July 27, 2021

Os caminhos da história da filosofia

Uma coisa que eu gosto bastante de dar aula de história de filosofia é que pra mim se consolida a ideia de que a tradição é feita de progressos materiais. Nem falo aqui de uma simples história da filosofia, mas de como as construções filosóficas criam marcos no caminho.

Isso não quer dizer nem que essa história é homogênea, nem que ela se desenvolve em um ritmo estável e muito menos que os progressos se transmitem/disseminam de modo simples. O que tenho impressão é que ao longo da transmissão certos caminhos vão se abrindo/fechando.

Não tenho mais do que impressões sobre esse tema, mas sinto como se as reflexões, os argumentos, as especulações (que se dão de inúmeras formas) fossem determinando ou coisas que não se pode dizer (mas não de forma vaga, ou que nos obriga a evitar a vagueza) ou pontos de apoio.

E isso vai sempre constituindo uma espécie de campo do que pode ser dito em determinado momento (por adição ou subtração — embora de formas que talvez não sejam imediatamente visíveis, visto que os retornos’ são um dos fenômenos que fazem parte da história da filosofia).

July 23, 2021

Alternativas para publicação em filosofia

Meu sonho é que em filosofia alguém fizesse um arxiv (em português). Este perfil é #contra periódicos.

Eu não sou contra trabalho de editoração. Mas essa mistura entre editores” que não tem poder de avaliar e a avaliação que é feita pelo teste duplo-cego parece um pior dos dois mundos. Ou você tem editores selecionando ou você tem teste duplo cego.

Talvez criar uma revista neutra em que você vai dando crédito de publicação” para quem submete uma revisão cega? (já que tem que ter revisão cega, algo que tenho questães). E nesse caso seria apenas o caso de ter uma distribuição por área dos artigos a serem avaliados.

Você entra na revista, envia seu artigo, mas ele só se torna avaliável” depois que você submeteu duas avaliações para artigos de outras pessoas (ou seja, uma lógica meio de torrent aqui, em que você tem que ser um seeder).

E uma vez que um artigo ganha dois oks” ele se torna arpovado. Caso ele seja rejeitado por 2 pessoas ele retorna e a pessoa precisa enviar outro. Neste caso o artigo não seria avaliado por quem avaliou antes.

Eu até faria isso, mas acho que o problema é que o processo de subir no qualis é muito lento. Então se alguém mandar numa revista com qualis alto eu me disponibilizo a ajudar a canibalizar esse sistema. Daí seria só fluxo contínuo de publicação (como algumas revistas tão sendo).

Claro que surgiriam problemas, mas será que dá pra dizer que os problemas seriam piores do que os que a gente já tem? Um sistema em que ninguém quer fazer pareceres pois não tem muito a ganhar (conta pouco em concursos).

July 22, 2021

Alguns comentários frustrados sobre concursos de filosofia

Já disse em determinado momento: O que eu aprendi nessa vida de concursos é que nunca foi mérito, sempre foi sorte (de cair seus pontos, de você estar num dia bom, da banca casar com você).”

Bem relevante pensar isso aqui depois de um concurso que fiz que 44 pessoas gabaritaram o barema (que era mal feito pra caralho, claro, sobretudo sendo a única forma de avaliação). Acho que no geral quem critica os concursos não está batendo no mérito de quem já passou.

Claro que tem quem pode ficar ressentido (inclusive como não ficar ressentido numa situação dessas?), mas acho que seria bom também se o pessoal tivesse um pouco mais de casca grossa. Criticar as formas de acesso, as lógicas não é uma crítica do mérito de quem passou.

A questão é: a lógica da produtividade num tempo de escassez reproduz desigualdades. Se essa lógica de produtividade (quantitativa, de número de artigos ou qualitativa, de revistas QUALIFICADAS) fosse algo realmente FUNDAMENTAL PRO CAMPO a discussão seria outra, mas não é.

Falo aqui evidentemente do meu campo. Acho que a falta de consenso sobre o que é produtividade em filosofia (que inclusive repete a um dos problemas mais antigos da filosofia, que é o conflito de filosofias”) não é um caráter contingente, mas fundamental da própria disicplina.

Essas dicas até poderiam fazer sentido se o desenvolvimento da filosofia enquanto empresa coletiva fosse necessariamente vinculada às formas de produtividade da universidade tal como ela é institucionalizada atualmente, mas não é o caso, basta olhar sua história.

O progresso em filosofia (e eu entendo que há, embora esse seja um tema mais espinhoso) se dá de inúmeras formas e a partir das mais variadas configurações sociais e institucionais. Naturalizar os processos de seleção da universidade moderna parece uma infidelidade à filosofia.

O que a gente vê em um concurso. Pessoas fazendo provas sobre temas que muito possivelmente ou não conhecem ou são hiper-especializadas (a partir de um sorteio). Depois disso temos baremas que muitas vezes são gerais para todos os campos universitários. Por fim uma prova aula.

Eu realmente acho esse tipo de processo absolutamente insano. Fica ainda mais insano quando você tem uma massa sobrequalificada de candidatos. Nesse ponto é inevitável que distinções invisíveis comecem a aparecer. Certas gramáticas são mais reconhecíveis, formas de se portar.

Imagina, você tem uma banca em que as pessoas conhecem (por conta de suas formações) certas tendências, certos debates (de filosofia antiga, digamos). Aí você tem candidatos de correntes diferentes, mas ambos bem qualificados. Um deles vai ter seu discurso mais entendido”.

É claro que o membro da banca pode suspender seu juízo”, mas existe um limite do quanto se pode suspender na própria lida com a prova/aula do outro (pessoas mais heterodoxas vão achar candidatos ortodoxos muito caxias”, pessoas mais ortodoxas vão achar heterodoxos errados”).

