September 2, 2020

Os efeitos das demandas institucionais na produção filosófica universitária

Todo esse papo de lattes e publicações e pareceres me faz pensar que é difícil a vida da filosofia institucionalizada nas universidades. Precisa ficar oscilando entre ser fiel à sua tradição de produzir sempre critérios para cada ponto de vista e as demandas de consenso atuais.

Não que eu ache que um bom equilíbrio não possa ser alcançado, mas o que parece acontecer na maior parte das vezes ou é a coisa pender pra um conservadorismo historiográfico delimitado pela metafilosofia dominante ou uma negação completa que em alguns casos põe em risco o rigor.

Quando falo da fidelidade quero dizer que historicamente a filosofia apesar de se adequar aos costumes de uma época me parece também estar sempre procurando resistir uma absorção completa pelo seu tempo pois isso seria abrir mão do fato de que os textos se comunicam no tempo.

E claro que os textos vão ser recebidos de formas diferentes em cada momento (basta comparar o comentário da antiguidade e o comentário produzido hoje), mas ainda assim acho que tem sempre ali um movimento de transcender o preseten no se relacionar com o passado (e o futuro).

É meio escroto o campo da filosofia pois ela está sempre flertando (as vezes de modo envergonhado, as vezes de modo aberto, as vezes de modo indiferente e as vezes de modo recalcitrante) com o eterno. O problema não é esse ímpeto, mas é que ela também responde demandas presentes.

Por isso as vezes acho que a demanda de consenso de pares acaba sendo meio difícil de manobrar. No campo da historiografia filosófica isso tende a ser mais fácil (embora nem sempre). Agora em discussões menos historiográficas é difícil o próprio avaliador não querer se meter também.

September 2, 2020

Ação política e predicação

Delegar pros predicados a ação da organização política talvez seja uma das consequências inevitáveis de se estar inserido em redes sociais estruturadas em torno de perfis pessoais.

E a ideia de que os predicados por si só bastam talvez seja legitimada pois alguns predicados de fato são construídos e elaborados a partir de lutas e articulações concretas. O que faz com que até dê pra acreditar que eles possam fazer a luta e organização em nosso lugar.

Me parece que essas também são as condições contemporâneas para o surgimento de uma sofística contemporânea: ainda que a gente possa diferenciar aqui entre uma sofística de primeira ordem (ingênua?, como a da Priole, que acredita nos termos do debate) e uma de segunda ordem.

A de segunda ordem seria uma sofística que se concentraria na materialidade comunicativa

(ou seja, não está focado em argumentações, mas nas formas concretas de construção de predicados — por meio de tecnologia?). Ou seja, quem faz disparo em massa, por exemplo, seria sofista.

O problema é que justamente essa logologia — numa torção de filme de terror do termo da Cassin — age e faz a contecer sem nunca conseguir alterar a posição de finalidade que a predicação ganha na situação atual e que é o que faz aparecer também essas formas de logologia.

Ou seja, por um lado dá pra entender o porquê dessas formas de ação” surgirem. Por outro elas nos mantém presos na situação atual. A questão que aparece é, então, qual seria o socratismo para esse momento — ou seja, o caminho pedagógico que transcende a mera comunicação?

Além das duas formas de sofísticas que eu falei, talvez dê pra falar de uma terceira (?) que procura resolver os problemas do predicado de modo crítico”.

Diante das situações concretas de opressão e e invisibilização política, é provável que uma descrição discursiva se elabore.

A partir da elaboração de conceitos e ideias, vemos duas possibilidades. Ou são conceitos e ideias que reproduzem a invisibilização/opressão ou são conceitos e ideias que procuram dar nome e lugar para os grupos invisibilizados/oprimidos. Isso eu ainda acho largamente algo bom.

Não vou entrar no mérito da eficácia desse tipo de predicação (embora acho que o caso paradigmático seja o Marx nomeando o proletário num gesto que visibiliza e articula um campo oprimido/invisibilizado), mas acho que é muito fértil se não ficar no campo apenas da predicação.

O problema (e talvez seja aqui a terceira sofística) é quando se confunde as descrições, as predicações, os conceitos, pelas coisas e pelas relações que estão sendo articuladas (independente de serem articuladas bem ou mal). O problema é quando se acha que basta resolver aí.

Cria-se toda uma construção discursiva que (voluntariamente ou não, pois as vezes as pessoas estão presas nas redes do disucrso) que o máximo que se consegue fazer é rearranjar os conceitos, ideias e predicados em termos de bom ou mal e condenar quem se associar aos errados.

Isso tudo tá muito confuso, eu sei, acho que ainda não tá claro pra mim. Mas acho que é algo que as vezes acontece no campo progressista. A coisa se resume em identificar os predicados incorretos” (e isso é feito a partir de fato de descrições que podem ser problemáticas).

Uma vez identificado a ação se resume a se afastar o máximo possível desses predicados condenados e se associar aos predicados adequados. A gente vê isso na maneira como algumas pessoas se associam a algumas causas e rejeitam certos nomes sem que isso modifique suas ações.

E não é que as pessoas devam agir politicamente, que elas sejam obrigadas mudar suas práticas. Mas é que rola um conflito entre a pessoa se botar na posição de quem está agindo quando o máximo que ela consegue fazer é dizer que o autor tal é colonialista.

E mesmo que ele seja colonialista (e provavelmente vai ser, etc etc), parece que na maior parte das vezes o efeito fica por aí mesmo. No máximo uma espécie de reprimenda constante para quando as pessoas lerem ele (“não esqueçam”) ou, em casos radicais, uma luta pela não-leitura.

