Sobre as engrenagens da Ética de Espinosa
A Ética do Espinosa é uma máquina bem azeitada. Isso todos sabem. Mas acho que uma das coisas mais interessantes que tem ali é que o procedimento filosófico-teórico está próximo demais ao procedimento prático-existencial. E tem uma circularidade esquisita aí.
Pois de certa forma as elaborações teóricas que se constroem na ética desenham um tipo de prática possível, um tipo de atitude, ação e procedimento para navegarmos no mundo e cuidarmos dos nossos afetos. Ao mesmo tempo, essas elaborações dependem de um certo tipo de prática.
O que acontece é que no meio da Ética há uma justificativa que explicaria como a nossa prática natural (ou seja, o processo de junção de imagens contingentemente para nos orientar) se converte em uma prática sábia (as imagens se juntam necessariamente) a partir do acaso.
A vida sábia fica, ao menos em seu começo absoluto, refém do acaso. E ao mesmo tempo, o que torna ainda mais difícil, é que mesmo que a gente ensine o caminho da sabedoria (a filosofia?), ainda é preciso que o indivíduo receptor tenha condições de ser ativo para virar sábio.
Em certo sentido o que se pode fazer é isso, talvez, ajudar a criar as condições da sabedoria. Mas o esforço da sabedoria ainda envolveria, em alguma medida, um “diálogo da alma consigo mesma”. Os exercícios filosóficos seriam, portanto, isso, tentativa de aprender por imitação.
Isso não é novo. Platão fala no Mênon que a passagem de uma opinião correta para a sabedoria passa por uma passagem da junção contingente de opiniões corretas para uma junção necessária das opiniões certas. Aristóteles também bota a imitação como central para alcançar a virtude.