June 25, 2020

O que significa críticar um autor?

Acordei pensando no que significa falar mal de uma obra ou de um autor. A conclusão provisória que eu chego é que é muito difícil falar de algo com justiça pois isso requer atenção (e um nível de atenção, claro, que é apropriado aos seus interesses e aos seus problemas).

O problema é que atenção é algo que exige, me parece, alguma capacidade de se apaixonar por algo, de ser tomado por aquilo que se presta atenção. É reconhecer alguma singularidade que te atrai e te força a querer entender aquilo. Mas aí talvez entra o problema erótico no saber.

Pois se atenção tem algo de amoroso, o amor em algum sentido pode ter dois vetores. O primeiro vetor é a atenção que te joga pra fora, que te impulsiona para compreender outras coisas por entender como as coisas são constituídas e atravessadas por putras singularidades.

Eu diria que isso é uma forma positiva do amor pois não produz uma espécie de encimesmamento, ela tem um vetor pra fora. Por outro lado tem um outro tipo de amor que te prende na coisa, faz circular obsessivmamente nela, sendo ela a única singularidade e homogenisando o resto.

A boa leitura, a leitura generosa seria fruto do primeiro tipo de amor. Mas e a leiturs injusta? Acho que vem da segunda, mas mesmo essa talvez ainda se divida em dois tipos de leitura. Uma é simples: nela se lê mal por só conseguir enxergar o seu objeto amado como singular.

O resto é homogenizado e concebido sempre em termos de insuficiência. Ela geralmente aparece na forma do especialista, da pessoa que só consegue sempre reduzir as outras obras como uma versão insuficiente do seu objeto amado.

Isso eu acho que é o que mais acontece. Uma incapacidade de julgar adequadamente algo por estar-se preso demais a uma paixão que só permite enxergar uma coisa. Eu diria que essa segunda forma de amor é patológica mas de forma light. O problema maior pra mim vem do segundo tipo.

O segundo tipo é algo que eu tenho mais dificuldade em descrever, e era justamente o que eu estava pensando quando acordei. Pois no caso o objeto que prende atenção é justamente o objeto odiado. Não é um amor que prende a atenção, uma singularidade que nos traz algo positivo.

E nisso eu tenho muitas dificuldades. Eu consigo entender que o ódio e a raiva vem sempre associados a uma forma de atenção, mas o que é isso? O que é se prender a algo por uma singularidade que se odeia? E o que é odiar? É achar que aquelas características são maléficas?

O fato é que tem vezes que nosso olhar é atraído por algo que simultaneamente chama a nossa atenção mas que nós queremos recusar. Tem algo de ambíguo. O amor sempre começa com um desejo de se aproximar da superfície, mas no caso parece que esse conflito fica ainda mais aparente.

Pois se no caso do amor normal a aproximação exagerada pode nos fazer extinguir o objeto de amor (o que nos joga num vai e vem muito bem descrito pela Carson no Eros), aqui parece que a visão superficial do objeto nos faz querer inicialmente afastar por temer seus efeitos.

Pois se no caso do amor normal a aproximação exagerada pode nos fazer extinguir o objeto de amor (o que nos joga num vai e vem muito bem descrito pela Carson no Eros), aqui parece que a visão superficial do objeto nos faz querer inicialmente afastar por temer seus efeitos.

Mas o temor não é uma indiferença (ou talvez a indiferença seja o que aquele que odeia — todos nós — deveria procurar ativamente produzir?), e sim uma atenção que nos faz sentir um perigo e se afetar. O problema é que estando ainda a distância, esse perigo não é atualizado.

Aí que acho que fica esquisito. Pois você se move em direção ao objeto do amor? Pra que? É difícil, mas eu sinto que eu ao menos faço (“hate read/watch”, por exemplo). Você se move para se certificar do perigo? Para poder ajudar os outros a entender o perigo e que eles não vivam?

Não sei. Mas parece que se instaura uma dinâmica problemática, pois você se aproxima sem querer se aproximar. E é o inverso do amor, pois a aproximação demais poderia levar a uma extinção do objeto do ódio. E é nesse ponto que entra a leitura que me parece injusta.

Pois prestar atenção é se dar conta da singularidade, mas de alguma forma se você se aproxima e presta atenção você acaba reconhecendo os méritos daquilo enquanto algo singular (independente dos efeitos?). Quando você odeia algo de modo não-ambíguo você não pode reconhecer isso?

