July 8, 2021

A análise institucional como caminho para filosofar

De repente lembrei que ontem ficamos pontificando sobre o estado geral da filosofia. Foi divertido. Me arrependo de não ter conseguido comentar mais sobre os aspectos positivos do curso que vou dar, pois acho que de fato existe um elemento de amor que justifica a persistência.

Eu sou bem aristotélico (o aristotelismo mais vulgar que existe): Todos os homens, por natureza, tendem ao saber. Sinal disso é o amor pelas sensações. De fato, eles amam as sensações por si mesmas, independentemente da sua utilidade (…)” (Metafísica, 980a)

Tenho cada vez mais achado que a análise dos obstáculos que se apresentam para o desejo (vazio?) de filosofar é o ponto de partida para investigações interessantes e efetivamente relevantes (posto que se relacionam com os problemas que movem nosso desejo).

É nesse sentido que acho que a análise da instituição filosófica não é simplesmente uma operação crítica em sentido negativo. Acho que tem ali o ponto de partida para ao mesmo tempo lidar com o amor por instituições falidas (afinal, amo a universidade) sem abrir mão de ir além.

Tomar o obstáculo e a análise das condições interditadas do desejo me parece dar a chave para ao menos ter um ponto de apoio no início da investigação sem que você precise construir um ponto de partida do zero.

July 7, 2021

Algumas questões delicadas sobre concursos para professor de filosofia

Infelizmente eu fico cheio de gatilhos com candidatos estrangeiros de metrópoles* (EUA, Inglaterra, França, Alemanha, Itália) participando de processos seletivos de filosofia no Brasil, sobretudo pelo fato das seleções serem geralmente estruturadas de modo a valorizá-los.

Não é que eu ache que tenha que haver uma reserva de mercado para brasileiros nesse momento de precarização geral (embora sim, na filosofia, que não tem progresso científico” acho que é ok pedir isso), mas que os critérios adotados hipervalorizam publicações estrangeiras.

Também é preciso entrar no mérito de que se o tipo de prática filosófica é um decalque dos modelos europeu (sobretudo, daí a ênfase em história da filosofia) ou anglo (em menor medida, mas presente em alguns concursos), brasileiros sempre estão em desvantagem.

Você chega pra fazer uma prova e o que é avaliado é ou uma hiper-erudição historiográfica (panorâmica ou especializada, tem das duas) ou você estar inteirado em toda terminologia da filosofia anglo (mesmo que se oponha a ela). Porra, é óbvio que os gringos vão se dar melhor.

Parece que não tem uma reflexão sobre isso. Não se discute concurso em âmbito institucional. Claro, entendo. As pessoas tem tudo rabo preso e/ou estão elas próprias com as mãos sujas. Pois os casos em que os gringos tem vantagem são os concursos que parecem ser idôneos.

É impressionante como esses processos seletivos conseguem (pelo menos em todos os que fiz, uns 20) invisibilizar que aquilo é uma vaga de emprego e como tal o emprego tem funções específicas que nem sempre estão refletidas nos mecanismos de seleção.

Existe uma pergunta muito séria que fica silenciada (e que tendem a dar as condições que beneficiam os gringos): qual a função daquele emprego? O que se quer? Acho que isso se reflete numa pergunta mais importante que não é tocada: qual o papel da graduação?

É impressionante que nada disso aparece. Tudo isso é deixado como não-dito, como aquilo que não pode ser nomeado. Não deve surpreender que a disciplina esteja sob ataque em termos institucionais quando ela não consegue se justificar para além de platitudes.

July 5, 2021

O debate do progresso na filosofia

Hora de começar um dia se frustrando com o que gringos tem a dizer sobre progresso na filosofia (mais um tema absolutamente marginal que tenho apreço excessivo): https://t.co/I9NdDH3iHI

citação do texto do linkcitação do texto do link

Começamos bem com o autor falando que consenso não indica progresso mas que falta de consenso é um indicador de consenso em geral. O problema me parece que o próprio autor acreditar que o progresso tem a ver com resoluções de problemas de uma vez por todas parece zuado.

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era inevitável que o autor comparasse a falta de progresso da filosofia com o progresso das ciências se ele tá mobilizando um critério de consenso.

Mas claro que o autor usa o Popper e o Kuhn para mostrar as falhas” da filosofia que deixam ela pra trás dos progressos que a ciência obtém.

Não passa pela cabeça do autor que a filosofia pode ser algo diferente da ciência e que simplesmente comparar a forma como elas 1) resolvem problemas e 2) estabelecem consenso não é o melhor caminho.

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Não é que o autor esteja necessariamente errado nesse primeiro parágrafo da natureza emaranhada dos problemas filosóficos, mas acho que o cara continua tratando como se fossem coisas a se resolver”. Algo que fica pior quando a solução é try harder”.

Me parece tomar o ponto de vista de primeira pessoa” (por falta de termo melhor) de um texto de filosofia, em que o autor se apresenta problemas e questões que busca solucionar (uma espécie de enquadramento narrativo-formal da obra) como o único.

