July 26, 2020

O medo de hobbyficar a política

Toda vez que eu penso e quero falar sobre a ânsia que parece dominar certos nichos (que faço parte) de discutir sobre política” [teórica ou conjunturalmente] me pergunto se eu também não tou caindo involuntariamente no mesmo problema de hobbyficar a política.

Em alguma medida eu acho que sim, que estou apenas também alimentando de alguma forma essa dinâmica. Em outros aspectos acho que pelo menos não estou confundindo fazer política com falar sobre política, mas me pergunto se isso é o suficiente para não cair nesse problema.

O que me traz pra uma questão que fico circulando obsessivamente mas que não tenho resposta (pois não acho que basta simplesmente encaixar a resposta certa): pra que diabos serve essa porra de ficar falando, discutindo, descrevendo, especulando?

Só um esclarecimento (pois me expressei de modo dramático demais — culpo o cansaço nesse final de domingo): Quando falo pra que serve a minha questão é muito tentar entender o efeito que isso tem na vida dos envolvidos (não apenas enquanto indivíduos, mas socialmente também).

Ou seja, eu parto da ideia que sim, isso faz algo, isso significa algo para a gente. A coisa sempre fica confusa pra mim pois eu não consigo entender exatamente qual é o efeito que isso gera. E isso quando se pensa as implicações políticas me parece ainda mais importante.

Importante até para entender (e evitar confundir) que falar sobre as coisas” é diferente de fazer as coisas” ainda que falar” seja um tipo de fazer. Sim, essa formulação talvez ficou paradoxal, mas diria que isso é em parte o nó do problema que precisa ser desatado.

July 23, 2020

Uma resistência a falar mal de autores

Uma coisa que eu sempre tive dificuldade de entender (mesmo tendo reproduzido isso já com frequência — hoje em dia tento me controlar mas nem sempre com sucesso) é essa ânsia por falar mal de autor”. A forma que isso é moeda corrente em círculos intelectuais é algo triste.

Entendo críticas, acho importante. Mas tem umas específicas que incomodam:

  1. descartam a obra por conta de algumas problemas pontuais (e que projetam a necessidade desse descarte para todos, incapaz de aceitar que outros podem tirar outras coisas dali).

  2. Se no primeiro tipo ao menos pode haver avaliações corretas, pior ainda é quando a pessoa sequer lê ou lê mal, de mã vontade, só conseguindo enxergar no autor escrachado (pois se torna isso) os defeitos e problemas que ela mesma está tentando fugir e evitar.

O ruim e o complicado é que a disputa” me parece um componente essencial do progresso filosófico. Ainda assim parece que é justamente por isso que é importante identificar os bons combates.

July 23, 2020

A ausência de carga dramática nos diálogos platônicos tardios

O erro de Platão foi não ter legado pra nós um diálogo com a carga dramática que tem nos diálogos do período médio (Górgias, Fédon, O Banquete, Fedro e A República) com o avanços conceitual dos diálogos tardios (Parmênides, O Sofista, Filebo etc.)

Pra mim foi só na velhice que o Platão começou a incorporar DE MODO EXPLÍCITO no seu pensamento uma espécie de imperativo do múltiplo (que talvez por limitações históricas aparecia mais enquanto aporias).

Eu fico imaginando que tipo de dramatização seria. Tou lendo agora a República na versão do Badiou e por mais que seja divertido, a verdade é que o Badiou é muito cafona/francês em termos de literatura. A coisa de fato — em termos estilísticos — é piorada e acaba perdendo algo.

Então por mais que o Badiou tenha um platonismo produtivo (o platonismo do múltiplo) — e por mais que em termos teóricos eu acho que ele consegue ser bem INTELIGÍVEL apesar de tratar uns temas cascudos —, falta um certo frescor que emana desses diálogos mais dramatizados.

Pelo menos Wallace Stevens também pisou nessa terra.

July 21, 2020

A relutância da filosofia socrática

Hoje eu fiquei pensando se, de um ponto de vista badiouano (a filosofia é apenas compossibilitadora, mas não produtora de verdades — essa restrito aos processos genéricos da ciência, artes, amor e política) o Sócrates não é alguém que apenas relutantemente foi um filósofo.

