June 19, 2021

Meus tiques na escrita filosófica

De todos os elementos de redação que corrigem no que eu escrevo em filosofia, o que mais corrigem é provavelmente a única coisa que eu faço um esforço ativo para usar (ou seja, não é apenas eu escrevendo mal por tiques): o uso de futuro do pretérito para discutir conceitos.

Outra coisa que se corrige muito é que eu gosto de tratar os eventos filosóficos” (ou seja, o que acontece na história da filosofia) em termos sempre de um futuro. Tal evento transformará algo.” Infelizmente corrigem essa escolha estilística também.

Até entendo. Meus textos em termos de escrita e redação são mais embolados, enrolados e confusos um bolo de fios emaranhados. E também entendo que construo minhas frases sempre pelos caminhos mais longos, sempre deixando tudo longe de vista (ou seja: discípulo ruim de Murnane).

Mas puxa vida, as únicas coisas que acabo fazendo conscientemente são sempre limadas nesse bolo de correções como se fossem mais um tique”.

Outra coisa também. Eu tenho uma tendência enorme a enfraquecer” as minhas afirmações. Relativizar, criar condicionantes a um ponto que a coisa no final perde boa parte da força. Em alguma medida é um tique, mas também é um jeito meio tortuoso de pensar que de fato eu procuro.

June 19, 2021

As armadilhas do tratamento filológico

Nada contra o trabalho filológico (Auerbach tem um altar aqui em casa), mas fico pensando que a sua mensurabilidade maior (em relação à outras formas de lidar com textos e suas ideias) fez com que ele se tornasse um padrão ouro” nas universidades que não deixa de ser sufocante.

Isso é algo que falo para o campo de humanidades, obviamente. E claro que tem aspectos específicos da área que o trabalho filológico é o mais adequado. Mas quando ele sai para fora desses espaços ele se torna uma espécie de demanda vaga e abstrata por rigor bibliográfico”.

E é como se a única forma de pensar ou reagir a um texto fosse a reconstituição das suas determinações mais precisas, a elaboração ou explicitação do sistema que condiciona essas ideias ou a genealogia de referências implícitas ou explícitas.

Ainda que eu ache que muitas coisas boas saem daí, eu acho que esses procedimentos, uma vez saídos do campo de uma filologia estrita, acabam perdendo parte da sua força por justamente estar diante de outros problemas e situações que podem ter outras formas de resposta.

A única forma de lidar com um texto de um Nietzsche ou um Platão, não pode ser essa filologia vaga. Na realidade a filologia vaga as vezes aparece antes como uma espécie de reverso de uma certa filodoxia* que se prende apenas às superfícies das palavras.

E eu entendo. Acho que no campo universitário, em que os professores precisam constantemente prestar contas do que fazem (para seus pares e para as instituições) faz sentido que um procedimento científico acabe sendo priorizado por ser mensurável e comunicável.

Quando você sai do seu elemento restrito, porém, a única coisa que sobra é uma demanda vaga por rigor cujo efeito é controlar o que pode ou não ser dito a partir de um texto. E isso me parece um contrassenso se consideramos exemplos históricos de más leituras que são férteis.

Agora, se insisto nessa questão institucional, é porque claramente há um certo limite que tem a ver com as demandas específicas desse meio. Não acho que é um capricho que faz esse modus operandi dominar, mas simplesmente a maneira como pesquisa e ensino se organizam.

No campo editorial, por exemplo, com outras demandas, outros interesses, o que parece predominar é a filodoxia (só observar as n-1’s da vida, que são as mais explícitas nessa direção, mas acho que outras fazem isso de modo mais discreto em sua busca por modismos).

Se fosse resumir, então, diria que a filologia (abstrata) e a filodoxia (nos termos do Micélio) se diferenciam a partir da forma como lidam com o problema da referência.

A filologia, nesses termos que estou pondo (quando ela sai de seu campo restrito), procuraria entender um determinado objeto a partir de um conjunto de referências textuais ou bibliográficas precedentes. Não é nem que o mundo se explica pelo texto, mas só há textos e textos.

A sua tarefa é portanto conseguir mapear as referências que organizam um texto e que permitem reconstruir uma espécie de sentido oculto que estaria ali. Ela entende, portanto, referência no sentido de referência bibliográfica.

A filodoxia, por sua vez, entende a referência nos termos de uma palavra’, ou um conjunto de expressões’. Ela é uma espécie de amor à superfície, uma tentativa de se defender contra uma hermenêutica infindável e que quer re-operacionalizar os textos.

O problema, como Micélio aponta, é que rapidamente isso se torna uma relação fetichizada com os nomes dos conceitos. Fetiche por terminologia. No lugar de se preocupar com a reconstituição histórica e bibliográfica dos sentidos, acaba-se reduzindo tudo a uma questão de termos.

Na prática a gente vê aqui os modismos. Os próprios nomes se autonomizam dos seus conceitos a ponto de eles serem avaliados como bons ou maus independente dos contextos problemáticos em que eles são mobilizados. A teoria se torna um fim em si mesmo como uma prática de nomeação.

Se na filologia o mundo não existe por ser reduzido a um encadeamento de textos, na filodoxia o mundo deixa de existir na medida em que apenas o ato de nomear ganha valor. Quando a nomeação é feita de maneira incorreta (de maneira que desagrada) aquela coisa se torna falsa.

Na filologia temos portanto uma referência que procura ser fiel à rede de referências bibliográficas. Na filologia a fidelidade é às referências nominais dos conceitos. Em ambos os casos, porém, parece que as referências concretas fora dos textos ou discursos ficam esquecidas.

