July 19, 2019

O conceito de unidade como bicho-pão da filosofia continental

Eu sinto que o conceito de unidade/uno virou uma espécie de bicho-papão de certos grupos da filosofia continental. O problema não é apontar pra mim as implicações políticas e excludentes que acabam aparecendo junto a esse conceito em seus usos mais comuns.

Acho que um trabalho como o Diferença e Repetição (e em certa medida o Mil Platôs) acaba mostrando as insuficiências e consequências de uma certa imagem tradicional do uno que se pensa junto como um primado da identidade.

Mas será possível abdicar completamente de qualquer ideia de unidade? Acho interessante a noção de síntese justamente por conta disso, uma unidade a posteriori, contingente, provisória e que é efeito de uma certa consistência (penso em D&G).

Eu gosto do trabalho de cosmopolítica da Stengers (e nisso estou influenciado pela @alyne_costa) pois trata-se antes de uma convergência de divergências (sistema de heterogênese, pra trazer deleuze de novo) que se constrói na prática sem tomar aquilo como ponto final.

Mesmo a noção de multiplicidade que percorre a obra toda do Deleuze é um esforço de repensar que tipo de unidade é não apenas possível como desejável.

Sabemos o que é a multiplicidade sem qualquer franja de unidade. É o Crátilo (ou, o primeiro pós-moderno).

July 18, 2019

Sobre medo e esperança na política

Eu fico muito cético com essa tentativa de pautar as ações a partir de um investimento na esperança. Vejo alguns políticos e talking heads da esquerda falando disso e me parece sempre que é o apoio num afeto cilada [assim dizia Espinosa].

É um misto de voluntarismo (se você não está com esperança você está atrapalhando o movimento, como se fosse isso que fosse fazer diferença) com uma desoneração prática que joga um pouco pro alto (na expectativa de que algo inesperado surja e nos ajude).

Esperança e medo são dois lados da mesma moeda. Insegurança sobre as perspectivas que podem flutuar de uma hora para outra ao menos sinal de um indicativo contrário (já que justamente, é um investimento libidinal instável fundamentado em algo que não é seguro).

Eu lembro também do trabalho do François Jullien no Tratado da Eficácia, mostrando como parte do saber de guerra ocidental se pauta por uma lógica do Step 1 Step 2 ????? Profit”

No fim das contas havendo coisas vagas mas fundamentais que decidiriam o combate (como coragem).

July 12, 2019

Discussões institucionais a partir de Maniglier

O livro do Maniglier que lançou esse ano é muito interessante (“La philosophie qui se fait”). Tem umas discussões sobre a posição institucional da filosofia e do intelectual (duas coisas diferentes) relacionadas ao problema da metafilosofia que dificilmente você encontra por aí.

Agora claro, o livro tem uma capa horrível. E é num formato de entrevista, que apesar de conseguir alcançar alguns pontos de profundeza (o que performa bem a imagem do filósofo que o Maniglier defende) faz sentir falta de um tratamento mais sistemático dos problemas.

Mas ao mesmo tempo, talvez justamente por ser num formato de entrevistas é que ele se permite tratar desses temas da mistura entre o institucional e o propriamente filosófico. Já que no momento parece que a única questão relevante são as que conectam diretamente com a política.

O que eu acho que acaba capengando nessa ênfase das questões diretamente políticas na filosofia é que, fora exceções (umas de gente notável, outras de gente ninguém na noite) a maior parte das vezes o tratamento parece não sair do nível da doxa. O elemento esquisito é excluído.

E eu acho que num gesto bem Platônico, o Maniglier ao fazer essa defesa do esquisito que a filosofia pode trazer (numa insubmissão completa do filosófico ao corrente) acaba tornando mais visível o tipo de contribuição (uma das) que o discurso filosófico pode ser capaz de gerar.

Tem um equilíbrio interessante ali entre não tornar a prática de um purismo que nunca existiu (e isso o Maniglier faz muito bem pelo seu próprio apelo constante às ciências humanas), mas sem que isso implique cair num plano que iguale tudo a partir de uma homogeneidade prévia.