Acho que não, pois isso seria de alguma forma fazer seu ódio não-ambíguo se tornar uma espécie suspeita mais ambígua pela simples percepção de que há algo de singular. E isso vai contra justamente o temor que movia inicialmente, parece. Pois o temor nasce no momento superficial.

Mas assim como no amor, em que a atração também nasce na superfície, a atenção, pelos esforços que exigem, acabam ou confirmando ou negando aquela atração inicial. O juízo se transformaria pela atenção inevitavelmente. Mas se você odeia algo isso implicaria neutralizar o ódio.

O problema (e de novo entro em algo que não sei) é que o ódio parece alimentar a si mesmo, de modo que você se aproximar de algo que odeia, nem que pra entender, ameaça a própria existência do ódio (no amor seria o inverso, se aproximar confirmaria, em tese, o amor).

Daí acho que vem esse jogo de vai e vem invertido do ódio. Para preservar o ódio, a impressão que dá é que o juízo PRECISA deturpar o objeto visado. Seria uma estratégia de deformar para evitar a aproximação. Daí críticas geralmente serem grosseiras.

Isso não quer dizer que não haja crítica justa, mas acho que os elementos eróticos do campo do saber tornam isso muito difícil. Na maior parte das vezes parece se estruturar alguma espécie de ressentimento.

June 25, 2020

O que significa críticar um autor?

Acordei pensando no que significa falar mal de uma obra ou de um autor. A conclusão provisória que eu chego é que é muito difícil falar de algo com justiça pois isso requer atenção (e um nível de atenção, claro, que é apropriado aos seus interesses e aos seus problemas).

O problema é que atenção é algo que exige, me parece, alguma capacidade de se apaixonar por algo, de ser tomado por aquilo que se presta atenção. É reconhecer alguma singularidade que te atrai e te força a querer entender aquilo. Mas aí talvez entra o problema erótico no saber.

Pois se atenção tem algo de amoroso, o amor em algum sentido pode ter dois vetores. O primeiro vetor é a atenção que te joga pra fora, que te impulsiona para compreender outras coisas por entender como as coisas são constituídas e atravessadas por putras singularidades.

Eu diria que isso é uma forma positiva do amor pois não produz uma espécie de encimesmamento, ela tem um vetor pra fora. Por outro lado tem um outro tipo de amor que te prende na coisa, faz circular obsessivmamente nela, sendo ela a única singularidade e homogenisando o resto.

A boa leitura, a leitura generosa seria fruto do primeiro tipo de amor. Mas e a leiturs injusta? Acho que vem da segunda, mas mesmo essa talvez ainda se divida em dois tipos de leitura. Uma é simples: nela se lê mal por só conseguir enxergar o seu objeto amado como singular.

O resto é homogenizado e concebido sempre em termos de insuficiência. Ela geralmente aparece na forma do especialista, da pessoa que só consegue sempre reduzir as outras obras como uma versão insuficiente do seu objeto amado.

Isso eu acho que é o que mais acontece. Uma incapacidade de julgar adequadamente algo por estar-se preso demais a uma paixão que só permite enxergar uma coisa. Eu diria que essa segunda forma de amor é patológica mas de forma light. O problema maior pra mim vem do segundo tipo.

O segundo tipo é algo que eu tenho mais dificuldade em descrever, e era justamente o que eu estava pensando quando acordei. Pois no caso o objeto que prende atenção é justamente o objeto odiado. Não é um amor que prende a atenção, uma singularidade que nos traz algo positivo.

E nisso eu tenho muitas dificuldades. Eu consigo entender que o ódio e a raiva vem sempre associados a uma forma de atenção, mas o que é isso? O que é se prender a algo por uma singularidade que se odeia? E o que é odiar? É achar que aquelas características são maléficas?

O fato é que tem vezes que nosso olhar é atraído por algo que simultaneamente chama a nossa atenção mas que nós queremos recusar. Tem algo de ambíguo. O amor sempre começa com um desejo de se aproximar da superfície, mas no caso parece que esse conflito fica ainda mais aparente.

Pois se no caso do amor normal a aproximação exagerada pode nos fazer extinguir o objeto de amor (o que nos joga num vai e vem muito bem descrito pela Carson no Eros), aqui parece que a visão superficial do objeto nos faz querer inicialmente afastar por temer seus efeitos.

Pois se no caso do amor normal a aproximação exagerada pode nos fazer extinguir o objeto de amor (o que nos joga num vai e vem muito bem descrito pela Carson no Eros), aqui parece que a visão superficial do objeto nos faz querer inicialmente afastar por temer seus efeitos.