Eu não acho que existe uma solução mágica para isso. Óbvio, até porque essas questões decorrem da forma como o pensamento se torna uma mercadoria que, enquanto mercadoria, precisa ser mensurável (seja na universidade, seja no mercado editorial).

Um caminho que tenho pensado cada vez mais é tentar entender essa crise de referências”. O que significa (algo que estou repetindo a ponto de virar uma espécie de máxima) transformar essa crise de referência” em uma procura pela referência da crise.

*https://toujourmicelio.wordpress.com/2020/06/29/filodoxia/

June 19, 2021

A ausência de sentido em concursos para professor

Esse sou eu, depois de uma cacetada de concursos, percebendo que passar em concursos é um ato de sorte (inclusive os que eu passei) e que nada tem muito sentido.

Refletindo sobre concursosRefletindo sobre concursos

É claro que há condições mínimas para essa sorte poder acontecer. Mas as condições são um combinado tão complexo que o próprio mínimo necessário para se estar na disputa flutua bastante no seu teor qualitativo de concurso pra concurso.

Talvez seja meu lado estóico, mas acho que é importante pra quem está nesse corre desatrelar os resultados que se tem das suas capacidades. Passar em concurso (do jeito que são feitos aqui no Brasil, ao menos) não tem relação com você ser melhor ou pior ou com sua qualidade.

É ingrato demais essa experiência acumulada (uns 20 concursos). Ao menos ela serve para eu ter algum lastro que fundamenta o que eu digo para amigos brilhantes que se ferram em concurso e num ficar um bando de comentário vazio.

Dá pra fracassar bastante e ainda assim não te chamarem para ser um ted talker. Basta fracassar em algo absolutamente marginal como isso.

A minha posição hoje é um estoicismo extremo (niilista?) inclusive. Acho que qualquer comentário valorativo” que se fala sobre seus trabalhos deve ser ignorado (para bem ou para mal), apenas cria uma cortina de fumaça. O que é confiável é como o que você faz afeta os outros.

Então ignorar elogios ou críticas e se focar se há um engajamento (mesmo que falando bem ou mal). Pois se há um engajamento de alguma forma aquilo mexeu, e se mexeu é porque talvez tenha alguma consistência (e mesmo em críticas dá trabalho). Agora a indiferença é que é ruim.

Pois dá pra de fato as pessoas te cobrirem de elogios (ou de críticas) mas você sentir que aquilo não fez e não faz a menor diferença para a pessoa que elogiou/criticou. Isso eu acho que é uma cilada, pois o elogio e críticas ficam vazia e aumentam a ansiedade.

Eu tento levar isso de modo muito radical pois é o que ajuda a lidar com minha lua em leão. Sou bastante inseguro e justamente por isso não consigo confiar muito em elogios (embora claro, goste de ouvir, mas não é o que realmente me deixa >pleno<).

June 18, 2021

A dificuldade de encontrar bons materiais introdutórios

Peguei pra ler a introdução do Grespan ao Marx (queria algo para me ajudar a esquecer dos problemas para começar o dia mas também que tivesse a ver com minhas obsessões atuais) e ainda que o livro seja bom ele certamente não é uma introdução (e carece de desenhos pra visualizar!)

Quando digo que não é uma introdução quero dizer que apesar do percurso dele ser interessante (li dois capítulos) e de ele escrever de modo inteligível, o livro é bastante condensado de um modo que obscurece os encadeamentos entre as ideias.

Parece que no dilema eterno dos materiais voltados para introdução/divulgação acabou se privilegiando a precisão que força a tornar as coisas um pouco mais obscuras (demandando do leitor) em vez da inteligibilização. Isso não é uma crítica, já que acho que tendo a isso também.

June 17, 2021

Querendo entender luta de classes

Ontem acordei de madrugada pensando que quero entender mais a ideia e história de classe (no sentido de luta de classes”). Tem algumas coisas que tou pra ler faz um tempo, como o Thompson, mesmo o Ranciere do A noite dos proletários”, mas se tiverem sugestões melhores aceito.

Esse tema me interessa pois eu gostaria de me desfazer de um certo clichê (que acho que vinga muito na esquerda mas que não tenho condições ainda de negar de modo justificado, ainda que discorde) que toma trabalhadores ou proletários como necessariamente sendo operários fabris”.

Isso é uma leitura esquisita. Até acho que faz sentido se você olha de relance a história das lutas socialistas. Mas ao mesmo tempo acho que isso ignora 1) uma série de outros movimentos que não cabem nessa descrição e 2) o elemento material que explicaria a força de operários.

Com esse último ponto tou querendo dizer que haveria elementos no interior da história e da estrutura do capitalismo (e de suas formas de exploração) que explicariam que a luta operária não é algo arbitrário e sem justificativa (a simples elevação de um grupo contra outros).

Ao mesmo tempo, como mencionei no primeiro ponto, eu acho que isso tá longe de esgotar também a situação. O fato de que haveria uma importância ali não parece implicar nem logicamente nem historicamente que aquele é o único ponto de combate relevante.

June 15, 2021

Epígonos da filosofia analítica

Se filosofia analítica é um termo ruim para agrupar o que acontece no campo filosófico norte-americano (concordo), do que a gente chama a massa absurda de textos que ficam apenas criando infinitas categorias em papers cuja única consequência é gerar mais papers em reação?

Aqui no Brasil, que não tem filosofia analítica (enquanto prática hegemônica) a gente vê essa atividade na história da filosofia. Eu apelidei essa atividade que é esse jogo infinito de corrigir interpretações de história da filosofia de apertar parafuso de filósofo”.


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