June 26, 2021

A percepção da própria ignorância a partir do efeito Dunning-Kruger

Como alguém que curte a ideia do efeito dunning-kruger (mesmo sabendo que se trata de um falso-efeito’, é bonito o desenho e parece corresponder ao anedótico), uma das coisas que eu acho mais divertidas é o momento em que a pessoa começa a se dar conta do tamanho da sua incompetência.

Um pouco de maldade, claro, mas acho terrivelmente cansativo a arrogância. Já é difícil em gente que realmente é foda aguentar isso. Agora em gente que claramente tá apenas se superestimando fica insuportável.

Claro que não tou falando de qualquer pessoa que se dá conta do descompasso entre o que ela sabe e o que ela acha que sabe, mas daquela que antes disso se comporta como se fosse a última bolacha do pacote.

Acho que também cabe diferenciar entre quem se acha e quem está apenas empolgado. Acho que inclusive essa diferença é fundamental. Óbvio que as vezes é difícil avaliar isso, mas acho que também se não se marca isso até perde-se um caráter de entusiasmo presente no aprendizado.

June 25, 2021

A figura do parasita na internet

Um sonho que tenho é um dia escrever um texto sobre parasitas e parasitagem na internet.

Na verdade não só na internet. Pois não é qualquer parasitagem que me incomoda. Aquela que me dá nos nervos é uma parasitagem que aparece no campo acadêmico/theory.

Infelizmente eu ainda estou longe de conseguir fazer isso pois tomado pela irritação eu consigo apenas enxergar os parasitas e não as formas de parasitagem (seus procedimentos, que não consigo descrever de maneira muito elaborada).

Uma coisa que dá para dizer sobre o parasita é que ele é um ser sem vergonha. Não há o menor pudor de impor seus interesses. Há uma auto-confiança de que aquilo que lhe interessa é de interesse geral e que mudar os assuntos para seus temas é uma questão de dever.

Não existe nenhum problema em querer tocar seus interesses, em querer conversar com pessoas sobre aquilo que te move. Isso é natural e saudável. O problema é que o parasita não conversa, ele não cede. Só lhe interessa o outro como um anteparo para um diálogo consigo mesmo.

É por isso que a internet me parece um espaço propício (sobretudo twitters da vida) para o parasita. Ele chega, sorrateiro, como uma resposta ali, um rt comentado aqui, mas sempre de uma forma que qualquer sobrevalor semiótico seja capturado e delimitado em um ponto de vista.

Claro, isso feito uma vez ou outra não é um problema. O que incomoda no parasita é a consistência dos desvios. A insistência em tratar os outros como anteparo ou como mídia para exprimir as suas” ideias. Pois isso é algo dos parasitas: seguros de si até o último fio de cabelo.

Mas isso não é tudo. Pois ainda que isso seja uma forma de sugar a vibe alheia, de desmobilizar conversas possíveis, há também um ressentimento que move o parasita. Pois como ele é seguro de si, qualquer não-alinhamento total é visto pelo parasita como um pecado.

É por isso que a ação dos parasitas tem sempre um prazo delimitado (mesmo que esse prazo vá se prolongando indefinidamente). A parasitagem suga até o ponto em que seu anteparo passa a se comportar com indiferença diante do parasita. Isso impede ele de continuar a parasitagem.

Quando se instala a indiferença (ou um automatismo nas respostas), o parasita sente que não tem mais nada o que sugar ali. Como porém ele encara as relações apenas em termos de oportunidade para se impor, quem lhe nega isso é automaticamente visto como inimigo.

É por isso que o parasita que falo é também uma forma avessa e cruel (ou talvez apenas literal) do que Lacan chama de amor: dar o que não se tem a quem não quer”. Isso a gente vê pela forma como o parasita tenta empurrar goela baixo o que ele produz para seus interlocutores.

