May 11, 2020

Comentários sobre o discurso de Erixímaco em O Banquete

O discurso do Aristófanes nem precisa dizer quão maravilhoso é, né? Inclusive nem saberia o que dizer sem repetir clichês. Mas a parte em que ele fala que o sexo foi inventado para que os homens tivessem uma pausa (pela saciedade/cansaço) do impulso mortífero do amor é demais.

Gosto de pensar também que esse tipo de amor que ele descreve, o amor como encontro é justamente o amor sob o signo do encontro. Ou seja, Se a gente entende isso como um dos aspectos ok, o problema é que o amor seja resumido à forma do encontro, algo mais difícil de superar.

May 11, 2020

A história da filosofia como um acúmulo de pecados

Algo que me incomoda em certas leituras da história da filosofia é quando o ímpeto de atribuir um telos pra >grande narrativa< supera o rigor analítico. Leituras como a do Heidegger, por mais que possuam insights brilhantes, acabam transfornando a história num affair” moral.

Como se a história da filosofia fosse apenas um acúmulo de pecados, que ou você recusa ou você precisa desinfectar por meio de coisas de fora (poesia/literatura/ciência/pensamentos não-ocidentais). Como se você mesmo não estivesse implicado em eventuais problemas e ambiguidades.

Eu acho que tem um problema de vergonha aí, vergonha de estar implicado em coisas que não gostaríamos que estivessem tão próximos de nós. Vergonha que faz com que seja necessário negar até parte do que nos constitui e que desejamos para não conviver com certas ambiguidades.

May 9, 2020

Literatura e o problema do conteúdo

Queria que conteúdo” voltasse a ser uma questão relevante na literatura (sem que implicasse tema”, por favor, tudo menos tema, tudo menos um livro da tokarczuk que é só tags do momento). Me parece que a importância do cuidado com forma obscurece que conteúdo não vem do nada.

Você pega algo como os ensaios do Montaigne e aquilo ali, claro, tem um estilo, tem uma forma, tem procedimentos. Mas difícil não dizer que a gente lê o Montaigne pelo que ele faz com o conteúdo? Como ele tritura tudo e reconfigura, mobiliza problemas, lembranças, vergonhas etc.

May 6, 2020

Comentários sobre o discurso de Pausânias em O Banquete

Além da distinção entre sexo e amor que se encontra no discurso de Pausânias, tem um segundo elemento importante que cabe destacar e que faz com que o próprio discurso seja uma espécie de versão miniatura de O Banquete dentro de O Banquete. No caso é seu ponto de partida legal”.

Pausânias parte das diferentes percepções sobre o amor em cidades diferentes, que legislam de formas diferentes sobre o tema. Pode-se falar, talvez, de diferenças culturais que produzem o questionamento sobre a natureza do amor (em alguns locais o amor entre homens é proibido).

Ele, porém, não escolhe entre uma dentre as várias posições sobre o amor, mas — tomando Atenas como caso exemplar — fala da conciliação possível entre essas divergências a partir da explicação das suas diferenças. A síntese passa por um esforço que antes desenvolve que reduz.

O próprio amor é compreendido de forma multifacetada (o Afrodite pandemônia, popular e Afrodite urana, celestial), tendo sentidos diferentes por serem práticas diferentes que, ainda assim, preservam um elemento comum (justamente o caráter erótico, isto é, Eros gerando atração).

Isso não deixa de ser curioso em outro sentido, já que isso parece repetir em miniatura o próprio movimento de O Banquete. Temos ali vários discursos equívocos, várias visões sobre o amor, mas nenhuma delas está exatamente” errada. Trata-se de ir costurando os elementos comuns.

Perde-se demais lendo o Platão como se Sócrates fosse seu representante e o resto otário. Isso fica ainda mais óbvio num diálogo como O Banquete, que possui inúmeros discursos conflituosos mas que nem todos se refutam de uma vez por todas. Que quando lidos atentamente são ricos.

May 6, 2020

Comentários sobre o discurso de Erixímaco em O Banquete

O discurso do Erixímaco é interessante pois ele projeta a divisão efetuada por Pausânias (que por sua vez conservava o caráter virtuoso como elemento essencial do bom amor’) no interior do próprio corpo. O amor não é apenas algo que se dá entre humanos, mas entre qualquer ser.

O amor ganha mais aqui a sua feição de comunicação (não se encontra aí ainda essa ideia, mas vejo o germe), na medida em que ele é entendido como produzido à partir da harmonização de elementos discordantes. Mas é possível entender isso de duas formas, uma das quais vingou.

A forma que vingou é aquela que pensa o amor como uma união. Ainda que a ideia de fusão tenha longos ecos e seja bem forte, acho que, mesmo pra ficar no Erixímaco, isso seria contra o próprio fenômeno observado. A harmonia entre os discordantes não é uma fusão em um ser.

Se a questão é promovida por uma arte, é porque justamente há um esforço de construção e manutenção do caráter amoroso que não se sintetizou em uma unidade. Quem trabalha isso bem é o Badiou em seu A cena do dois” (mas também, de forma mais compreensível em Elogio do amor”).

May 5, 2020

As questões que o amor põe ao materialismo

O problema que o amor põe a algumas concepções materialistas (não tou dizendo que ele impossibilita elas, mas que ele põe um problema) é que se o amor fosse somente ao corpo, nada indicaria a preservação desse amor para além da mutação do corpo.

Falando assim pode até parecer simples e óbvio, mas o que está em jogo (e que aparece no discurso de Pausânias, quando ele fala que o problema do amor sexual é se ater àquilo que é inconstante) é que se o amor perdura, deve ser um amor que está ligado também a outro elemeto.

Depois de ver esse filme da Agnès Varda quero ver dizer à Elsa Triolet e ao Louis Aragon que o amor deles não tem um elemento que excede o corporal: https://vimeo.com/97016643


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