June 22, 2021

As dificuldades de criticar uma ideia

Tentando entender porque algumas críticas que eu leio me parecem bobas ao exigirem que o objeto que é avaliado se adeque a um determinado ponto de vista e/ou princípio que move o crítico enquanto em outros casos eu sinto que essa mesma exigência de fato acaba sendo fértil.

Eu sempre acho criticar” algo bem difícil, pois o mais fácil é você apenas trair os seus pontos cegos ou a sua resistência de se engajar com o objeto criticado no processo. Ainda assim acho que tem momentos em que a coisa parece funcionar.

Uma hipótese que já pensei, mas que acho vago, tem a ver com o caráter centrípeto ou centrífugo da crítica. Quando a obra apenas serve de ocasião para aplicar um paradigma ou princípio, e o objeto seria mais ou menos próximo desse princípio teríamos uma avaliação centrípeta.

Quando, em vez disso, o objeto criticado obriga o paradigma ou princípio a se transformar para dar conta do mal estar” ou a insatisfação que o objeto criticado gera, talvez se possa falar de uma operação centrífuga. Quem se adequa é o paradigma e não o objeto.

Pensando em termos da relação com o objeto, no primeiro caso o princípio que avalia seria seguro de si, e funcionaria como juíz que avalia se aquilo que ele julga se aproxima ou afasta dele. Nesse caso os elementos negativos do objeto seriam ele não ter” o que o princípio exige.

O objeto então falha menos por algum problema seu, mas por uma coisa que lhe falta (ou que não faz suficientemente) quando é posto em relação com algum princípio que toma essa coisa como critério de avaliação.

No segundo caso me parece que o princípio que avalia não é expresso plenamente no ato de avaliar. Se é o paradigma ou princípio que muda, então é ele que é tomado como estando faltante com relação ao critério de avaliação na hora que critica algum objeto como problemático.

O objeto nesse caso não tem falta ou negatividade em si, mas no contato com o princípio que avalia, ele revela os limites do princípio atualmente expresso. Mostra que nem todos os elementos do juízo estão presentes e que ele deve ser ampliado. Neste caso o princípio é uma ideia.

Quando digo que é uma ideia em jogo aí, o que estou falando é que as formas de avaliação, os princípios que as regulam nesse caso, não estão plenamente presentes (como no primeiro caso de crítica) no ato de avaliação. A operação de alterar o princípio atual desloca o negativo.

A operação de alterar o princípio que avalia diante de um objeto que demonstrou sua insuficiência em avaliar seria uma forma de ser fiel a um ideal crítico que jamais pode se expressar plenamente no discurso. Isso aponta pra sua dimensão negativa.

Negatividade pelo fato de o princípio jamais poder ser plenamente expresso como um conjunto de regras que podem simplesmente avaliar qualquer coisa (como no primeiro caso) que pode ser identificado positivamente no discurso.

O ato de reformar constantemente o juízo diante dos objetos, a operação que se força a explicitar sempre de outra forma e estabelecer novas formas de lidar com seus objetos no ato da crítica seria o elemento positivo dessa ideia. Ou seja, a positividade se acha na sua prática.

E o efeito curioso dessa reforma é que o objeto avaliado em si não acaba sendo tomado como algo que tem elementos negativos nele. Não lhe pode faltar nada pois diante dele é o próprio princípio crítico que se mostra faltante e que precisa se transformar para falar dele.

Daí talvez que a boa crítica negativa (pelo menos nos termos que encontro, embora magicamente os exemplos me somem enquanto penso esse esquema) não raro tem uma frustração com a sua própria dificuldade de lidar com aquilo que ela quer criticar. Tornando a crítica em investigação.

É como se nessa crítica centrífuga o que a gente acaba vendo é menos um objeto sendo destruído, transformado em pó, e mais o próprio crítico se desdobrando para entender porque algo não bate. E nesse processo de não entender que seu próprio princípio precisa ser mais elaborado.

O que significa que se é o crítico que está se movendo, se adaptando, então o objeto criticado permanece e é preservado como ponto que ajuda a regular a transformação do crítico. Nesse sentido, se ele é o ponto a partir do qual se regula.

Nesse sentido, se ele é o ponto a partir do qual se demonstra a insuficiência do crítico diante de seu princípio ideal, então quanto mais firme for a descrição do seu objeto, mais ele consegue entender as insuficiências de seu princípio concreto que se mostrou insuficiente.

Uma estranha reversão parece se passar na operação centrífuga em que o objeto criticado, em nome desse tipo de crítica, precisa ser preservado o máximo possível em sua singularidsde. Sem que ele seja pensado e tomado em termos de qualquer deficiência ou negatividade.

Tudo isso para que o crítico centrífugo consiga ampliar e explicitar suas formas de pensar e se posicionar diante daquilo que lhe aparece.

A coisa talvez esteja ainda mais abstrata do que quando iniciei ela, mas acho que tem um ponto pra mim em que a coisa talvez tenha se esclarecido ao pensar isso. Que o que me incomoda em críticas negativas é quanto elas facilmente elas traem seu ponto cego ao serem juízas.

Isso me parece um tipo de demanda que o mundo se curve à sua perspectiva que não faz muito sentido (os objetos aparecem portanto apenas a partir da sua negatividade). Por outro lado há uma possibilidade, difícil, mas ética (?) de fazer o caminho inverso.

O objeto criticado, que de fato te incomoda, se torna ocasião para você entender o seu próprio mal estar e sua própria insegurança diante dos limites da sua perspectiva. O elemento ético aqui seria a aceitação de que há outros pontos de vistas que o meu.

Me parece que aí nesse caso, nenhuma outra forma melhor (mais difícil, porém) de lidar com essa situação é incorporar para si a negatividade que se encontra no objeto. O que, como tentei falar de modo torto, implica em respeitar e recusar negatividade ao que se critica.

Claro que tudo isso é mais fácil falar do que fazer.


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