June 22, 2020

O impulso desdogmatizande do socratismo

Eu gosto do curto-circuito que é a sabedoria’ socrática vir da percepção da sua ignorância. Por mais que seja fácil inverter e tornar a ignorância um saber distintivo, se a gente for se ater radicalmente ao dito isso é o que fica bloqueado de antemão. No gods, no masters.

A posição do mas eu sei mais’ é das piores coisas no campo do saber. Deixa eu te ensinar alguma coisa”, Vem cá que eu te explico nesse FiO”, Deixa eu te dar a real”. Acho que não tem nenhuma antivirtude’ que me irrita mais que a condescendência.

E claro, o dogmatismo é atraente. Você aprende e entende uma coisa você se sente impulsionado, se sente alegre. Mas sinto também que é muito fácil cair na crença do saber como distinção, como ponto de demarcação (e acho que isso tanto profissionalmente’ como existencialmente’).

Por isso, de novo, acho o socratismo massa (pelo menos na leitura que faço). Pois ele meio que interrompe isso, resiste à cristalização (ou procura resistir). Inclusive acho que é por entender que há essa tendência no domínio do saber que o socratismo é mais exercício que teoria.

June 20, 2020

A produção de opiniões genéricas na internet

Hoje em dia tem um certo tipo de emissor/difusor de grande alcance cuja única função é dar corpo à opinião/posição mais genérica/óbvia possível. Como se a sua única função fosse ser a ocasião em que a opinião genérica se torne o que é (já que apenas com ele ela teria alcance).

Penso muito nisso. Mas não sei o que dizer sobre. Acho esquisito. Tem umas figuras que quando acontece alguma coisa você já sabe exatamente que a posição mais óbvia vai ser sustentada por elas (e sendo a mais óbvia ela é sempre a mais genérica possível, a mais vaga possível).

O engraçado é que até as reviravoltas” do pensamento são previsíveis. Suas falas anti-intuitivas” são elas mesmas muito previsíveis, como se você pudesse advinhar na hora que abrem a boca. Esse fenômeno realmente me intriga, e me intriga/entristece que haja potência de difusão.

June 20, 2020

A importância da edição na escrita

No fundo acho que qualquer dica de escrita é inútil sem algum tipo de processo de edição que acompanhe.

Rigor, criatividade, clareza ou estilo me parecem palavras que não fazem muito sentido a menos que você olhe pro texto, comente, se explique, dê sua posição. Enfim, o problema da escrita me parece seríssimo, mas sem condições pra que as pessoas sejam lidas e comentadas é difícil.

Nos meus sonhos loucos (e provavelmente problemáticos) eu acho que colégio deveria ser apenas aula de matemática e filosofia. Apenas aprender a pensar, escrever e elaborar formalmente alguns pontos. Claro, isso não significa que não haveriam conteúdos”, mas sempre subordinados.

A ideia seria justamente anos de exercícios que não teriam em seu centro nenhum conteúdo positivo fora o desenvolvimento das habilidades de articular ideias e pensamentos. Enfim, devem ter mil buracos nessa ideia, mas gosto de imaginar esse mundo.

June 18, 2020

A filosofia como navegação e as gêneses históricas da filosofia

No momento frustrado como meus interesses pela pergunta pelo sentido da filosofia enquanto atividade de navegação (uma espécie de operação transcendental) acabam me jogando inevitavelmente para a pergunta pela compreensão das gêneses históricas da filosofia pelo mundo.

O problema nem é que acho que isso é desvio de rota, pelo contrário, qualquer tentativa de delimitar essa atividade precisa de alguma forma passar pelo crivo das suas formações históricas até para complexificar o conceito.

O problema é não ter tempo para fazer uma análise das formações materiais em lugares como china, índia, egito e grécia para investigar semelhanças e divergência tanto na prática como no que é pensado a partir das divergências de configurações locais onde a filosofia emerge.

June 15, 2020

A função social da poesia

Uma vez vi um filme sobre poesia, uma espécie de documentário sobre poesia (era italiano, algo sobre musas no título, vi no festival do rio entre 2014-2018 provavelmente), mas teve uma cena ali que me fez entender um pouco a função da poesia como atividade social.

A cena era meio que conversando com umas espécies de poetas/cantores do interior, que faziam umas canções/poemas pros animais, sobre a vida deles, enfim, era algo bem bucólico’. Lembro que me marcou demais pois acho que no fim das contas bateu como arte é uma atividade social.

Já comentei isso aqui, que acho que tem um caráter de nicho’ nas artes (e algumas pessoas fizeram bons apontamentos sobre isso). Que parte do seu sentido é para o meio que ela circula (e que sua autonomização desse meio pode ser ambígua — deixar de fazer sentido/ter valor).

E eu vejo a maneira como os poetas do rio de janeiro lêem poesia, consomem poesia e fora algumas exceções, parece ser uma atividade fundamentalmente social. Aquilo é a vida das pessoas (isso não é uma crítica, mas explica as intrigas, explica os elogios espalhafatosos).

Eu acho na verdade, no caso do circuito carioca, algo bem tóxico. Mas acho que entender em termos sociais’ e não puramente estéticos, me ajuda a ter um pouco de dó de quem precisa (as vezes por questões materiais) participar desse mundo.

E tem algo (que tou tentando articular mas tá saindo meio troncho) que é essa confusão de expectativas entre local e universal que aparece quando aquilo que é uma atividade social/local começa a ser filtrado pela 1) crítica/tradição e 2) pelos meios de reprodutibilidade técnica.

O elemento social fica meio escondido (e tudo bem), mas as expectativas passam a ser imensas quando você está se comparando com sumidades do campo, quando qualquer intervenção é ao mesmo tempo local e lido também comparado com a tradição (por conta da publicação e dos críticos).

Tem várias formas de amenizar esse salto de expectativas. Todo o papo de situar a coisa em escalas menores (literatura universal –> literatura nacional –> literatura nacional atual –> literatura carioca atual –> literatura publicada pela 7letras) amenizaria as distâncias.

Mas ainda assim, tem algo esquisitíssimo que as demandas sociais e as demandas da crítica meio que se fundem de uma forma esquisitíssima. Elogiar alguém é elevá-la no círculo social. Criticar alguém é ameaçar a amizade e assim por diante.

June 14, 2020

O estilo de Deleuze

O estilo do Deleuze é feito para expôr ao ridículo aqueles que querem apenas usá-lo por meio de sua superfície. Nada contra o pensamento deleuziano ser usado, mas tem uma espécie de hermetismo na linguagem dele que impossibilita um uso qualquer da sua filosofia.

Acho que o @toujourmicelio falou disso (ou eu falei inspirado nele, não lembro), mas a questão é que ou você fica parecendo simplesmente uma pessoa que tá usando as suas palavras sem a força que as conecta ou você acaba apenas literalmente repetindo o Deleuze. É uma loucura.

O difícil é conseguir os seus conceitos sem se seduzir pelos seus nomes. Sei que tou repetindo isso, mas é que tou lendo algumas coisas aqui esses dias que é bem isso: um simulacro de Deleuze, aparentemente retoma os termos e até argumentos’, mas no fundo só gira em falso.


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