August 3, 2022

A crítica de Sérgio Ferro às teorias da arte representativa

Um dos momentos mais interessantes do livro do Sérgio Ferro no Artes Plásticas e Trabalho Livre II (e que retorno vez ou outra na memória) é a crítica breve que faz àqueles que procuram compreender a relação entre arte e sociedade de maneira especular.

O alvo ali, se não me engano, é o T. J. Clark. Mas a crítica é menos a ele (acredito — e a despeito dos méritos que o Ferro reconhece), e mais a ideia de que obras de arte reproduzem em sua forma final (e talvez quanto mais inconsciente melhor) as relações sociais de seu tempo.

A questão é menos negar que haja uma relação entre arte e sociedade (claro que há) e mais apontar como há uma série de pressuposições esquisitas (uma espécie de ontologia da obra de arte pressuposta) quando se apresenta essa relação sem entrar no mérito dos fazeres da obra.

Tenho a impressão que quando você fica no nível dessa especularidade (que acredita de maneira até caricatural que a obra é um receptáculo” das relações sociais), você também acaba inclusive abrindo mão de explorar a singularidade do fazer artístico para além da representação”.

É claro que quem se apoia nessa especularidade é mais sofisticado do que a imagem que tou apresentando aqui. Mas acho que tem uma armadilha, pois no fim das contas essa especularidade acaba levando a uma circularidade das análises sociais, em que apenas se repete o que se sabe.

Isso significa que as análises das obras de arte não podem gerar nenhum conhecimento para práticas políticas? Acho que não, acho que de fato existe algo que é mapeado nesse tipo de prática. Mas talvez aquilo que é mapeado não seja uma miniatura (mágica?) da realidade social.

Eu tenho a impressão (embora isso seja meio rudimentar) que a gente pode dividir em dois tipos o conhecimento que se pode extrair de práticas artísticas. Por um lado ele ajuda a entender as distâncias entre um fazer livre e um fazer subordinado (o trabalho no regime assalariado).

Acho que em grande medida o trabalho do Sérgio Ferro vai nessa direção. Uma elaboração que permite apresentar outros tipos de fazer (então acho que contribui-se para tornar visível um mundo possível, ainda que não saibamos como, já que a arte é uma ilha no mundo do trabalho).

Por outro lado (esse seria o segundo caminho), acho também que a arte me parece uma exploração sobre as formas de sensibilização de um tempo. Isso não significa uma capacidade representativa pronta (especular), mas de fato uma experimentação sobre as formas de sentir o mundo.

Com relação a esse segundo caminho ainda sinto que não tenho ele tão elaborado, tão claro para mim o que ele seria. Mas certamente a ênfase estaria menos no conhecimento do que foi sensibilizado e mais no conhecimento das maneiras de sensibilizar.


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