August 10, 2022

Os limites de uma teoria crítica negativista

Ainda que seja um livro curto e simples, eu gosto bastante do livro do Badiou Ética — um ensaio sobre a consciência do mal” pois ele resume muito bem alguns problemas em que uma teoria crítica [em sentido amplo] negativa demais pode acabar recaindo.

Uma discussão semelhante acontece de maneira menos sofisticada no Lísis de Platão (que reli recentemente) em que se avalia os problemas de pensar certas virtudes (no caso a amizade) a partir de seu negativo.

Isso me lembra que inclusive gosto muito da ideia presente no Fedro que ser tomado pela loucura do amor” é um ponto de vista que em vez de tornar a realidade mais confusa, acaba permitindo que se ganhe ainda mais clareza sobre as situações.

A ideia é uma loucura (seja no amor, na arte, na política ou na ciência) pois ela é em alguma medida a promessa de que o mundo é mais do que sua configuração atual sem que isso implique num idealismo vulgar em que as coisas precisam se adequar a um ideal.

August 10, 2022

Imbecilidades do mundo acadêmico da filosofia metropolitana

Nem 10 da manhã e eu preciso ler um filósofo italiano fazendo cosplay de terceiro mundo” ao falar que peer review é bom pois deixou anônimo o fato de que ele foi formado numa universidade italiana (que seria considerada lixo/terceiro mundo na academia anglo).

Assim, até imagino que fazer um doutorado na itália não seja valoroso no mundo anglo, mas puta merda cara, não por favor não.

É impressionante o nível de imbecilidade que existe no mundo acadêmico filosófico metropolitano. Fora as exceções habituais, a regra parece um bando de gente tapada (“THICK pra usar uma expressão deles) em termos políticos.

E nem acho que isso é exclusividade de campo (tem muita gente que estuda política” tapada) ou de corrente” (relativo a analíticos” ou continentais”), me parece um fenômeno mais geral mesmo que reproduz as distâncias institucionais da filosofia globalmente.

O sul global” dessas pessoas só existe quando você está no interior de uma fronteira no norte global (de preferência quando você está registrado num programa de pós-graduação).

August 10, 2022

A gravitas do discurso filosófico francês

Eu tenho a impressão que o sucesso de uma filosofia francesa tardia (Latour, Badiou, Stengers, Zizek [francês por formação]) está ligada a produzir um discurso que, diferente daquele dos mundos anglos, ainda tem uma certa ~gravitas. Você sente que tem algo de real em jogo.

Tanto que boa parte dessa geração posterior inspirada nesses franceses (fora exceções), ainda que façam trabalhos muito bons, não produzem a sensação de que o que está sendo discutido é FUNDAMENTAL. É uma coisa meio burocrática, cumprindo tabela.

Nada contra o discurso em tom baixo, mas acho que até esse precisa ter a ~gravitas do tom baixo (é o jeito que um Murnane escreve, por exemplo, na literatura).

Sei lá, essa vibe meio fleumática, meio sou apenas um funcionário do GEIST é algo que acho enfadonho (ainda que aprenda algo aqui e ali), não me dá tesão. É diferente, por exemplo, de um Freud, que escreve burocraticamente” mas tu sente que tá ali destrinchando a ALMA.

August 8, 2022

Uma análise de O Ensaio de Nathan Fielder

Nas últimas semanas estou escrevendo mentalmente um texto sobre The Rehearsal” e a natureza desconstrutiva de seus procedimentos.

Deixando de lado as questões éticas ali (e acho que há), o que vejo é uma espécie de investigação que ao tentar resolver um problema (que aparece no primeiro episódio) passa a ir em direção à própria condição de possibilidade do que se quer inicialmente representar.

Só que esse movimento investigativo não se dá no plano teórico ou simbólico. É como se cada passo da série fosse uma tentativa de fornecer uma resposta em termos infraestruturais das condições de possibilidade da encenação que se pretende.

A gente vê inicialmente uma ideia simples de representação. Representar os passos. Mas identifica-se um problema, essa representação captura apenas o instante”. Ela busca repetir uma situação única. No episódio seguinte isso se expande: representa-se a passagem do tempo.

A passagem da primeira representação para a segunda, implica numa ampliação da infraestrutura (além de não se poder replicar muitas vezes a situação, pois busca-se representar 20 anos), é necessário inventar uma forma de simular uma coleção de situações que seria uma vida.

Acho que nesse ponto que abrem-se dois problemas que me parece que são tratados” nos dois episódios seguintes. O primeiro diz respeito à natureza das representações. Se você não está engajado naquela ficção, você precisa encontrar uma forma de transmitir as emoções.

O que parece se descobrir no terceiro episódio, é que para fazer isso, a própria forma do ensaio” se mostra limitada, ela não consegue reproduzir o afeto das situações. Daí, mais uma vez, a extrapolação do ensaio” para além de um domínio em que se está consciente do ensaio.

Algo muda ali. Pois vê-se que a verdadeira simulação parece implicar em alguma medida uma fragilização da fronteira que torna ainda mais eticamente questionável o experimento (se é que a gente acredita que aquilo tem algo para além da encenação).

É claro que já havia esse problema no primeiro episódio, mas no terceiro parece que ele explicita o que estava apenas como uma possibilidade: a ideia de que no ensaio já há elementos de que aquele que ensaia não faz parte, não tem controle e é excluído do processo.

Mas no quarto episódio isso me parece ser levado ainda mais adiante, pois parece que o ator que vai praticar o método fielder” sequer é um participante ativo”. Um efeito, me parece, da necessidade de ampliar a escala do que é ensaiado” nos procedimentos do Fielder.

