June 14, 2020

Low theory e Faux-theory

Pensando na low theory e no seu oposto, a faux-theory.

Tem momentos que aparece pra mim com alguma clareza meus interesses filosóficos para além de um certo amor pela leitura da história da filosofia. Uma pena que dure pouco, seja intenso demais e que seja sempre em momentos que é difícil levar essas questões adiante.

Tem algo de triste e curioso na maneira que Platão inaugura sua filosofia na tentativa de diferenciar seu pensamento de uma imagem ilusória porém com diferenças imperceptíveis. A sofística é retratada como uma espécie de moeda falsa que não podemos reconhecer e esse é seu perigo.

Hoje em dia parece que rola a mesma coisa nos campos de crítica social”/“filosofia”/“teoria crítica”. Muitas vezes nem se arroga um nome específico desses explicitamente, mas ergue-se um simulacro de pensamento que em nada se implica e que não se depara com nenhum obstáculo.

Denúncias e apelos vazios que dependem de uma certa imagem do que um pensador deve fazer. A construção de uma espécie de pensamento chapa branca que de tão insosso não pode ser negado ou rejeitado por ninguém sem que o reclamante seja tachado de pessoa difícil, chata etc.

June 13, 2020

Resumos de uma longa pesquisa em curso

Isso me fez pensar no fio que uniria todos os meus interesses que acumulei ao longo dos anos.

Talvez possa resumir como uma espécie de tentativa de entender como navegar no real a partir de um contato com uma inesgotável produção de mapeamentos do real inconsistentes entre si.

Uma outra forma de resumir a coisa seria entender o conceito de perspectiva/perspectivismo (sem que perspectiva’ seja compreendido apenas como um ponto de vista subjetivo’).

Isso explica meu interesse por campos teóricos e seus desenvolvimentos mais do que os objetos que eles procuram dar conta/mapear. Me interesso mais por teoria antropológica do que povos estudados, Me interesso mais por teoria/crítica artística do que obras de arte.

Meu interesse por literatura ocupa um espaço de exceção (e aí que o theory of vibe” me trouxe de volta pra essas questões), pois ainda que tenha um interesse por esse campo exista, eu já enxergo a literatura como um mecanismo de produção de mapeamentos cognitivos do real.

Inclusive é exceção também por ser o campo que me pôs esses problemas inicialmente. A tentativa de entender o que a experiência literária” me trazia, o que ela me ensinava (daí minha fascinação com o trabalho do Costa Lima sobre mimesis).

E é massa olhar pra trás e ver como cada pecinha tem seu papel, seu momento. A mimesis do costa lima, o perspectivismo ameríndio/nietzschiano, a filosofia como exercício espiritual de pierre hadot, a orientação afetiva espinosana, a metafilosofia deleuziana e agora Platão.

[muita coisa excluída aí, isso são só alguns momentos >norteadores<]

June 13, 2020

A Low tech theory de Mckenzie Wark

Low tech theory da Mckenzie Wark é um puta insight teórico que me arrependo demais de não ter lido mais (em parte justifico isso por não saber em que texto” começar).

Precursores de low tech theory: estóicos no período helênico/imperial (inclusive o próprio Foucault nota no Hermenêutica do Sujeito como esses filósofos são desvalorizados por não serem sofisticados” teoricamente).

Inclusive a vocação da filosofia deveria ser sua vulgarização, sua transformação em tecnologia low-tech, a pluralização e popularização dos seus procedimentos em baixa resolução. Na prática o que acaba ocorrendo é o inverso, que é o que faz a coisa meio que dar ruim.

Como a resolução baixa é vilipendiada, o que sai das instituições” é uma versão high-tech mas sem a base que possibilita que essa tecnologia de ponte funcione e opere. Ela fica bamba pois não vem acoplada de todas as nuances que a instituição universitária permite explicitar.

A gente fica com uma tecnologia sem muito uso. Pessoas gritando rizoma sem que o rizoma não queira dizer muita coisa. Por isso me interessa demais o esforço de pensar essa operação de redução de resolução” da teoria. É difícil conseguir captar o que pode ser transportado.

June 12, 2020

Os conceitos como indicações formais

Pensando na manjação dos conceitos (para o qual o @toujourmicelio muito adequadamente recupera a palavra filodoxia’). É engraçado, pois de um modo os conceitos são uma moeda. eles transportam algo que não se encontra no seu invólucro, elas apontam para uma ideia ou experiência.

É da natureza dos conceitos que as palavras saiam do texto, que elas nos afetem. Que as indicações formais que são os conceitos [ou seja, que o conjunto de promessas que as palavras indicam] sejam de algum modo (re)produzidas ou reprodutíveis por aquele que recebe o conceito.

