May 18, 2020

Uma leitura periferizante da origem da filosofia grega

Um comentário posterior à polêmica de ontem: pessoal fala da Grécia” como se os caras fossem uma potência hegemônica ultraimperialista em seu tempo. Como fala o Kojin Karatani, o que tem de interessante no momento grego é justamente eles ENQUANTO periferia.

Daria talvez até pra dozer que o cosmopolitismo grego é uma estratégia de navegação que nasce dessa condição de periferia política, de estar sob ameaça constante por impérios mais fortes etc etc.

A percepção dessa condição periférica inverte a intenção de certas apropriações conservadoras, reacionárias e eurocêntricas da grécia”. Se usa-se a pluralidade de perspectivas como condição da humanidade a partir da grécia, isso é algo que decorreria de sua condição periférica.

Não é o centro, a metrópole, o império que traz isso, pois ele é de certa forma o princípio homogenizante. E a leitura do Karatani é fundamental pra isso pois ele mostra que o surgimento da filosofia na Jônia (periferia da periferia) se dá justamente pela sua posição.

May 17, 2020

Os efeitos da profissionalização da filosofia

As vezes eu sinto que a profissionalização da filosofia (sua incorporação na universidade) foi um tiro no seu pé a longo prazo. Não sei dizer que outro caminho haveria, mas acho que a psicanálise parece ter lidado com um problema semelhante mas tomou outra via.

Eu acho também que o Olavo entendeu algo e a Contrapoints também. Mas nem falo em termos de apresentarem caminhos viáveis para outros (pois parecem caminhos singulares), mas por se darem conta de um esgotamento da via profissional e seus caminhos serem uma resposta a isso.

O aspecto prático e existencial acaba sendo estruturalmente bloqueado pelo tipo de empresa que se realiza na universidade, talvez? Pois mesmo o ímpeto do desenvolvimento científico, mesmo que não seja utilitário”, voltado pro mercado”, contrasta com o ímpeto da filosofia.

Qual o caminho fora dessa profissionalização eu não sei, mas acredito que de alguma forma vai acabar acontecendo em breve. A passagem da filosofia na universidade parece estar chegando ao fim junto com a luta por retirar qualquer espécie de valor humanista do campo educacional.

(justamente no momento, caso do Brasil, que a universidade começava a se democratizar. Não acho que seja por acaso que isso seja simultaneo. Esse esvaziamento apontar para o potencial emancipatório do pensamento — mesmo com todos os seus problemas, que passam a aparecer tb mais)

May 15, 2020

A leitura desdogmatizante

Mesmo que o Agamben trate os textos dele de forma dogmática, é um erro, eu acho, lê-lo dogmaticamente. Se o texto dele se organiza em algum nível especulativo, elaborando causas e hipóteses, mesmo que para pensar a realidade”, é possível efetuar uma leitura que não dogmática.

Isso não significa não criticar. Tem que criticar. O problema é que o que muitos fazem é condenar, e isso pra mim só reproduz e propaga o que há de pior no pharmakon que é a filosofia. Que é quando ela se confunde com dogma (e é por que isso calha acontecer que se desdogmatiza).

May 13, 2020

Uma ética da leitura na filosofia

Tem uma operação de leitura não-dogmática de textos dogmáticos que conseguiria descrever melhor, mas que acho que é um ponto central se pensar qualquer ética interna à filosofia. Ainda mais que nem sempre conseguimos avaliar bem se o texto é ou não dogmático.

Por mais que seja difícil, me parece infinitamente melhor do que confiar no nosso taco e ir recusando os textos quando parecem dogmáticos. Pois além de jogarmos fora coisas que potencialmente podem nos auxiliar, ainda assim corremos o risco de projetar por n’ razões dogmatismos.

É uma espécie de operação programada de boa fé e de confiança. Vou agir como se” o texto não fosse dogmático, não fosse obtuso, não falasse barbaridades. É claro que existem barbaridades, mas nos casos que tou falando geralmente não aparece com tanta clareza.

Mas claro. É mais fácil denunciar certos autores, tratá-los como inimigos, falar de outros como mocinhos (como o Nail faz, quando, apesar da leitura excelente, dá a entender que tudo poderia ter sido diferente se ao menos escutassem o Lucrécio”).

May 13, 2020

Sócrates enquanto um fundador

Pensando no texto do Foucault sobre O que é um autor?” (algo assim) e gosto muito quando ele põe Freud e Marx como >fundadores de um campo< de uma forma que contradizê-los não faz muito sentido. A coisa é bem mais complexa, mas gosto ainda da formulação, mesmo que reformável.

Falo isso pois tou cada vez mais convencido que o Sócrates entendeu que a filosofia não se tem conteúdo e que criação de conceito tem que ser pensada sob o prisma do que o Sócrates faz. O Sócrates talvez seja um grau zero pra compreensão da filosofia enquanto uma pura atividade.

Bem, e o que é um conceito sob esse prisma? Talvez aí entre o que tenho pensado a partir de Platão. O elemento conceitual, a ideia, não é nunca absolutamente enunciável, mas o que teríamos seriam discursos que apontariam para um elemento abstrato que resiste” aos equívocos.

Essa coisa que resiste nos ensina algo, nos mostra, dá um pouco mais de complexidade (e navegabilidade) à realidade a partir de um movimento que dos equívocos consegue projetar um comum que nunca pode ser absolutamente positivado? Talvez algo nessa linha.

Quem é do meio (e quem acompanha discussões no âmbito do ensino de fil) sabe a praga que é a imagem da filosofia que o Deleuze legou de criação de conceito”. Infindáveis textos da galera acha que vai chegar na sala de aula e >criar conceitos<, como se fosse juntar lé com cré.

Isso e a ideia de filosofia como caixa de ferramentas” talvez sejam um dos piores legados da filosofia francesa pra vulgarização filosófica. Não que eu acho que discursos conceituais não possam ser remanejados, mas fica parecendo ser tudo sem atrito ou resistência.

May 11, 2020

Gostar de autores a partir de uma pessoa querida

Uma das coisas mais legais é você começar a gostar de um autor através dos olhos de uma pessoa querida. Isso já aconteceu comigo muitas vezes, mesmo com autores que eu já tinha tentado e não tinha rolado. Eu acho que tem um jogo de empatia e afeto que é fundamental na filosofia.

A variação de perspectivas como operação tem elementos formais, tem operações que parecem ser uma espécie de visão em paralaxe. Mas sinto que muitas vezes o gatilho é afetivo. E isso é demais.


← Newer Entries Older Entries →