O caso clássico de ação do parasita é em contextos de troca entre duas pessoas (em que as subjetividades estão próximas demais e qualquer pedido pode se tornar rapidamente uma imposição) abusar da disponibilidade, etiqueta e boa vontade das pessoas para lerem seus textos”.

O problema não é divulgar o que se faz (afinal, há um orgulho, uma alegria na partilha), nem mandar para pessoas que você acha que podem interessar (mas aqui exige-se alguma relação prévia, algum lastro que justifique o envio e a possível importunação ou até um pudor no pedido).

O problema é que o parasita envia as coisas sem vergonha alguma. É uma exigência, um dever. E não ler, não tomar seu tempo escutando isso ou aquilo, é lido como uma espécie de ofensa.

Existem mais traços do parasita, mas infelizmente ainda estou preso demais nas figuras empíricas e não consigo identificar as formas abstratas. Ainda assim, cuidado com os parasitas, com esses falsos pregadores só querem contrabandear a si mesmos em qualquer oportunidade!!

É importante ter vergonha. A vergonha é a forma individualista e narcísica (que todos somos, é o próprio mundo que nos faz assim) de se importar com o outro.

June 24, 2021

O desinteresse sobre a reprodução institucional da disciplina filosófica

Eu olho pra dinâmica de concursos do meu campo e eu só consigo pensar que há um desinteresse profundo institucional (ou seja, não é algo pessoal, mas que diz respeito à como a área se articula efetivamente) pelo processo de reprodução da própria disciplina.

Isso não diz respeito à figuras pontuais que de fato tentam fazer algo. Parece que fora procedimentos usuais para garantir que os seus” entrem, que não há muita reflexão sobre como manejar essas formas de acesso em direção a alguma imagem do que a disciplina deveria ser.

Esse desinteresse coletivo e institucional (que pra mim é um pouco uma das causas de ter tanto espaço para usarem concursos para fins pessoais) é pra mim até pior do que quem se aproveita de concursos. Pois mostra que realmente não se aspira a qualquer organização.

Como um amigo falou pra mim mais cedo: O que esperar também de um campo que a única força coletiva institucional (a ANPOF) é composta por programas de pós graduação? Sequer são professores (para não falar de discentes, precarizados etc). Não surpreende né.

E o pior? Os próprios discentes e precarizados, sem qualquer suporte institucional (mas são quem sofre os efeitos desse desinteresse) ficam morrendo de medo de falar qualquer coisa por medo das tão temidas represálias.

Alguém devia avisar que esse sistema — da forma como é organizado, como acaba beneficiando uns poucos, como acaba tornando inescapável participar (mesmo que a contragosto) das dinâmicas de conhecer-quem-importa” — já é uma represália pior do que qualquer ato direcionado.

June 23, 2021

O espelho narcísico de Barthes

Acho que o tanto de gosto do Barthes (independente de eu concordar ou não) trai umas características que não gosto tanto de identificar em mim. Tem um tipo de narcisismo que acontece na obra dele que acho sedutor demais (uma certa figura do artista-pensador, como Deleuze).

Não é que eu ache ele problemático, mas eu não gosto de encontrar em mim esses traços narcisistas (que eu sei que de alguma forma estão ali e que não deixam de me incomodar). Nem sequer consigo explicar direito, mas é algo que acho até improdutivo (pra mim).

É um traço que acho que também indica um enraizamento em uma cultura romântica individualista (usaria burguês se não fosse cringe) que em alguma medida aspiro mas que não me resolvi completamente por questões existenciais-afetivas e políticas.

Pois eu acho que também todo esse individualismo que tá presente nesse narcisismo é uma tentação à autoconfiança desmedida e uma certa cegueira sobre o outro, sobre aqueles com quem a gente compõem (e também ao fato de que ninguém é uma ilha, sobretudo fazendo coisas).