Se todos os candidatos são bem qualificados (e acho que não é um grande esforço achar que num concurso com 100 candidatos vão ter umas 10 pessoas igualmente qualificadas e competentes) o que diferencia eles?

Assim como eu tento dizer para mim mesmo que não passar nos concursos não significa que eu sou um lixo (algo que é bastante normal e que aos poucos fui me acostumando), acho que a consequência disso é também não achar que passar num concurso é fruto apenas de mérito.

É claro que existe mérito. É claro que existe um certo platô de competência acumulada ao longo da formação que te põe na frente de boa parte dos candidatos. Mas será que realmente dá pra dizer que você é o melhor”? O mais merecedor”? Acho que me parece forçação.

Tem um problema real de mensuração (que pra mim foi expresso de maneira absolutamente cômica no concurso com 44 pessoas com nota máxima no barema) que indica que talvez essa forma de se pensar produtividade (e gerenciamento de recursos via bolsas ou empregos) talvez não seja bom!

Então essas dicas acabam sendo vazias. São necessárias, mas quem num sabe disso? É tipo o Sêneca falando não fique triste”. Sim, claro, obrigado Sêneca, vou tentar ficar mais calmo, infelizmente nem tudo depende da minha força de vontade (tou reduzindo estoicismo, me deixem!)

Acho que o @detetivevsilva fez uma thread muito boa. Pelo menos me fez pensar, acho que o tipo de laço que faz sentido estabelecer tem a ver com a proletarização. Por outro lado o @italoalces também pôs a coisa em termos que me interessam: que é mapear de fato a situação.

Agora por isso também acho e repito que um pouco de casca grossa seria bom. Eu acho que a situação não deve ser de uma hostilidade ou antagonismo entre professores estabelecidos e pesquisadores sem perspectivas. Pelo contrário, acho que isso pra mim é um falso confronto.

Mas é um pouco foda ver que na hora de defender a educação o que acaba sempre sendo o caso tende a ser a reprodução de um modelo que é bem problemático*.

*como disse acima, e em toda thread, falo especificamente disso com relação ao meu campo, a filosofia.

July 21, 2021

A assimetria nas relações entre pesquisadores inseridos e os não-inseridos

A Ju me parece bem certeira aqui

Acho que o que me incomoda nisso tudo é que existe um se virem” por parte da categoria de professores estabelecidos (fora esforços pontuais e por isso mesmo não generalizáveis). Não consigo ver (no meu campo) um interesse real pelas centenas de pós-graduandos sem perspectiva.

Essa ideia de que as pessoas tem que se virar” é uma coisa muito complicada ainda mais se a gente considera o quanto os professores precisam dos alunos para justificarem seus trabalhos (afinal, sem a entrada de pós-graduandos no sistema como justificar tudo isso?).

Como assim seguir num business as usual quando se tem que ficar arranjando dez mil trampos pra compor uma renda depois que você passa anos se formando pra um mercado que não existe? A gente sabe o resultado disso, quem vai conseguir perserverar etc etc.

Eu não acho que tem que se assumir uma postura cínica, não acho que tem que se desencorajar”. Acho que na real o que tem que acontecer é quem está dentro ao menos tentar entender o próprio mercado de trabalho que estão construindo e os problemas que estão reproduzindo.

July 19, 2021

Sobre o peer-review

A Ju acho que foi certeira demais. Eu realmente não compreendo como se naturaliza o sistema peer-review como a forma mais apropriada de avaliação por uma comunidade científica. Como se não passar por esse sistema implicasse não estar sendo avaliado em nada.

Meu palpite inclusive é que essa naturalização irrefletida parece uma forma de evitar qualquer confronto com limites desse sistema (e com os problemas que ele reproduz) que acaba também bloqueando outras maneiras de se desenvolver a pesquisa científica.

Um esclarecimento: quando falo de peer-review não tou falando de avaliação por pares” de modo genérico (pois, afinal, o que tou dizendo é que isso pode aparecer de muitas formas). Mas falo das maneiras que isso acontece hoje em dia (via revistas acadêmicas, duplo-cego etc).

Acho que a questão que eu me ponho nessas horas é: para que serve atualmente o sistema peer-review tal como elaborado? Não é *apenas* para gerir a boa ciência. É também para justificar, gerenciar e alocar recursos financeiros.

July 16, 2021

Sobre não exister um fora do texto”

Pode ser que não exista fora do texto”, mas talvez justamente por isso se pode ler outros tipos de texto.

Apesar de amar barthes, ou justamente por isso, aquela ideia de literatura que ele elabora na Aula” como ciência das ciências, parece sintoma de uma relação com referências textuais” que é mais empobrecedora do que qualquer outra coisa.

Não que ache que os philosophes dos 60 caiam nessa leitura (nem o Barthes, que é mais rico do que a imagem que ele as vezes faz de si mesmo). Foucault, Deleuze e Guattari lidam com textos de forma bem rica. Penso especialmente no Mil Platôs, que pra mim ainda é um mistério.

Mas há de se perguntar porque essa imagem meio esquisita de literatura emergiu a partir desses autores. Seja para critica-los, seja para elogia-los. E enfim, me parece que até vai na contracorrente do que eles de fato fazem quando mexem com textos.

Inclusive acho que isso tudo talvez nem faça muito sentido claro fora da minha cabeça no momento (talvez eu esteja querendo evitar trabalhar — mas tudo bem, o expediente acaba em breve), mas tenho de fato pensado como qualquer saída só pode se dar também pelos prórprios textos.


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