Na tentativa de ensaiar uma vida, a quantidade de pessoas que precisa participar da encenação se multiplica enormemente. Além disso, fica-se evidente que a capacidade delas atuarem bem no ensaio está condicionada a elas mesmas serem capazes de elas mesmas serem já ensaiadas”.

Para que o ensaio consiga realmente simular a vida (sobretudo nas ocasiões em que ele as fronteiras entre o ensaio consciente e o inconsciente) seria necessário que os atores que participam jamais dessem um sinal de serem artificiais.

Isso põe em questão o problema da mão de obra, da formação de um profissional para esse tipo de atividade. De um tipo específico de técnica de atuação que não existe para um tipo de atividade que inclusive nunca existiu fora desse programa.

Pois o tipo de atuação que aparece ali não é uma que é para encenar numa apresentação”. Pelo contrário, é uma em que a própria pessoa vive a atuação, em que ela se tornaria indistinta pela própria capacidade da pessoa se incorporar totalmente nessa outra vida.

Temos um problema aqui. É totalmente impossível e me parece justamente isso que acontece no episódio quatro. É como se o Fielder levasse as últimas consequências sua proposta e isso resultasse nele ter que tornar os futuros atores eles mesmos em ensaiadores” involuntários.

E agora a gente tem uma espécie de retorno involuntário ao que acontece no primeiro episódio. Lá o próprio Fielder ensaia a situação. Mas como se tratava de um caso simples, é uma questão de ir testando uma situação. Ele não vira Kor Skeete.

É diferente do que ocorre no quarto episódio, em que ele vai seguindo cada passo do ator que faz parte de sua oficina, inclusive a ponto de assumir a tarefa que ele mesmo havia dado para esse ator na oficina de atuação do fielder method.

Para além disso não sei ainda o que pensar (fora esperar o fim da temporada). Mas acho que não é por acaso que ele se obrigue a encenar dramaticamente” a substituição de atores que permite a criança voltar à infância. Acho que de alguma forma se relaciona com esses passos acima.

Eu suspeito que há uma percepção nesse momento de que para que o ensaio seja efetivo, a encenação deve recobrir tudo. Isso inclui as dúvidas do criador”, que são tão espontâneas quanto falsas, como também modificações em infraestrutura (o recuo temporal do quarto episódio).

August 3, 2022

A crítica de Sérgio Ferro às teorias da arte representativa

Um dos momentos mais interessantes do livro do Sérgio Ferro no Artes Plásticas e Trabalho Livre II (e que retorno vez ou outra na memória) é a crítica breve que faz àqueles que procuram compreender a relação entre arte e sociedade de maneira especular.

O alvo ali, se não me engano, é o T. J. Clark. Mas a crítica é menos a ele (acredito — e a despeito dos méritos que o Ferro reconhece), e mais a ideia de que obras de arte reproduzem em sua forma final (e talvez quanto mais inconsciente melhor) as relações sociais de seu tempo.

A questão é menos negar que haja uma relação entre arte e sociedade (claro que há) e mais apontar como há uma série de pressuposições esquisitas (uma espécie de ontologia da obra de arte pressuposta) quando se apresenta essa relação sem entrar no mérito dos fazeres da obra.

Tenho a impressão que quando você fica no nível dessa especularidade (que acredita de maneira até caricatural que a obra é um receptáculo” das relações sociais), você também acaba inclusive abrindo mão de explorar a singularidade do fazer artístico para além da representação”.

É claro que quem se apoia nessa especularidade é mais sofisticado do que a imagem que tou apresentando aqui. Mas acho que tem uma armadilha, pois no fim das contas essa especularidade acaba levando a uma circularidade das análises sociais, em que apenas se repete o que se sabe.

Isso significa que as análises das obras de arte não podem gerar nenhum conhecimento para práticas políticas? Acho que não, acho que de fato existe algo que é mapeado nesse tipo de prática. Mas talvez aquilo que é mapeado não seja uma miniatura (mágica?) da realidade social.

Eu tenho a impressão (embora isso seja meio rudimentar) que a gente pode dividir em dois tipos o conhecimento que se pode extrair de práticas artísticas. Por um lado ele ajuda a entender as distâncias entre um fazer livre e um fazer subordinado (o trabalho no regime assalariado).

Acho que em grande medida o trabalho do Sérgio Ferro vai nessa direção. Uma elaboração que permite apresentar outros tipos de fazer (então acho que contribui-se para tornar visível um mundo possível, ainda que não saibamos como, já que a arte é uma ilha no mundo do trabalho).

Por outro lado (esse seria o segundo caminho), acho também que a arte me parece uma exploração sobre as formas de sensibilização de um tempo. Isso não significa uma capacidade representativa pronta (especular), mas de fato uma experimentação sobre as formas de sentir o mundo.

Com relação a esse segundo caminho ainda sinto que não tenho ele tão elaborado, tão claro para mim o que ele seria. Mas certamente a ênfase estaria menos no conhecimento do que foi sensibilizado e mais no conhecimento das maneiras de sensibilizar.

July 29, 2022

Sobre a história da filosofia fiel

Uma coisa que eu acho fascinante na história da filosofia é que só num momento muito recente que ficou relevante para os esforços historiográficos recuperar o contexto” ou entender a filosofia sem introjetar nela suas posições”.

Claro que vai haver um esforço de fidelidade, de restituir a verdade do autor em outros momentos. Mas me parece que só a partir do século XX (eu dataria inclusive depois da segunda guerra mundial) é que esse esforço de restituição ocorre no nível da compreensão do contextual.

Já fui mais noiado com isso. Hoje em dia acho que é um esforço justo se a gente não cai no erro de achar que é a única forma de tratar um texto. Levando ao limite, só poderíamos falar um texto se fôssemos capazes de nos tornarmos o autor (falando sua língua, habitando seu tempo).


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