Por outro lado, o que eu também me identifico no Barthes (gosto de acreditar) é que ele também parece temer isso. Ele não parece assumir isso de maneira confortável. Acho que toda a obra dele, seu caráter volúvel, expressa de alguma forma esse desejo de estar junto.

Acho que talvez eu identifique no Barthes (ou queira projetar nele) essa frustração com parte de mim desejar ser algo que acho um tanto abominável. Mas também o empenho para tentar ser fiel ao movimento oposto que aparece da aversão a esse narcisismo que nunca some por completo.

Rindo que essa thread é basicamente a comprovação do meu temor.

June 22, 2021

As dificuldades de criticar uma ideia

Tentando entender porque algumas críticas que eu leio me parecem bobas ao exigirem que o objeto que é avaliado se adeque a um determinado ponto de vista e/ou princípio que move o crítico enquanto em outros casos eu sinto que essa mesma exigência de fato acaba sendo fértil.

Eu sempre acho criticar” algo bem difícil, pois o mais fácil é você apenas trair os seus pontos cegos ou a sua resistência de se engajar com o objeto criticado no processo. Ainda assim acho que tem momentos em que a coisa parece funcionar.

Uma hipótese que já pensei, mas que acho vago, tem a ver com o caráter centrípeto ou centrífugo da crítica. Quando a obra apenas serve de ocasião para aplicar um paradigma ou princípio, e o objeto seria mais ou menos próximo desse princípio teríamos uma avaliação centrípeta.

Quando, em vez disso, o objeto criticado obriga o paradigma ou princípio a se transformar para dar conta do mal estar” ou a insatisfação que o objeto criticado gera, talvez se possa falar de uma operação centrífuga. Quem se adequa é o paradigma e não o objeto.

Pensando em termos da relação com o objeto, no primeiro caso o princípio que avalia seria seguro de si, e funcionaria como juíz que avalia se aquilo que ele julga se aproxima ou afasta dele. Nesse caso os elementos negativos do objeto seriam ele não ter” o que o princípio exige.

O objeto então falha menos por algum problema seu, mas por uma coisa que lhe falta (ou que não faz suficientemente) quando é posto em relação com algum princípio que toma essa coisa como critério de avaliação.

No segundo caso me parece que o princípio que avalia não é expresso plenamente no ato de avaliar. Se é o paradigma ou princípio que muda, então é ele que é tomado como estando faltante com relação ao critério de avaliação na hora que critica algum objeto como problemático.

O objeto nesse caso não tem falta ou negatividade em si, mas no contato com o princípio que avalia, ele revela os limites do princípio atualmente expresso. Mostra que nem todos os elementos do juízo estão presentes e que ele deve ser ampliado. Neste caso o princípio é uma ideia.

Quando digo que é uma ideia em jogo aí, o que estou falando é que as formas de avaliação, os princípios que as regulam nesse caso, não estão plenamente presentes (como no primeiro caso de crítica) no ato de avaliação. A operação de alterar o princípio atual desloca o negativo.

A operação de alterar o princípio que avalia diante de um objeto que demonstrou sua insuficiência em avaliar seria uma forma de ser fiel a um ideal crítico que jamais pode se expressar plenamente no discurso. Isso aponta pra sua dimensão negativa.

Negatividade pelo fato de o princípio jamais poder ser plenamente expresso como um conjunto de regras que podem simplesmente avaliar qualquer coisa (como no primeiro caso) que pode ser identificado positivamente no discurso.

O ato de reformar constantemente o juízo diante dos objetos, a operação que se força a explicitar sempre de outra forma e estabelecer novas formas de lidar com seus objetos no ato da crítica seria o elemento positivo dessa ideia. Ou seja, a positividade se acha na sua prática.

E o efeito curioso dessa reforma é que o objeto avaliado em si não acaba sendo tomado como algo que tem elementos negativos nele. Não lhe pode faltar nada pois diante dele é o próprio princípio crítico que se mostra faltante e que precisa se transformar para falar dele.

