July 20, 2020

Contra relacionamentos cínicos

Entendo que relacionamentos sejam difíceis, ainda mais considerando todas as camadas de opressão que se reproduzem muitas vezes imperceptivelmente nas relações. Ainda assim eu acho que o cinismo (que repete coisas como o amor não existe ou é uma ilusão”) só cria mais sofrimento.

Cria mais sofrimento pois por um lado reduz de antemão a nossa vida em relacionamentos a uma mera sobrevivência afetiva e por outro nos deixa ainda mais despreparados para quando a coisa bate, torna mais difícil ainda lidar com quando efetivamente a gente se apaixonar.

Se apaixonar não é resolver todos os problemas milagrosamente, mas é de alguma forma ser mobilizado por algo que te excede (cf. Carson/Platão) e que põe em questão se certas conciliações devem ser feitas ou não (e claro, muitos simulacros de amor tb aparecem pra atrapalhar).

Daí que eu não consigo entender essa ânsia de certas pessoas que estão em relacionamentos por quererem preservar suas liberdades”. Não estou falando de situações opressivas, mas daquelas que se aplicam à situação discutida pelo SPC em Essa tal liberdade”.

É sempre esquisitissimo pra mim ver essa postura pois me pergunto pra que diabos se está em uma relação com alguém se a sua principal preocupação é puramente conseguir dar conta ABSOLUTAMENTE dos seus interesses. Me deixa um pouco encucado isso tudo.

Claro que é importante dar conta dos seus interesses. Amor não é fusão, mas isso me parece uma inversão dos pólos que me faz perguntar se deveria haver para começar uma relação. O que me faz pensar que, claro, tem certas pressões sociais invisíveis que estimulam pareamentos.

Sobretudo a necessidade de constituir unidades econômicas mínimas em tempos de precariedade econômica (e ausência de redes de apoio mais robustas) que acaba sendo vendida a partir da hiper exploração dos motivos românticos pela indústria cultural (cf. Illouz).

AINDA ASSIM, não deixa de me espantar como é preciso haver tantas negações preventivas de um certo tipo de experiência. E enfim, entendo, entendo as razões, entendo as opressões, entendo as ilusões criadas e as imagens nocivas do amor. Isso tudo eu entendo e concordo.

E ainda que entenda racionalmente” os imperativos econômicos, não entendo como algm se dispõe a se relacionar com outro sem que o problema de liberdade seja invertido: não aspirando uma liberdade dessa pessoa, mas que haja uma liberdade para amar tal pessoa com que se relaciona.


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