A sombra da metrópole na filosofia
Deve ser divertido trabalhar numa disciplina em que seu campo não é completamente colonizado pelas metrópoles e em que ou você se submete e se torna europeu/americano ou você é no máximo um excêntrico torcendo pra um espacinho pra sobreviver cair do céu.
O fato de que não há “objetos” de estudo “locais” torna a coisa mais difícil pois por mais que faça muito sentido pra filosofia a coisa não ser “nacionalizada”/“particularizada”, na hora institucional você sente com muita clareza que há um teto pra quem não subscreve ao modelo.
E mesmo quando você subscreve, o que você consegue é tentar ser europeu (ou seja, ser um defunto que finge estar fazendo filosofia quando na verdade está apenas fazendo exegeses [algumas boas, algumas irrelevantes]) ou americano (vivo, porém estéril na maior parte das vezes).
E bem, nunca se vai ser tão americano quanto os americanos, tão francês quanto os franceses, tão alemão quanto os alemães.
Vejo o pessoal de história, de antropologia, de sociologia, de crítica literária e até sinto uma certa inveja. Eles tem um espaço pra cultivarem, os tipos de objetos dessas disciplinas permitem isso. Na filosofia acho que o máximo que a gente consegue é tentar imitar isso.
Acho fundamental o movimento de levar a sério tradições não-ocidentais. É um trabalho historiográfico imprescindível pluralizar o campo, mas ainda assim, por mais que história da filosofia e filosofia se misturem, a coisa ainda me parece que é o caráter histórico que abre isso.
É possível que o que eu estou falando aqui seja lido como um apelo a um certo “universalismo” da filosofia. E de alguma forma é. Mas acho difícil filosofia que não aconteça fora do jogo do uno com o múltiplo (seja lá o nome que se dê a esse par) e fora do movimento de abstração.
Isso não quer dizer que esse par só pode ser lido da forma que o ocidente faz, óbvio que não. Mas, de fato acho que tem alguns nós difíceis de desatar, difíceis ainda de entender direito, que tem a ver com o fato de que no campo da abstração há constrangimentos “colonizadores”.
Na verdade eu acho que é uma “falsa solução” achar que basta olhar para o pensamento de “não-ocidentais”. Não por isso não ser fértil (é fértil pra kct, e ter lido um pouco de pensamento ameríndio pra minha dissertação certamente é uma das coisas que me fez pensar o que penso hj)
Mas é uma falsa solução na medida em que não resolve o problema. Apenas o desvia para o campo historiográfico. Bem, eu tou especulando aqui, talvez esteja falando besteira, mas algo me diz ainda que não resolve, apenas posterga e deixa a coisa ainda na estrutura historiográfica.
E nesse desvio ele acaba de certa forma repetindo um procedimento bem europeu. Trocando o filósofo ‘tesouro nacional’, por um povo (ou pensador) menor, um povo/pensador esquecido, ignorado pela tradição filosófica colonizadora. Claro, isso gera atrito, gera diferenças.
E não quer dizer que esse trabalho não seja bem feito, não acabe produzindo desvios e diferenças a partir do próprio objeto imprórpio, que em sua estranheza acaba revelando limites do próprio procedimento de exegese/reconstrução do pensamento de um antepassado.
Mas acho que a coisa ainda se mantém presa, ainda se mantém no mesmo esquema e não resolve o problema que ME incomoda. Sem contar que ainda cria um caminho que as vezes se apresenta como “o único” caminho pra descolonizar o pensamento. Como se bastasse “olhar para o lado”.
(E claro, nem entrar no mérito de toda a condescendência involuntária que aparece junto a esse gesto de achar que basta dar voz ao outro, que basta prestar atenção ao outro - o que não significa que não se deva prestar atenção, enfim, é tudo misturado, confuso, complicado demais)
O que eu acho que é difícil, então, é conseguir fazer essa “descolonização” no próprio campo da abstração. É isso que me incomada, ainda que talvez soe um pouco infantil, talvez soe inclusive como um desejo que nem faz sentido.