July 22, 2021

Alguns comentários frustrados sobre concursos de filosofia

Já disse em determinado momento: O que eu aprendi nessa vida de concursos é que nunca foi mérito, sempre foi sorte (de cair seus pontos, de você estar num dia bom, da banca casar com você).”

Bem relevante pensar isso aqui depois de um concurso que fiz que 44 pessoas gabaritaram o barema (que era mal feito pra caralho, claro, sobretudo sendo a única forma de avaliação). Acho que no geral quem critica os concursos não está batendo no mérito de quem já passou.

Claro que tem quem pode ficar ressentido (inclusive como não ficar ressentido numa situação dessas?), mas acho que seria bom também se o pessoal tivesse um pouco mais de casca grossa. Criticar as formas de acesso, as lógicas não é uma crítica do mérito de quem passou.

A questão é: a lógica da produtividade num tempo de escassez reproduz desigualdades. Se essa lógica de produtividade (quantitativa, de número de artigos ou qualitativa, de revistas QUALIFICADAS) fosse algo realmente FUNDAMENTAL PRO CAMPO a discussão seria outra, mas não é.

Falo aqui evidentemente do meu campo. Acho que a falta de consenso sobre o que é produtividade em filosofia (que inclusive repete a um dos problemas mais antigos da filosofia, que é o conflito de filosofias”) não é um caráter contingente, mas fundamental da própria disicplina.

Essas dicas até poderiam fazer sentido se o desenvolvimento da filosofia enquanto empresa coletiva fosse necessariamente vinculada às formas de produtividade da universidade tal como ela é institucionalizada atualmente, mas não é o caso, basta olhar sua história.

O progresso em filosofia (e eu entendo que há, embora esse seja um tema mais espinhoso) se dá de inúmeras formas e a partir das mais variadas configurações sociais e institucionais. Naturalizar os processos de seleção da universidade moderna parece uma infidelidade à filosofia.

O que a gente vê em um concurso. Pessoas fazendo provas sobre temas que muito possivelmente ou não conhecem ou são hiper-especializadas (a partir de um sorteio). Depois disso temos baremas que muitas vezes são gerais para todos os campos universitários. Por fim uma prova aula.

Eu realmente acho esse tipo de processo absolutamente insano. Fica ainda mais insano quando você tem uma massa sobrequalificada de candidatos. Nesse ponto é inevitável que distinções invisíveis comecem a aparecer. Certas gramáticas são mais reconhecíveis, formas de se portar.

Imagina, você tem uma banca em que as pessoas conhecem (por conta de suas formações) certas tendências, certos debates (de filosofia antiga, digamos). Aí você tem candidatos de correntes diferentes, mas ambos bem qualificados. Um deles vai ter seu discurso mais entendido”.

É claro que o membro da banca pode suspender seu juízo”, mas existe um limite do quanto se pode suspender na própria lida com a prova/aula do outro (pessoas mais heterodoxas vão achar candidatos ortodoxos muito caxias”, pessoas mais ortodoxas vão achar heterodoxos errados”).

Se todos os candidatos são bem qualificados (e acho que não é um grande esforço achar que num concurso com 100 candidatos vão ter umas 10 pessoas igualmente qualificadas e competentes) o que diferencia eles?

Assim como eu tento dizer para mim mesmo que não passar nos concursos não significa que eu sou um lixo (algo que é bastante normal e que aos poucos fui me acostumando), acho que a consequência disso é também não achar que passar num concurso é fruto apenas de mérito.

É claro que existe mérito. É claro que existe um certo platô de competência acumulada ao longo da formação que te põe na frente de boa parte dos candidatos. Mas será que realmente dá pra dizer que você é o melhor”? O mais merecedor”? Acho que me parece forçação.

Tem um problema real de mensuração (que pra mim foi expresso de maneira absolutamente cômica no concurso com 44 pessoas com nota máxima no barema) que indica que talvez essa forma de se pensar produtividade (e gerenciamento de recursos via bolsas ou empregos) talvez não seja bom!

Então essas dicas acabam sendo vazias. São necessárias, mas quem num sabe disso? É tipo o Sêneca falando não fique triste”. Sim, claro, obrigado Sêneca, vou tentar ficar mais calmo, infelizmente nem tudo depende da minha força de vontade (tou reduzindo estoicismo, me deixem!)

Acho que o @detetivevsilva fez uma thread muito boa. Pelo menos me fez pensar, acho que o tipo de laço que faz sentido estabelecer tem a ver com a proletarização. Por outro lado o @italoalces também pôs a coisa em termos que me interessam: que é mapear de fato a situação.

Agora por isso também acho e repito que um pouco de casca grossa seria bom. Eu acho que a situação não deve ser de uma hostilidade ou antagonismo entre professores estabelecidos e pesquisadores sem perspectivas. Pelo contrário, acho que isso pra mim é um falso confronto.

Mas é um pouco foda ver que na hora de defender a educação o que acaba sempre sendo o caso tende a ser a reprodução de um modelo que é bem problemático*.

*como disse acima, e em toda thread, falo especificamente disso com relação ao meu campo, a filosofia.


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A assimetria nas relações entre pesquisadores inseridos e os não-inseridos A Ju me parece bem certeira aqui Acho que o que me incomoda nisso tudo é que existe um “se virem” por parte da categoria de professores
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Alternativas para publicação em filosofia Meu sonho é que em filosofia alguém fizesse um arxiv (em português). Este perfil é #contra periódicos. Eu não sou contra trabalho de editoração. Mas