March 18, 2019

Sobre a figura pública na internet

Me pergunto se é possível ser uma figura pública da internet e não cair na dinâmica vidraça/blindamento. Por um lado faz sentido a figura se sentir incentivada a agir enquanto figura pública na medida que ela passa ser tratada como tal.

O discurso vai se tornando mais geral na medida em que o alcance se amplifica e é natural que a postura se transforme. Parece haver uma preocupação maior com o que se diz, como pode ser interpretado e, sobretudo, como pode ser deturpado por detratores.

Junto com o alcance vem também o encontro com pessoas que não concordam com sua posição. Se num ambiente mais localizado muitas dessas críticas poderiam ser tratadas de modo mais aberto, o caráter público do intelectual transforma tanto o tipo de crítica como a recepção dela.

Uma figura pública é sempre menos concreta que seu veículo de projeção. Nos sentimos mais dispostos a ser mais duros e agressivos quando o outro não é uma pessoa. Esquece-se que a figura pública ali é alguém (e que você contata diretamente). A crítica justa pode vir forte demais.

Mas em certa medida isso também é produzida pela própria pessoa (não apenas) a partir do momento que ela se torna e age como figura pública (ou, talvez, quando ela aceita essa posição a partir da incitação dos seus seguidores). A posição de críticos parece apenas confirmar isso.

Se há críticos é por se estar tocando em certas feridas. Eles são o sinal de que se está indo na direção certa. Passa-se a misturar críticas que pré-fama poderiam ser levadas em conta com as que são fruto de ódio. Diante disso só resta aos críticos incorporarem isso na crítica.

Por um lado a pessoa pública se torna vidraça e por outro ela também está absolutamente blindada. As coisas vão escalando e qualquer crítica passa a ser bloqueada, senão pela pessoa pública pelo seu próprio séquito. A defesa é em certa medida uma solução compreensível.

Mas em que medida ela não cria outros problemas? Parece que há uma tendência (em nome da autopreservação — justa) dessa posição produzir uma figura dogmática que não está aberta a uma problematização e que não deixa de produzir um ambiente extremamente belicoso.

Até é possível que uma instância de problematização apareça, mas costuma ser domesticada ou ilusória, uma autocrítica que não toca em nada importante ou na consideração de críticas irrelevantes ou que não ponham em questão realmente as práticas e discursos realizados ali.

Eu realmente não sei como podemos evitar essa dinâmica. Sei apenas que é muito problemática e acho que não depende de modo algum do caráter ou da disposição da figura pública internética.

March 11, 2019

Uma dúvida sobre a metafilosofia de Badiou

Não sei se eu concordo completamente com a posição da filosofia apenas como metadisciplina como o Badiou propõe. Entendo os ganhos, acho interessante, mas ao mesmo tempo acho que há um conteúdo específico na prática filosófica que tem a ver com a relação entre corpo e conceito.

Isso ainda não está claro, mas penso em obras como Tratado da emenda do intelecto do Spinoza ou mesmo, em certo sentido, a Crítica da razão pura. O que tá em jogo é a relação entre prática e pensamento, a maneira como eles se entreafetam. (Tá vago ainda, preciso elaborar)

Claro, talvez isso, no sistema badiouano (que preciso conhecer mais), poderia entrar como um outro tipo de processo de verdade (além dos 4 originais). Algo que produziria as suas verdades e seria seu próprio campo (aí numa tradição elaborada do helenismo ao Montaigne e adiante).

March 9, 2019

A condição de possibilidade kantiana da história da filosofia

Se a história da filosofia é compreendida como um domínio que compreende as obras para além de qualquer validade das suas conclusões (ou seja, o valor de verdade envolvido nos seus juízos), isso implica pro Lebrun que a sua condição de possibilidade dela é a crítica kantiana.

Ele fala isso pois é com a crítica que, para ele, se tornaria possível ler os textos sem se preocupar com a validade das suas conclusões. A crítica performaria essa possibilidade ao não procurar postular nenhum dogma, mas apenas tentar entender o próprio funcionamento da razão.


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