July 2, 2020

A escolha da não-leitura

A melhor forma de conseguir falar mal do Marx é não ler ele. Não é que seja impossível criticar ele, mas acho muito difícil você efetivamente ler O Capital (ou seja, não fazer que nem os ancapistas que no máximo lêem as palavras) e não ficar impressionado.

Falei isso há pouco, mas eu tendo a achar isso sobre qualquer grande obra (e falo grande” nos dois sentidos). Tem que ser muito >thick< para achar que cê vai detonar um monstro deles com base em algumas leituras chapadas já previamente pescadas. Isso só mostra uma não-leitura.

E tudo bem não-ler’, isso também faz parte e talz. Mas acho que fica parecendo meio bobo quando você se dá o trabalho de ler mas não lê (ou é incapaz de dar uma chance a ser contagiado por aquelas palavrinhas).

June 30, 2020

O fascínio que houve com o realismo especulativo’

De novo por causa da defesa que vi ontem, fiquei me lembrando dos dramas do realismo especulativo (eu mesmo ouvi falar já muito atrasado). Muita coisa interessante ali, que poderia ter sido gestada ali mas que acabou morrendo até antes de chegar direito no Brasil.

Alguns problemas (não exaustivo) que acho que rolaram:

  1. trator-Harman. O mais estúpido mais o que fez mais sucesso. O fato desse homem ter transformado a coisa toda numa >marca< certamente deve ter sido responsável pela coisa virar um fenômeno repulsor e não mais atrator.

  2. Acho que rolava demais um fetiche de juventude de estar redescobrindo a roda. Acho isso massa, ainda mais que isso não era feito necessariamente negando o passado. Mas rapidamente a coisa dogmatizou de uma forma que revelava as piores faces do framework anglo de origem.

  3. É como se o que interessasse era fazer uma tabela nutricional dos movimentos (expressão e exemplo subsequente do César Kiraly, na banca do Ádamo ontem), das posições. 30% racionalista, 20% empirista, 5% teológico e 25% de carboidratos), mais do que explorar as posições.

  4. É algo divertido sim, e pode ter seu papel. Mas acho que de novo, isso revelou um pouco a fonte” de boa parte da galera que transitava nesses meios. Uma formação no contexto da filosofia anglo-saxônica dominante que de fato adora ficar pensando em mil nomes pra cada posição.

  5. O pessoal escrevia meio mal? Esse é um ponto menor, mas o Meillassoux acho que dos quatro originais’ era o único que escrevia bem — está aí um dos méritos de ser francês. O Brassier é um horror escrevendo (ele melhorou, mas o Nihil Unbound é sofrível), o I. H. Grant idem.

  6. Por fim, acho que tem também um caráter de narcisismo coletivo intenso. A sensação de estarem numa missão” de estar revertendo tudo. Acho que isso deixa um pouco uma coisa que meio que cega. Associando isso a um certo gosto pelo exótico só piora.

  7. Pois não basta estar retornando um campo de questões, é importante que se retorne com autores altamente obscuros e/ou marginalizados da academia (sendo acadêmicos ou não). Uma coisa meio galera indie’ que curte músicas quanto mais diferente é? Enfim, um saquinho isso, né?

June 29, 2020

Sobre uma angústia na experiência da leitura

Um dos problemas da internet é conseguir navegar as inúmeras referências/recomendações sem se sentir um lixo por estar sempre atrasado. É bem massa, ao mesmo tempo tem momentos angustiantes, ainda mais que leitura é uma atividade muito ingrata (lenta e de rendimento difícil).

Inclusive, enquanto alguém que fundamentalmente lê (eu até gosto de cinema, mas sou péssimo na constância; música só consumo pra fins de entretenimento etc), eu fico sempre bastante dividido entre o amor por essa atividade e pelos livros e a dificuldade que é ler.

Ler é lento, é imprevisível (é difícil saber o rendimento de um livro até você ler), é complicado as formas de gravar aquilo na memória (ainda que um livro tenha bastante gordura, que serve pra fixar em suas repetições, marcar e anotar dá um trabalho da porra). #dramas

Por essas e outras que eu suspeito demais as pessoas que recusam uma obra-catatau que já foi positivamente avaliada por pessos confiaveis. Não é que qualquer obra grande é boa, mas imagina achar que dá pra esculachar um Kant ou um Hegel ou um Badiou da vida com um peteleco?

