August 11, 2022

Desafios da escrita de filosofia para ensino básico

Uma coisa que torna pra mim difícil escrever textos de filosofia para o ensino médio é que o texto não é simples veículo para ideias, mas é aquilo mesmo que deve transmitir a validade de ideias que não tem referência fora da textualidade (ou da discussão).

Não entro no mérito de outras disciplinas, mas pra mim isso complica a coisa pois é quase inevitável que o texto vá se complicando no processo, vá se tornando difícil na medida em que a qualidade da coisa está ligado a construir os argumentos complexos que transmitem as ideias.

Não dá simplesmente para escrever em linguagem simples” pois como o texto não é mero suporte/veículo, ele próprio tem que acabar produzindo conexões que fazem surgir algo que é pensável a partir do que está disposto ali. Mesmo exemplos (importantes) não tem força sem isso.

Isso é um problema que estou lidando a alguns anos, e acho que mesmo aqui não consegui justificar direito (e não acho que é um problema apenas para o ensino médio, mas acho que ali há algumas demandas que dificultam ainda mais esse processo).

De minha parte eu tento me concentrar em poucas ideias, mas fornecendo o máximo de elementos que ajudem os alunos a conseguirem percorrer o processo de pensamento que acho que está envolvido na construção das ideias. Na ideia parece fácil, mas na prática dá um trabalho da porra.

Não são poucas as vezes, no processo de escrita, que fico completamente desesperado, achando que minhas editoras vão querer cortar minha cabeça pelo tanto de volta que tou dando no texto, pelo tanto de contexto que tento fornecer para conseguir transmitir algumas ideias.

E é umas coisas que vão acumulando e no meio do processo até fico preocupado de estar viajando demais (felizmente com o tempo fui me afinando com quem me edita e acho que ainda que tenha medo, tenho conseguido me aterrar um pouco mais de modo que os problemas são mais pontuais).

Sem contar outros problemas inevitáveis nessa miniaturização das ideias (o risco de estar deturpando elas”, de estar simplificando” ou mesmo estar fazendo recortes que enviesam demais sua elaboração). É sempre um sufoco tentar fazer algo que não seja só dogmático.

Mas eu preciso admitir que apesar disso tudo gosto. Gostaria de ser mais bem pago (hah) e também gostaria de ter prazos menos apertados. Certamente é um tipo de trabalho que eu conseguiria me ver fazendo por mais anos (ainda que esse ciclo que tou envolvido vai terminar agora).

Acho que bem ou mal é um desafio que me obriga a construir outra relação tanto com a filosofia como também com a maneira como escrevo (e como penso as formas de me endereçar aos outros).


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