July 26, 2019

Sobre a sede por conteúdo político

A sede por conteúdo da área da política é algo que sempre me surpreende. Desde 2013 a impressão é que há uma lenta conversão de qualquer tipo de prática discursiva em algo que precisa tematizar o político e que não fazer isso é uma espécie de falta grave.

Ao mesmo tempo você vê mais e mais espaços para quem se dispõe a entrar nesse jogo. E na maior parte das vezes, sejamos sinceros, o que é dito é ou cafona ou apenas uma confirmação do que já se sabe ou o que se quer ouvir (o que desloca a coisa da política pra moral na hora).

O Patrice Maniglier, em seu último livro, discute isso de uma forma interessante (pensando no cenário francês). Fala sobre como isso permite estabelecer um certo vínculo social. Que falar de política, hoje em dia, pode acabar sendo justamente um dos poucos laços que sobraram.

Mas, como ele aponta, isso não tem problema, mas tb não costuma sair do reino da dóxa. Mesmo que você esteja munido de dados, informações e uma maleta de citações clássicas ou contemporâneas isso não garante que você esteja fazendo algo além de manter o discurso circulando.

No fim das contas, em boa parte dos casos, a única coisa que sustenta boa parte desses discursos é uma certa aura de urgência da questão, de modo que todo o resto fica chapado e/ou distorcido por essa demanda que acompanha a fala/texto em questão.

O que é muito louco: que num momento em que as expectativas estejam tentendo a zero, que o tempo de trabalho aumenta significativamente e que as nossas capacidades de atenção estejam sendo ocupadas a todo instante, nesse momento é que se cobra ainda mais um foco monolítico.

Não digo com isso que se deva ir dessa tensão para o relaxamento artificial do entretenimento (que não poucas vezes vira outra forma de cobrança/urgência), mas que talvez faça bem mudar de assunto, explorar outras campos de problemas que não dependam ou se constituam na urgência.

E claro, faz sentido as pessoas estarem produzindo loucamente qualquer material que toque nesses temas, nessas questões, mas não significa que a necessidade que as faz produzir essas coisas acabe se tornando uma necessidade de acompanhar esses discursos derivados.

Mas claro, sair disso é um parto. Não é fácil, e ainda tem a culpa que fica pairando de não estar acompanhando”. Tudo isso é ainda mais difícil de fazer num ambiente hiper público como twitters da vida, por isso esvaziar a inevitabilidade desses temas me parece um bom passo.


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Sobre a relação necessária entre filosofia e seu ensino A minha posição lacrante do dia é que filosofia sem um elemento pedagógico e/ou exteriorizante é a mesma coisa que nada. A universidade tem essa