August 3, 2019

Sobre o ódio à teoria

O ódio da teoria é na verdade um ódio profundo da prática.

Apenas pra não deixar no ar. Não é que teoria seja prática” (não tou me comprometendo com isso nem recusando), mas que é da ordem da própria prática que problemas e situações surjam que estão para além da nossa capacidade de compreensão (Deleuze chamava isso de problema).

O que acontece então? Bem, chegamos ao limite da nossa capacidade de compreensão e temos duas opções: ou tentamos curvar a realidade às nossas categorias de compreensão (nosso quadro conceitual’) ou procuramos refinar/alterar/criar esse quadro. Eu acho que filosofia é isso.

Por isso que digo que há um ódio profundo à prática nesse ódio à teoria. É uma recusa de lidar com problemas que são inerentes à própria prática. Para além do anti-intelectualismo, a recusa ao esforço reflexivo me parece uma forma de não escutar as demandas da própria prática.

Quando se recusa a pensar, alguém/algo (a tradição? os costumes? a mídia? a ~ideologia dominante?) acabará ocupando essa função.

August 3, 2019

A busca por um saber obsessivo em Platão

Uma coisa que eu acho que tem também saltado muito aos olhos na leitura do Platão é essa preocupação obsessiva com o conhecimento adequado para a prática política (algo que aparece também nas questôes propriamente éticas).

É sempre uma frustração se deparar com a dificuldade de encontrar algum solo seguro que seja o saber relativo à pólis. E isso me parece estranhamente relevante no momento atual, em que várias iniciativas se pōem em campo como detentoras do saber adequado: técnico, econômico, etc.

No fundo eu acho cômico, pois essas pessos tem técnicas adequadas para certos fins, mas quando aquelas técnicas são pensadas para serem aplicadas em problemas que não podem ser resumidos à finalidade inicais vão aparecendo mais buracos que em queijos suiços.

E não é um problema se deparar com limites, mas nesse ponto a tendência, como nos interlocutores platônicos, é eles começarem a ficar putos e xingar o Sócrates, falar que ele não está entendendo” ou simplesmente vazar da discussão (é você Eutifron).

E de novo, o pensamento de segunda ordem é visto apenas como algo que atrapalha, quando deveria ser o que mostra como a questão da boa vida e da vida comunitária é mais espinhoso do que gostaríamos de admitir. Enfim, sei lá, leiam Platão.

August 1, 2019

Uma leitura kantiana de um trecho do Mênon de Platão

80a-86c no Mênon é um dos momentos mais fodas da filosofia. Acho que uma coisa que ajuda na compreensão da rememoração” nessa parte é pensar em termos de uma memória transcendental (tou roubando do Diferença e Repetição). Não se trata de uma memória empírica de uma alma passada.

É uma avaliação por meio da experimentação das possibilidades dos limites objetivos do pensável. Um movimento de ir tateando mesmo que vai tornando visível (inteligível) um saber que não pode ser empírico (ou seja, não depende da experiência).

Ou seja, essa alma que se rememora não precisa ser compreendida como uma simples vida passada, mas como o elemento justamente que não está relacionado a uma vida específica, como um saber que se encontra na medida em que vai se deparando com limites e caminhos excluídos.

Platão justifica a possibilidade do conhecimento a partir da ideia de rememoração, ou seja, não se trata de aprender, mas despertar aquilo que já teria sido apreendido antes de sermos humanos. Nas margens só consigo escrever: condição de possibilidade/transcendental.

August 1, 2019

Sobre a alma que rememora no Mênon

O louco do Mênon é que o Sócrates não se satisfaz em dizer que temos conteúdos inatos. O que ele diz (em 86a) é mais complicado, ele fala não é por todo sempre que sua alma será [uma alma] que [já] tinha aprendido.”

Isso é muito doido. A alma, antes de ser humana, já tinha aprendido, embora, ao mesmo tempo, não se possa pontuar um ponto de aprendizado com risco de recair no paradoxo. É como se a alma não tivesse o conhecimento inato, mas estivesse perpetuamente nesse estado de ter aprendido”.

July 31, 2019

Sobre a relação necessária entre filosofia e seu ensino

A minha posição lacrante do dia é que filosofia sem um elemento pedagógico e/ou exteriorizante é a mesma coisa que nada.

