A figura do parasita na internet
Um sonho que tenho é um dia escrever um texto sobre parasitas e parasitagem na internet.
Na verdade não só na internet. Pois não é qualquer parasitagem que me incomoda. Aquela que me dá nos nervos é uma parasitagem que aparece no campo acadêmico/theory.
Infelizmente eu ainda estou longe de conseguir fazer isso pois tomado pela irritação eu consigo apenas enxergar os parasitas e não as formas de parasitagem (seus procedimentos, que não consigo descrever de maneira muito elaborada).
Uma coisa que dá para dizer sobre o parasita é que ele é um ser sem vergonha. Não há o menor pudor de impor seus interesses. Há uma auto-confiança de que aquilo que lhe interessa é de interesse geral e que mudar os assuntos para seus temas é uma questão de dever.
Não existe nenhum problema em querer tocar seus interesses, em querer conversar com pessoas sobre aquilo que te move. Isso é natural e saudável. O problema é que o parasita não conversa, ele não cede. Só lhe interessa o outro como um anteparo para um diálogo consigo mesmo.
É por isso que a internet me parece um espaço propício (sobretudo twitters da vida) para o parasita. Ele chega, sorrateiro, como uma resposta ali, um rt comentado aqui, mas sempre de uma forma que qualquer sobrevalor semiótico seja capturado e delimitado em um ponto de vista.
Claro, isso feito uma vez ou outra não é um problema. O que incomoda no parasita é a consistência dos desvios. A insistência em tratar os outros como anteparo ou como mídia para exprimir as “suas” ideias. Pois isso é algo dos parasitas: seguros de si até o último fio de cabelo.
Mas isso não é tudo. Pois ainda que isso seja uma forma de sugar a vibe alheia, de desmobilizar conversas possíveis, há também um ressentimento que move o parasita. Pois como ele é seguro de si, qualquer não-alinhamento total é visto pelo parasita como um pecado.
É por isso que a ação dos parasitas tem sempre um prazo delimitado (mesmo que esse prazo vá se prolongando indefinidamente). A parasitagem suga até o ponto em que seu anteparo passa a se comportar com indiferença diante do parasita. Isso impede ele de continuar a parasitagem.
Quando se instala a indiferença (ou um automatismo nas respostas), o parasita sente que não tem mais nada o que sugar ali. Como porém ele encara as relações apenas em termos de oportunidade para se impor, quem lhe nega isso é automaticamente visto como inimigo.
É por isso que o parasita que falo é também uma forma avessa e cruel (ou talvez apenas literal) do que Lacan chama de amor: “dar o que não se tem a quem não quer”. Isso a gente vê pela forma como o parasita tenta empurrar goela baixo o que ele produz para seus interlocutores.
O caso clássico de ação do parasita é em contextos de troca entre duas pessoas (em que as subjetividades estão próximas demais e qualquer pedido pode se tornar rapidamente uma imposição) abusar da disponibilidade, etiqueta e boa vontade das pessoas para “lerem seus textos”.
O problema não é divulgar o que se faz (afinal, há um orgulho, uma alegria na partilha), nem mandar para pessoas que você acha que podem interessar (mas aqui exige-se alguma relação prévia, algum lastro que justifique o envio e a possível importunação ou até um pudor no pedido).
O problema é que o parasita envia as coisas sem vergonha alguma. É uma exigência, um dever. E não ler, não tomar seu tempo escutando isso ou aquilo, é lido como uma espécie de ofensa.
Existem mais traços do parasita, mas infelizmente ainda estou preso demais nas figuras empíricas e não consigo identificar as formas abstratas. Ainda assim, cuidado com os parasitas, com esses falsos pregadores só querem contrabandear a si mesmos em qualquer oportunidade!!
É importante ter vergonha. A vergonha é a forma individualista e narcísica (que todos somos, é o próprio mundo que nos faz assim) de se importar com o outro.