Aí que acho que fica esquisito. Pois você se move em direção ao objeto do amor? Pra que? É difícil, mas eu sinto que eu ao menos faço (“hate read/watch”, por exemplo). Você se move para se certificar do perigo? Para poder ajudar os outros a entender o perigo e que eles não vivam?

Não sei. Mas parece que se instaura uma dinâmica problemática, pois você se aproxima sem querer se aproximar. E é o inverso do amor, pois a aproximação demais poderia levar a uma extinção do objeto do ódio. E é nesse ponto que entra a leitura que me parece injusta.

Pois prestar atenção é se dar conta da singularidade, mas de alguma forma se você se aproxima e presta atenção você acaba reconhecendo os méritos daquilo enquanto algo singular (independente dos efeitos?). Quando você odeia algo de modo não-ambíguo você não pode reconhecer isso?

Acho que não, pois isso seria de alguma forma fazer seu ódio não-ambíguo se tornar uma espécie suspeita mais ambígua pela simples percepção de que há algo de singular. E isso vai contra justamente o temor que movia inicialmente, parece. Pois o temor nasce no momento superficial.

Mas assim como no amor, em que a atração também nasce na superfície, a atenção, pelos esforços que exigem, acabam ou confirmando ou negando aquela atração inicial. O juízo se transformaria pela atenção inevitavelmente. Mas se você odeia algo isso implicaria neutralizar o ódio.

O problema (e de novo entro em algo que não sei) é que o ódio parece alimentar a si mesmo, de modo que você se aproximar de algo que odeia, nem que pra entender, ameaça a própria existência do ódio (no amor seria o inverso, se aproximar confirmaria, em tese, o amor).

Daí acho que vem esse jogo de vai e vem invertido do ódio. Para preservar o ódio, a impressão que dá é que o juízo PRECISA deturpar o objeto visado. Seria uma estratégia de deformar para evitar a aproximação. Daí críticas geralmente serem grosseiras.

Isso não quer dizer que não haja crítica justa, mas acho que os elementos eróticos do campo do saber tornam isso muito difícil. Na maior parte das vezes parece se estruturar alguma espécie de ressentimento.

Sobre um certo conservadorismo nas revoluções teóricas

June 24, 2020

Uma ansiedade desorientadora

Hoje acordei com uma certa ansiedade leve — nada grave. Mas é doido que as vezes nada acontece, fora nossas impressões desconectadas, e ainda que tenhamos dormido bem, na hora de acordar a gente tá com algo meio embolado, meio opaco que você nem explica direito o enfezamento.

Ontem acho que não teve nada que me preocupou, nada que me fez ter alguma crise de ansiedade ou mesmo preocupação. E ainda assim, se tento lembrar do que pensei ontem, consigo ver o germe em algumas coisas soltas que pensei ontem mas que na hora não me preocupavam em nada.

O doido é isso, olhar para ontem e ver que naquele momento foi só uma coisa pensada mas que retroativamente ganha cara de preocupação-sendo-gerada. Enfim, não é nada grave (uma inseguranças das mais banais), é ligeiro, por isso não me preocupo e me entretenho com seu mecanismo.

É difícil essa atividade de se orientar no pensamento quando a maior parte das informações que temos e que dispomos pra tal orientação é frágil. Ainda mais que nem sempre os circuitos de tristeza, sofrimento, ansiedade, expectativa, alegria e felicidade se comportam linearmente.

O que me faz ao mesmo tempo achar os estóicos antigos-clássicos admiráveis por tentar evitar viver à deriva com as ferramentas que tinham enquanto acho os estóicos contemporâneos (penso em algumas figuras específicas) meio bestas ao ignorarem o corte produzido por Freud.

Eu certamente acho que filosofiia boa é sempre uma espécie de auto-ajuda. O problema é quando essa auto-ajuda se congela e não consegue dimensionar a nossa finitude. É isso que tem de interessante em Sócrates, Sêneca, Montaigne e Espinosa, esse cuidado que passa pela finitude.

E se dar conta dessa experiência é também, me parece, progressivamente, se dar conta que essa finitude não tem simplesmente a imagem de um indivíduo, de uma membrana que tem as bordas com seu exterior bem delimitada.

June 24, 2020

Sobre o descarte de ideias desconhecidas

Acordei pensando em como é fácil descartar ideias e teorias quando você não conhece muito. Claro que uma coisa é você se engajar com a coisa e ver que não é pra você, mas falo aqui das recusas orgulhosas que se dão sem grandes mergulhos. Obras hiper complexas chapadas.