Sócrates não escreveu uma palavra. Pode-se especular que ele era analfabeto, ainda assim, ele também não formou uma escola, mas múltiplas escolas. Por outro lado ele definitivamente foi alguém engajado politicamente (vide a apologia e a leitura que Karatani faz) e tb no amor.

O Sócrates seria então alguém muito mais próximo dos processos de produção de verdade do que da filosofia, algo que seria mais próprio ao Platão, que responde e procura compossibilitar diversos processos de verdade que aconteceriam diante dele.

Mas isso aqui é pura e simplesmente uma especulação selvagem a partir da metafilosofia de Badiou e da figura de Sócrates e o que significa ser fiel a um evento e em que medida B. é platonista não por fidelidade ao Platão, mas por, como Platão, procurar compossibilitar verdades.

July 20, 2020

Contra relacionamentos cínicos

Entendo que relacionamentos sejam difíceis, ainda mais considerando todas as camadas de opressão que se reproduzem muitas vezes imperceptivelmente nas relações. Ainda assim eu acho que o cinismo (que repete coisas como o amor não existe ou é uma ilusão”) só cria mais sofrimento.

Cria mais sofrimento pois por um lado reduz de antemão a nossa vida em relacionamentos a uma mera sobrevivência afetiva e por outro nos deixa ainda mais despreparados para quando a coisa bate, torna mais difícil ainda lidar com quando efetivamente a gente se apaixonar.

Se apaixonar não é resolver todos os problemas milagrosamente, mas é de alguma forma ser mobilizado por algo que te excede (cf. Carson/Platão) e que põe em questão se certas conciliações devem ser feitas ou não (e claro, muitos simulacros de amor tb aparecem pra atrapalhar).

Daí que eu não consigo entender essa ânsia de certas pessoas que estão em relacionamentos por quererem preservar suas liberdades”. Não estou falando de situações opressivas, mas daquelas que se aplicam à situação discutida pelo SPC em Essa tal liberdade”.

É sempre esquisitissimo pra mim ver essa postura pois me pergunto pra que diabos se está em uma relação com alguém se a sua principal preocupação é puramente conseguir dar conta ABSOLUTAMENTE dos seus interesses. Me deixa um pouco encucado isso tudo.

Claro que é importante dar conta dos seus interesses. Amor não é fusão, mas isso me parece uma inversão dos pólos que me faz perguntar se deveria haver para começar uma relação. O que me faz pensar que, claro, tem certas pressões sociais invisíveis que estimulam pareamentos.

Sobretudo a necessidade de constituir unidades econômicas mínimas em tempos de precariedade econômica (e ausência de redes de apoio mais robustas) que acaba sendo vendida a partir da hiper exploração dos motivos românticos pela indústria cultural (cf. Illouz).

AINDA ASSIM, não deixa de me espantar como é preciso haver tantas negações preventivas de um certo tipo de experiência. E enfim, entendo, entendo as razões, entendo as opressões, entendo as ilusões criadas e as imagens nocivas do amor. Isso tudo eu entendo e concordo.

E ainda que entenda racionalmente” os imperativos econômicos, não entendo como algm se dispõe a se relacionar com outro sem que o problema de liberdade seja invertido: não aspirando uma liberdade dessa pessoa, mas que haja uma liberdade para amar tal pessoa com que se relaciona.

July 20, 2020

Contra o excesso de análises de conjuntura

Venho publicamente concordar com a minha colega @lpuentofinal de que excesso de análise de conjuntura” é um dos mals que assola nossa esfera pública e que um dos responsáveis por isso (ainda que as dele sejam excelentes) seja o Paulo Arantes.

Por um lado a análise de conjuntura parece um sopro do espírito do esclarecimento e a promessa que o conhecimento da situação é um passo para a sua transformação. E por mais que eu concorde com isso, entendo também que isso feito em excesso pode se tornar patológico e ilusório.

Por um lado, se a gente leva em conta um fenômeno de transformação da política num campo hobbyficado, fica parecendo que isso basta. Que desvendar as cortinas do presente é o suficiente. Por outro também ignora que uma contraparte sistemática pode também ser útil.

Se por um lado a análise de conjuntura parece ser importante, me pergunto se não tem faltado uma explicitação dos valores desejados (“ideais”) e que inclusive orientariam essas análises (por lhe darem o crivo).


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