. No campo conservador/liberal reabilita o filósofo como conselheiro ou o filósofo ornamental, o que faz sentido lá.

Agora, num mundo marcado por opressão, por valores universalistas que são, na verdade, apenas a ocasião de forçar pontos de vistas particulares, a posição da filosofia fica, com razão, sob suspeita, visto que ela mira na generalização, no universal, no abstrato*.

*Isso evidentemente não esgota a filosofia. Acho que justamente a prática, quando bem realizada, está sempre oscilando entre o concreto e o abstrato, o eterno e o temporal, o universal e o singular.

April 22, 2020

O achatamento de uma história da filosofia ocidental”

Acho que tem que tomar cuidado com o achatamento da história da filosofia ocidental numa pasta homogênea. Não que não hajam características comuns que, por exemplo, permitam diferenciar o pensamento ocidental do pensamento chinês, que seja possível descrever elementos genéricos.

Mas as vezes acho que isso é feito apressadamente e não aguentaria uma investigação mais aprofundada. Também é preciso tomar muito cuidado se sempre os resultados acabam sendo moralmente orientados (“pensamento x > pensamento y” que é a forma que aparece frequente mente).

Também acho meio louco que curiosamente >o outro< acaba sempre sendo a representação consumada dos desejos reprimidos na filosofia ocidental, como se as margens do ocidente fossem sempre encontrar sua forma emancipada numa cultura que, por sua vez, é marginalizada pelo ocidente.

Quando não se faz reduções grotescas (algo que acontece com frequência), acho que há diferenças, há semelhanças, mas acima de tudo, é preciso se perguntar, também, o que se procura quando se realiza esse jogo de contrastes? O que se ganha? Cada operação tem um sentido próprio.

Dito isso, acho que falta um pouco esse jogo de escala nos gestos. Que se salta rapidamente de alguns exemplos, ocasiões, para uma condenação universal do >pensamento ocidental< (que é uma coisa que, por outro lado, também não se sustenta com tanta força se olhar direito).

Inclusive, o que a disciplina da história da filosofia - em suas vertentes mais interessantes (e o Peter Adamson e seu podcast a history of philosophy without any gaps é um excelente representante disso no campo da divulgação) - faz é justamente problematizar homogenizações.

April 21, 2020

Sobre filosofia e dogmatismo

Além do texto sobre Sócrates, dogmatismo, antidogmatismo na internet, outro texto que gostaria de escrever é sobre como esse hábito de desgostar” de um autor específico é algo complicado e problemático [assim como seu avesso, adesão chapada].

Preciso escrever esse texto. Mas ao mesmo tempo queria ler mais a Arendt depois de ouvir umas palhinhas do Paulo Arantes sobre o que é pensar a partir dela, pois acho que afina demais com o que tou querendo escrever.

Mas acho que tem uma coisa, que senti na minha pouca experiência como professor, que é uma tendência a ler os textos filosóficos como postulações de tese dogmáticas. Talvez a minha visão da história da filosofia seja muito poliana, mas acho que é saudável encarar como tateação.

É claro que muitos autores falam de modo dogmático, mas o ponto de vista crítico presente na atividade especulativa é algo que aparece em toda a história da filosofia. O ceticismo enquanto posição filosófica seria apenas a faceta mais extrema dessa natureza cética da filosofia.

E o que acontece, algo que vi, sobretudo em alunos de fora da área da filosofia - talvez por ter menos contato com esse tipo de texto - é uma apreciação dos textos como se as teses ali construídas tivessem sua legitimidade a partir de uma adequação com um estado de coisas.

E de novo, acho que cabe aos frequentadores desse tipo de texto apontarem que esse tipo de leitura dogmatizante (reduzindo um texto a um conjunto de teses), explicitarem esse ponto (algo que não é tão consciente na própria galera de filosofia, apesar de agire” corretamente).

Óbvio que as outras disciplinas não se opõem absolutamente à filosofia nesse quesito, mas acho que nela há a radicalização do clichê que, entre outros, foi eternizado nessa citação falsamente atribuída ao Gabriel Garcoa Márquez:

Todo mundo quer viver em cima da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a escarpada.”


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