Se falo cavalo, um cavalo sai da minha boca (era Crísipo ou Zenão? Bem, pouco importa). O conceito de aporia’ tem seu valor não por simplesmente descrever uma experiência, mas por apontar >mais ou menos< as maneiras de reproduzir o que está envolvido nessa experiência.

A ideia de justiça não irá nos dar a justiça, não irá nos fazer >sentir a justiça<, mas irá de alguma forma dramatizar (ou pôr em movimento um drama) as inúmeras exigências que a experiência de justiça tem, suas contradições, inconsistências e dificuldades de aplicação.

O problema, de novo como @toujourmicelio em seu momento schwarztiano descreveu outro dia, é que essa mesma natureza do conceito faz com que ele mesmo se torne um simulacro de si mesmo (inclusive, esse é um dos grandes temas do Diferença e Repetição, no capítulo 5).

Há uma autonomização das palavras em que a própria circulação nelas se torna aquilo que é dramatizado. O que elas indicam não é mais apenas uma experiência ou uma ideia (e eu sei, essa divisão entre experiência e ideia está vaga, precisaria desenvolvê-la etc etc).

O conceito não mais indica aquilo, mas passa a indicar o próprio jogo de posicionamento social. A própria experiência de saber mobilizar os signos junto a outros signos num jogo de disputa de hierarquias, de posições e de valor no campo social.

Isso é possível, acredito, pela natureza do conceito, por ele ser uma simples indicação formal” e não a intuição própria da ideia ou da experiência a qual ele se refere.

Referências platônicas para a filodoxia, para a transformação da filosofia nesse jogo de salões: Eutidemo (a pura e desenvergonhada instrumentalização do conceitual-argumentativo), Cármides (os limites dessa instrumentalização e suas aporias — mas é preciso atentar para o drama).

Por fim o Mênon (e alguns momentos do Fedro), nos momentos em que aparece a ideia da filosofia como uma espécie de diálogo da alma consigo mesma” (o que não significa contemplação passiva ou mesmo solipsista, pelo contrário).

Inclusive eu diria que diálogo da alma consigo mesma” é o processo que um conceito-enquanto-indicação-formal provoca.

June 12, 2020

A relação da filosofia com verdades

Cada vez mais tendendo a acreditar que é um grande erro assumir que a filosofia cria alguma verdade, que ela diz algo, que ela afirma teses. Nesse sentido tendo a concordar com Platão e (uma leitura meio enrabadora? Mas presente em Lebrun) de Kant: a filosofia não tem conteúdo.

O que torna ainda mais cansativo essa onda vazia de refutação de teses que se vê na filosofia anglo hegemônica e na sua contraparte criativa na filosofia contemporânea francesa (uma leitura — pra mim — fraca do que Deleuze e Guattari chamam de criação conceitual).

O caso de Deleuze e Guattari, inclusive, é perfeito. Pois ainda que sejam os maiores criadores de conceito, o louco é que você não consegue autonomizar/operacionalizar de modo simples aqueles conceitos. Ou você esvazia eles do contexto que os constitui ou você repete D&G.

Há uma terceira possibilidade, mas acho que ela passa justamente por entender que não tem copia e cola, e por isso é tão difícil de fazer, não é simplesmente repetir os nomes, mas tentar reproduzira uma nova experiência conceitual. E quem faz isso? Um bom exemplo é a Stengers.****

June 12, 2020

A escrotidão da amizade

Aliás, nada a ver, mas tenho pensado muito no tema da amizade. É um tema que volta e meia aparece, até por conta do problema do amor, mas acho distinto. Se alguém tiver uma boa bibliografia sobre me digam por favor.

O que me interessa, principalmente, é que a amizade tem algo de escroto. Por um lado ela é algo absolutamente gratuito, podemos ser amigos de qualquer um, e fora o tempo (mas mesmo isso já fazemos com outras relações sociais que não são de amizade), ela não tem nenhum custo.

Mas ao mesmo tempo nem sempre estamos dispostos a ser amigos de qualquer pessoa. Mesmo que as vezes dediquemos mais tempo a certas pessoas do que outras, nem sempre a gente se torna (ou quer se tornar) amigo delas. Disso também aparecem vários ressentimentos, né?

Por isso que mais do que apenas o tema da amizade, me interessa demais o problema da amizade não correspondida”, pois é uma exigência similar ao amor mas talvez ainda mais cruel. E cruel para ambas as partes. Quem exige e não recebe fica sem entender porque não tem algo simples.

Por outro lado, quem não quer dar, por não sentir nenhum laço ou afeto, fica se sentindo cobrado de algo que sequer teria para oferecer (ainda mais quando, em gesto de civilidade, se dedica tempo ao outro).


← Newer Entries Older Entries →