São aqueles casos em que a pessoa até bate no peito pra dizer que nem leu mas já não gostou (ou conheceu tão pouco que pra quem conhece um pouco essa distância já fica visível). Tem algo que me incomoda nisso, num nível moral mesmo.

Pois de novo, o problema não é não ver que não é pra você, que você tá indisposto a se envolver naquilo, mas precisar recusar aquilo como o diabo foge da cruz. Acho que tem uma espécie de falta de disponibilidade e generosidade que me incomoda nesse tipo de gesto.

Uma generosidade que aceite que não é porque aquilo não diz nada pra mim que aquilo não possa dizer algo pra alguém. A generosidade estaria em saber entender que outras pessoas, com outros recursos e outros problemas podem tirar coisas dali que você sequer enxerga.

Pois não é o caso que muitas vezes a gente vê gente que gostamos/confiamos se engajado em pensadores e ideias que não fazem sentido para nós? Sinto que isso poderia funcionar como um sinalzinho. Não de que a gente precise mudar de posição, mas que aquilo pode ser mais amplo.

Eu até acho que por meio de relações afetivas nós conseguimos se abrir a outros tipos de pensamento, mas isso não é o que tou falando aqui. É a simples aceitação (ética?) de que a nossa posição talvez não seja a única forma possível de delimitar um campo de questões/problemas.

Complemento/recapitulação polêmico-hostil: acho bem ridículo qualquer pessoa descartando com um peteleco qualquer obra: isso vale pra Arendt, Heidegger, Deleuze, Derrida, Butler, Foucault, Badiou, Hegel, Spinoza, Kant e quem mais for.

Fica ainda mais ridículo quando se lança aquele Mas já fui x’”, como se isso fosse um fiador total. Em primeiro lugar: sim, se você já foi e não é quer dizer que não vê mais as coisas assim (critica mas não caga nos outros). E dois: fica parecendo aqueles maluco ex-comunista”.

June 22, 2020

Um possível desinteresse por política

Uma coisa que demorou pra cair a ficha pós-junho de 2013 é que eu não me interesso por política. Quer dizer, me interesso, mas não como politólogo. Junho foi um divisor pra mim (como pra muitos), no sentido de que em alguma medida uma certa urgência/um certo problema se impôs.

O problema é que isso não apareceu no meu caso de modo imediatamente inteligível. Passei muito tempo rodando sem rumo tentando entender o que era aquilo que tinha aparecido enquanto urgência. Cheguei a achar que era me envolver politicamente, que era pensar politicamente etc.

Sendo um adepto do gabinete (“armchair philosophy”), a culpa que me perseguia nesses momentos, por não ser suficiente fiel a esse impulso, a esse chamado, era imensa. Achava que tinha que ao menos estudar/entender política para ajudar a mudar o mundo”. É bem besta, né?

Eu demorei muito tempo para entender, no meu caso, que não me interessava estudar questões políticas. Que tinha gente mais capacitada e sobretudo mais interessada. Não que eu queira ser uma pessoa alienada, mas essa equação pensar politicamente = mudar o mundo” pra mim não rola.

Até gosto de entender certas questões políticas, de entender certas dinâmicas sociais (não estaria lendo Karatani, por exemplo). Mas pra mim acaba sendo um interesse até diletante, um pouco distanciado, sem qualquer perspectiva de rendimento desse tipo de pesquisa.

O que significa que pelo menos nesse sentido consegui alguma paz sobre as demandas internas que tenho sobre essa coisa junho de 2013”. Essas demandas acho que continuam (e sigo sem entender direito), mas pelo menos me apurrinham de outra forma.

June 22, 2020

Os limites da historicização da filosofia

Se os textos filosóficos não podem ser compreendidos sem historicização, há de se perguntar se efetivamente são filosóficos. Não falo de uma compreensão absoluta (dimensão de todas as referências ou implicações), mas do mínimo essencial para fazer sentido.

Por que não seriam filosóficos? Pois o elemento fundamental da filosofia me parece ser justamente a possibilidade de reproduzir (sem ser uma mera recitação) o que está em jogo ali no texto, rearticular NO PENSAMENTO (que pode ser exprimir na fala ou escrita) o conteúdo do texto.

E acho que o trabalho em cima dos fragmentos dos pré-socráticos é inclusive uma espécie de testemunha disso. São textos que sobraram muita pouca coisa, de existência bem precária, e ainda assim é o suficiente para que eles possam ser reativados.

É quase como se os fragmentos fossem encantamentos, mas cujo efeito mágico fosse uma ativação no próprio cérebro do leitor, pondo ele em contato com algo que, curiosamente, está fora dele.


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