A universidade tem essa posição problemática de ao mesmo tempo preservar e sufocar a prática filosófica. Eu não vou ser daqueles que acham que a filosofia foi estragada por isso (ainda mais olhando as condições), mas ela certamente traz novos problemas pra equação.

Ainda assim, a sensação que tenho é que já estamos passando por uma nova transição na forma de difusão dessa prática. Se certamente é difícil cravar qualquer coisa, é possível ver que a estrutura das universidades muito possivelmente vai se transformar radicalmente no futuro.

Isso tem consequências para a filosofia, que provavelmente vai ter que encontrar outros espaços onde ela pode ser feita, outros ambientes onde ela pode ser cultivada. E o que será? Essas novas mídias que aparecem por aí (podcasts, youtube, BLOGS)?

Eu gosto desses meios. Mas longe de achar que eles serão be-all and end-all de todos os entraves. Apesar de apreciar e consumir, ainda há um caráter unilateral (por mais que haja engajamento’) nessas mídias que não pode ser descontado e ignorado.

Acho que no fundo o que isso implica é a ausência de atalhos. Eu ainda sou apaixonado pelo modelo da escola da antiguidade (sem ignorar, claro, todas as exclusões que existiam ali), acho que tem algo ali daquele espírito que deveria ser atualizado (difícil).

No mundo ideal haveria centros para-universitários. Espaços de pesquisa e ensino e divulgação. Um pouco como ocorre no mundo da psicanálise só que sem as brigas edipianas? Enfim.

O que é difícil, nesse mundo do sem tempo, irmão’ [eu mesmo me vejo falando sem tempo, irmão’ mentalmente umas cinco vezes por dia no mínimo pra mim mesmo]. Mas justamente seria um espaço em que a economia da atenção deveria caminhar na outra direção.

Pois em certo sentido eu acho que a prática da filosofia é isso também, uma espécie de prática da atenção [incipit Pierre Hadot].

July 26, 2019

Sobre a sede por conteúdo político

A sede por conteúdo da área da política é algo que sempre me surpreende. Desde 2013 a impressão é que há uma lenta conversão de qualquer tipo de prática discursiva em algo que precisa tematizar o político e que não fazer isso é uma espécie de falta grave.

Ao mesmo tempo você vê mais e mais espaços para quem se dispõe a entrar nesse jogo. E na maior parte das vezes, sejamos sinceros, o que é dito é ou cafona ou apenas uma confirmação do que já se sabe ou o que se quer ouvir (o que desloca a coisa da política pra moral na hora).

O Patrice Maniglier, em seu último livro, discute isso de uma forma interessante (pensando no cenário francês). Fala sobre como isso permite estabelecer um certo vínculo social. Que falar de política, hoje em dia, pode acabar sendo justamente um dos poucos laços que sobraram.

Mas, como ele aponta, isso não tem problema, mas tb não costuma sair do reino da dóxa. Mesmo que você esteja munido de dados, informações e uma maleta de citações clássicas ou contemporâneas isso não garante que você esteja fazendo algo além de manter o discurso circulando.

No fim das contas, em boa parte dos casos, a única coisa que sustenta boa parte desses discursos é uma certa aura de urgência da questão, de modo que todo o resto fica chapado e/ou distorcido por essa demanda que acompanha a fala/texto em questão.

O que é muito louco: que num momento em que as expectativas estejam tentendo a zero, que o tempo de trabalho aumenta significativamente e que as nossas capacidades de atenção estejam sendo ocupadas a todo instante, nesse momento é que se cobra ainda mais um foco monolítico.

Não digo com isso que se deva ir dessa tensão para o relaxamento artificial do entretenimento (que não poucas vezes vira outra forma de cobrança/urgência), mas que talvez faça bem mudar de assunto, explorar outras campos de problemas que não dependam ou se constituam na urgência.

E claro, faz sentido as pessoas estarem produzindo loucamente qualquer material que toque nesses temas, nessas questões, mas não significa que a necessidade que as faz produzir essas coisas acabe se tornando uma necessidade de acompanhar esses discursos derivados.

Mas claro, sair disso é um parto. Não é fácil, e ainda tem a culpa que fica pairando de não estar acompanhando”. Tudo isso é ainda mais difícil de fazer num ambiente hiper público como twitters da vida, por isso esvaziar a inevitabilidade desses temas me parece um bom passo.


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