Acho que ele deixa passar que ainda que esse procedimento de ponto de vista exista, ele não esgota sequer o que uma obra faz. Vide os diálogos platônicos, que parecem que apelam para outros procedimentos técnicos e não deixam de trazer rendimento (o problema sendo o que”).

Acho que quando se lê um texto de filosofia a coisa esquisita (parte de seu mistério) é que os problemas que o narrador” põe não precisam ser resolvidos para se tirar algo dali. Inclusive nem sequer se precisa ler tudo ou mesmo ler bem (outra loucura).

esse aqui é o ponto de vista correto: https://t.co/tgaf3aSeKv

June 27, 2021

Sobre o enunciador do discurso sobre neoliberalismo

Uma coisa que me incomoda no discurso sobre neoliberalismo de uma certa inteligentsia é como no meio de análises sistêmicas que se faz sentido acaba-se também moralizando o corre dos precarizados.

As vezes eu sinto que se esquece que ser um empresário de si” não é uma simples imagem ou metáfora qualquer, mas tem uma referência concreta que é você precisar fazer o que tiver como fazer para conquistar alguma forma de renda num mundo com cada vez menos trabalho formal.

Claro que monetização” de tudo é terrível. Mas me parece uma grande falta de sensibilidade ignorar que isso vem na esteira (ou junto) de um processo que deixa as pessoas sem opções (ou com poucas opções).

Ninguém quer ficar tendo que ter presença nas redes sociais, fazendo mil malabarismo para virar entretenimento” e muito menos ter que ficar atrelando a sua renda” (ou seja, aquilo que permite você sobreviver, comer, morar) à capacidade de manter interesse de outras pessoas.

Me parece que só uma atenção para o problema da renda (proj @irrideo) permite que se evite contrabandear para essas análises — corretas, interessantes, que inteligibilizam a realidade — um ponto de vista moral demais que respinga em quem precisa se engajar nesses corres.

A situação de um emprego estável é um mundo realmente maravilhoso. A sua renda aparece para você como algo fixo, constante e que não está atrelado à sua performance. Claro que pode ter melhorias aqui e ali, pode ter um aumento, bonus e todas essas coisas, mas não parece muito.

Se a gente pega e compara com outras funções, outros trabalhos da viração”, você vê que ali a renda é decomposta de uma forma absolutamente angustiante. Cada ação é um potencial aumento ou queda de renda.

O salário é uma coisa linda pois justamente você desatrela a renda das suas ações. Ainda que você pode apontar suas funções, só ver como professores universitários se apoiam nessa invisibilidade das funções para desprezarem (falo anedoticamente) orientação, ensino ou extensão.

Como nada daquilo está muito claro, se torna muito mais fácil abrir mão dessas atividades que de fato fazem parte do seu trabalho. Agora imagina alguém que não tem esse salário? Cada uma dessas atividades precisa ser exercida com o máximo de atenção e cuidado.

E quando você não tem essa constância garantida por alguma fonte pagadora segura (o Estado?) o que você faz? Você ainda precisa gastar um tempo enorme tentando tornar tudo o que você faz algo que atraia fontes pagadoras.

June 27, 2021

O efeito dos sistemas de ensino na docência no ensino básico

Existe algum trabalho que investigue os efeitos da expansão dos sistemas de ensino” (colégios que compram material didático e um método”/apoio de um megaconglomerado que seus professores devem seguir) na força de trabalho docente no ensino básico?

Se não existe, por favor, alguém faça uma pesquisa sobre isso!! De preferência nos moldes do livro/tese Sem Maquiagem” da Ludmila Abilio, pfvr.

Eu tenho uma suspeita que (em parte me permito pelo tanto que eu não domino do Capital) que existe aí uma transformação na composição orgânica do capital, em que o investimento sai da mão de obra do professor e se concentra na compra dos métodos.

Quando o professor não precisa sequer montar a sua aula ele de alguma forma tem seu trabalho degradado (poderia dizer que um aspecto dele é abstraído dele se quisesse usar essa palavra bonita). Mas de qualquer jeito, essa força de trabalho parece perder um elemento essencial seu.

Mas isso é muito pouco. E certamente é algo que não sei se se sustenta. Mas fico me perguntando se essa expansão dos colégios por método” não acabam sendo um laboratório do que está por vir no campo da educação (mais do que ensino virtual ou coisas do tipo).

June 26, 2021

Os efeitos da disposição estudantil de Aristóteles

Tenho uma hipótese que o caráter estudante” do Aristóteles é um dos responsáveis pelo ethos de pesquisa específico à filosofia. Tem ali algo de trazer pro campo um espírito de fichador. Fazer filosofia não apenas como criação conceitual ou performance, mas explicitação infinita.

Isso não é uma crítica. Eu acho bonito. Tem muito a se elogiar e se tomar do elemento platônico da filosofia. Mas uma coisa que não tem lá (e que eu ao menos não enxerguei nas outras fontes pré-socráticas) é o espírito diligente e chato transposto textualmente pelo Aristóteles.


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