Minha suspeita recai não apenas no fato de que tem uma legitimidade mais ou menos confiável (e não uma legitimidade que diz que eu as acharei corretas, mas de que tem algo ali interessante ao menos), mas nas condições materiais que demandam muito do leitor.

June 29, 2020

Sobre millenials vs zoomers

Pensando no quadro e no texto que o @italoalves fez sobre millenials vs zoomers e acho que talvez comece a ficar um pouco mais claro pra mim que stalinismo’ para certas gerações significa outra coisa que stalinismo’ significa para outras e que isso é fonte de dissenso.

Antes um parêntesis. Acho que geração” não tem que ser entendido aqui como conjunto de predicados que se aplica a quem nasceu em certa época. Trata-se antes de um conjunto de predicados/valores/interesses/mídias que tendem a ser associados a um grupo de idade mas não precisam.

Voltando: Não falo aqui da diferença que stalinismo tem para gerações x/boomers, que enxergam com horror só o cheiro (o mesmo vale para maoísmo?). Entre os millenials parece ter mais boa vontade para enxergar esses fenômenos a partir de sua complexidade histórica.

Por outro lado, se você tem esse cuidado que não se enxerga em outras gerações (que só conseguem gritar GENOCÍDIO/ARQUIPELOGO GULAG), acho que, fora exceções (que tem um papel importante), ainda não tem um esforço pra voltar a mobilizar o conteúdo político desses fenômenos.

Aí que acho que rola uma ponte. Quem se envolve diretamente com o estudo desses campos, com a re-escrita e reavaliação dessas tradições acaba tendo mais abertura que serve de ponte para uma geração nova que tem essas categorias que o Italo desenvolveu. Aí eu acho que há confusão.

Pois tem uma geração aberta para reavaliar esses fenômenos, mas não pronta para assumir o que eles tem até por pesarem de modo ambíguo. Por outro lado, a geração zoomer (cf. Italo) tem uma relação com a ironia diferente da millenial, o que faz com que a apropriação seja outra.

Não sei ainda entender como os zoomers lidam com isso. Inclusive acho que o Italo só começa a tatear isso (e o mérito tá aí), mas acho que a gente não entende esses dissensos se a gente não aceita que se falam de coisas diferentes quando se defende e brinca’ com stalinismo.

Pq tou pensando nisso? Pois acho que de fato como muita gente tem comentado a geração >millenial< está começando a ser eclipsada. Isso vai se acelerar ainda mais quando não formos mais a idade-alvo para o mundo de mercadorias (que parece que privilegiam adultos de 25-35 anos).

E claro, tou pensando no Memorial de Aires, que é uma espécie de relato da aprendizagem sobre o que é evenelhecer (ou seja, perder plasticidade). Estamos sendo aged-out e acho que isso implica aprender aos poucos a não torcer o nariz (ou, fazer como Aires: preferir escutar”).

June 29, 2020

O valor da gordura em um texto

Outra coisa que tou pensando, que tem a ver com algumas lembranças vulgares sobre teoria da informação que colhi em vidas passadas e com experiências com edição recentes, é que gordura” e repetição” pode ser chato mas também é uma excelente forma de fazer o texto ser lembrável.

Tem uma neura por não ser repetitivo, por falar de modo conciso, mas na real acho que textos que se repetem eu acabo lembrando muito mais facilmente pois o processo de lembrar está internalizado no texto e eu não preciso complementá-lo com infinitos aparatos mnemônicos externos.

June 28, 2020

Breve esboço sobre a questão da moda

Eu fico pensando em modismos teóricos e acho uma coisa ambígua demais. Alguém conhece bom material sobre o problema (ou a questão) de moda nesse campo? Por um lado minha primeira reação é suspeitar. Mas não dá negar que isso acaba sendo um dos movimemtos que renova os campos.

Então eu fico as vezes sem saber como me orientar. De fato acho que a fixação em nomes’ do bem, que superam os nomes velhos’, ou mesmo jargonização extrema acaba sempre sendo algo que esvazia o campo teórico de qualquer sujeira que lhe dá concretude, empobrece o pensamento.

Por outro lado acho que muito da capacidade de nomes novos se impor passa por essa entrada bruta. Por essas leituras que caricaturizam ao extremo (tanto os inimigos como aliados). As vezes parece um efeito inevitável da construção dos nomes e/ou conceitos legitimos?


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