Daí talvez que a boa crítica negativa (pelo menos nos termos que encontro, embora magicamente os exemplos me somem enquanto penso esse esquema) não raro tem uma frustração com a sua própria dificuldade de lidar com aquilo que ela quer criticar. Tornando a crítica em investigação.

É como se nessa crítica centrífuga o que a gente acaba vendo é menos um objeto sendo destruído, transformado em pó, e mais o próprio crítico se desdobrando para entender porque algo não bate. E nesse processo de não entender que seu próprio princípio precisa ser mais elaborado.

O que significa que se é o crítico que está se movendo, se adaptando, então o objeto criticado permanece e é preservado como ponto que ajuda a regular a transformação do crítico. Nesse sentido, se ele é o ponto a partir do qual se regula.

Nesse sentido, se ele é o ponto a partir do qual se demonstra a insuficiência do crítico diante de seu princípio ideal, então quanto mais firme for a descrição do seu objeto, mais ele consegue entender as insuficiências de seu princípio concreto que se mostrou insuficiente.

Uma estranha reversão parece se passar na operação centrífuga em que o objeto criticado, em nome desse tipo de crítica, precisa ser preservado o máximo possível em sua singularidsde. Sem que ele seja pensado e tomado em termos de qualquer deficiência ou negatividade.

Tudo isso para que o crítico centrífugo consiga ampliar e explicitar suas formas de pensar e se posicionar diante daquilo que lhe aparece.

A coisa talvez esteja ainda mais abstrata do que quando iniciei ela, mas acho que tem um ponto pra mim em que a coisa talvez tenha se esclarecido ao pensar isso. Que o que me incomoda em críticas negativas é quanto elas facilmente elas traem seu ponto cego ao serem juízas.

Isso me parece um tipo de demanda que o mundo se curve à sua perspectiva que não faz muito sentido (os objetos aparecem portanto apenas a partir da sua negatividade). Por outro lado há uma possibilidade, difícil, mas ética (?) de fazer o caminho inverso.

O objeto criticado, que de fato te incomoda, se torna ocasião para você entender o seu próprio mal estar e sua própria insegurança diante dos limites da sua perspectiva. O elemento ético aqui seria a aceitação de que há outros pontos de vistas que o meu.

Me parece que aí nesse caso, nenhuma outra forma melhor (mais difícil, porém) de lidar com essa situação é incorporar para si a negatividade que se encontra no objeto. O que, como tentei falar de modo torto, implica em respeitar e recusar negatividade ao que se critica.

Claro que tudo isso é mais fácil falar do que fazer.

June 20, 2021

A participação platônica em Marx?

Grandes momentos da história de interpretação de texto da história da filosofia é o pessoal pegar a tese 11 do Marx (“Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo.”) e dizer que se transforma ao se deslocar conceitos.

Isso não é algo que aconteça em qualquer lugar” (mentira, já vi apenas uma pessoa fazendo isso explicitamente, mas acho que ela não se deu conta do caráter cômico), mas é o que aparece no trabalho de algumas pessoas.

Por outro lado, tenho percebido que algumas formulações da época da Ideologia Alemã (1945-1947) são coisas que estranhamente chegam perto da maneira como tento pensar a ideia de participação platônica (pois a participação nas ideias não se verifica no discurso, mas na prática).

2. A questão de saber se o pensamento humano pertence a verdade objectiva não é uma questão de teoria, mas uma questão prática. É na práxis que o ser humano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o carácter terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não realidade de um pensamento que se isola da práxis é uma questão puramente escolástica.” (Marx e Engels, Teses sobre Feuerbach)

Mas claro que para realmente demonstrar como retiro isso do Platão (independente dele de fato acreditar isso) seria um trabalho da porra. Ainda que de fato seja o que eu tento descrever nesse desenho/resumo da filosofia platônica:

Diagrama da filosofia platônicaDiagrama da filosofia platônica


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