August 31, 2020

O fascínio pela questão das escalas

Me convertendo num scale-truther”.

O que quero dizer com isso é que o problema da escala e da resolução é a chave pra entender o problema da perspectiva. Como se a escala fosse a lei” da perspectiva. O difícil é não entender essa questão de forma espaço-temporal, mas sim a partir da unidade de mensuração.

Corolário: acho que a navegação entre escalas/resoluções acaba se tornando um dos principais problemas. Não apenas porque nós habitamos diversas escalas simultaneamente, mas porque muitas situações de crise parecem um descompasso entre escalas (“the scales are out of joint”).

Não tenho GABARITO pra desenvolver (falta conhecimento técnico sobre escalabilidade e sobre o caso exemplar), mas sinto que a crise de 2008 é um efeito da diferenças entre escalas sendo explorado (entre a escala das hipotecas singulares e dos empréstimos negociados em lotes).

Me toquei agora que a República é também construída num jogo de escalas e perspectivas. O problema da justiça individual é posto inicialmente a partir da idade”, como se desse mais perspectiva, mas Sócrates depois, pra torná-lo visível, só aceita abordá-lo no nível da cidade.

O problema é que esse escalonamento não vem sem graves consequências, novos problemas, que não podem ser scaled back simplesmente. Acho inclusive por isso que no fim o Platão precisa adicionar no fim do livro X uma terceira escala (o pós-vida).

Pegando outro ponto de vista. O que acontece nas tragédias, se a gente leva a sério as análises do Bruno Snell (mas aí talvez um comentário da @krebold ajude) é uma ampliação da escala da situação de decisão (que normalmente se oculta)a partir da construção de enredos absurdos?

August 31, 2020

Desafios de sistemas de inteligência artificial para o ensino

Um dos concursos que fiz na minha vida pregessa foi pra filosofia da educação na UFABC (e que estranhamente não aprovaram ninguém apesar de ter duas vagas e já ser a segunda vez que o concurso era realizado já que na primeira foi cancelado por suspeita de fraude, dizem).

Mas enfim, fiz esse concurso e tinha que fazer um projeto. Acabei fazendo algo bem mocorongo sobre repensar a atividade docente como historicizante a partir de um ponto de vista que tentasse substituir isso não por qualquer deleuzianismo de quinta, mas por assumir um esgotamento.

O projeto era mocorongo, apesar de eu ainda gostar da ideia. Que não é um gesto voluntarista que tiraria o ensino dessa situação se as condições materiais do pensamento permanenecessem as mesmas. Por isso teria um estudo sobre a gênese dessa historicização da filosofia.

Hoje em dia, porém, acho que tomaria uma via completamente diferente. Eu tou tão tomado pelo que o GPT-3 fez (enquanto ferramenta que imita” pensamento — algumas vezes bem, outras más), que acho que joga um pouco de luz sobre os processos educacionais e sobre aprendizagem.

Com certeza gostaria de pensar algo que estudasse esse tipo de inteligência artificial não por achar que ela vai pensar por nós, mas pelo tanto que ela ilumina em nós que talvez não seja aprendizado ou pensamento. Tb entraria aí uma análise do socratismo, como algo que resiste.

August 30, 2020

O caráter inebriante do verdadeiro

Quando vejo essas discussões sobre fake news, sobre mentiras, sobre as pessoas estarem sendo enganadas” por redes de whatsapp etc eu sempre lembro como a relação com o verdadeiro tem algo de inebriante. Acho que independente do conteúdo ser verdadeiro”, a relação é forte.

O que quero dizer com isso não é nada muito diferente do que trocentas pessoas já falaram de outras formas (Platão, Espinosa, Nietzsche), mas tem algo bem viciante no momento quando acreditamos estar tocando em algo real/verdadeiro/vital.

Mas longe de achar que a solução é negar esse tipo de relação, ainda mais que mesmo os não enganados” também vão entreter relações desse tipo (só pensar, por exemplo, em como relações de amizade sempre tocam no problema do ser verdadeiro”/“ser honesto” — seja lá como for).

O que me parece mais interessante (mas mais difícil) é aceitar que o fato de que esse tipo de relação com o verdadeiro existe implica, por contra, o aparecimento do falso, do duvidoso. Enfim, toda a dinâmica de Platão contra a sofística acredito que passa por aí.

Se a verdade é indice de si mesma e do falso (como diz o Espinosa), então nada no falso nos indicará que ele é falso. A desconstrução, o combate e o ocultamento do falso não irá ajudar em nada POR SI (claro que é importante, mas falta algo).

August 27, 2020

Excertos do manual de boas práticas da vida acadêmica

Um manual de boas práticas da vida acadêmica deveria vir com uma parte que falasse sobre como é insuportável lidar com pessoas que acham que 1) elas tem capacidade de sobrecodificar tudo o que é dito por outra pessoa e que 2) só elas possuem a chave para entender um assunto x.

Também deveria ter umas partes comentando como é desagradável essa falsa generosidade de indicar referências que muitas vezes acabam não tendo nada a ver com o problema tratado e são apenas um gesto egóico de afirmar a sua posição de forma completamente desconectada.

Isso tudo talvez se conecta com algo que me irrita demais que é a pessoa que >age< como se fosse um privilégio ela estar permitindo o contato e o acesso ao saber dela. Acho sempre muito difícil descrever os traços desse tipo de postura, mas é uma outra que também incomoda demais.


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