August 23, 2020

A falsa-promessa da fuga de cérebro

Eu acho que é uma irresponsabilidade tremenda vender saída do Brasil” na carreira acadêmica como um espécie de solução diante da crise (como solução temporária, como forma de se sustentar durante um tempo fazendo pesquisa, eu super apoio), ainda mais quando gringos vem pra cá.

Os concursos de filosofia aqui no Brasil tem cada vez mais gente das europa com mil artigos publicados, mil anos de pós-doc, um sinal de que as coisas lá não estão muito boas. E a menos que você vá ocupar uma posição de pesquisador exótico” acho muito difícil ter espaço fora.

Que isso seja solução para alguns que tem contatos, que tem experiência internacional e que tem pedigree: ok. Que isso seja o caminho para você continuar estudando alguns anos e conseguir postergar o abismo: perfeito, por favor. Agora ver como promessa de carreira? complicado.

August 23, 2020

A dinâmica do intelectual no espaço público nacional

[pensamentos impublicáveis sobre as dinâmicas institucionais envolvendo os aspirantes a nova >inteligentsia< do Brasil]

No que diz respeito ao campo filosófico (mas não só) as coisas são bem complicadas, mas o fato é que a ideia de um intelectual público que fala sobre tudo me parece uma cilada que só os mais espertos evitam, pois se abre mão do lastro teórico que o permitiu falad sobre tudo.

O que sustenta a possibilidade de falar sobre tudo? Nada. Isso já é o dilema platônico que passa do Cármides à República. Acho que ou a pessoa se acostuma a virar vidraça (pois erros acontecerão e serão frequentes — vide Safatle, Nobre) ou tira o time de campo (nem sempre fácil).

Mas diante disso, e por conta da finitude do tempo, certas escolhas acabam sendo exigidas. Ou você se dedica integralmente a essa vida pública, ou você segue fiel àquilo que te lançou nesse caminho inicialmente (que é o que construiu seu lastro, sua pesquisa).

Uma espécie de vida intermediária parece possível (o exemplo é o Safatle — alguém que gosto mas que nem sempre concordo etc e que acho que fala mt besteira conjunturalmente e de quem discordo em alguns pontos filosóficos), mas parece também exigir concessões.

Eu acho que no fim essa estrutura de inteligentsia é uma armadilha que as próprias estruturas >discursivas< do >capitalismo tardio< fazem a gente acreditar que é uma realidade (e ainda por cima uma realidade desejável) [incipit o pouco de Debord que li].

Isso parece ainda mais visível no claro duelo entre uma velha guarda institucional, empregada seus salários garantidos e seu tempo para produzir a excelente pesquisa que produziram e uma juventude que se aventura pelas novas mídias, e que cresce fora das universidades.

Algo que penso é se isso não tem a ver com uma certa relação com a militância que boa parte dos acadêmicos não tem. O fato de que organizações políticas nunca se confundiram com a universidade faz pensar que pros envolvidos nisso sempre foi óbvio que se pensa fora das unis.

Eu acho que uma das miragens que surge e faz a figura do intelectual público ainda aparecer como um espaço a ser disputado é uma lenta naturalização da equação pensamento (independente do campo disciplinar que o inspira) e universidade, como se só lá fosse possível.

Quem eu acho que também percebeu isso (e devo admitir que me identifico com ele) é o Olavo, alguém que se não conhece em termos eruditos, ao menos tem saber suficiente (e bem, basta ver na sua prática oralizada que indica isso) pra entender que a universidade é apenas uma fase.

E quando eu digo que é uma fase não quero dizer que as ciências (humanas ou naturais) que se constituiram na vida institucional das universidades são puro vapor, mas que ainda que elas sejam incríveis (basta olhar pro tanto que se fez no XIX e XX) elas não são um metro geral.

Uma olhada rápida pra história da filosofia inclusive e pros seus aspectos institucionais e organizacionais deixa bem claro como a filosofia profissional é apenas mais uma das formas de realizar essa atividade e certamente não será a última (e mesmo hoje não é a única).

Inclusive, apenas pra fechar essa thread, a maior filósofa pública em atividade pra mim ainda é a @ContraPoints , que se não é alguém que vai >inventar um sistema<, ainda assim ela consegue produzir inteligibilidades que afetam, como aqui: https://youtu.be/vRBsaJPkt2Q

August 19, 2020

O problema da orientação em Cusk

Bem feliz de perceber ao longo do Kudos (último volume da trilogia Outline da Cusk) que as palavras self” e truth” aparecem explicitamente como um problema (junto com a ideia de viver uma vida verdadeira”). Parece óbvio pra quem lê o livro, mas é bem foda ver explicitando.

Sujeito, verdade, perspectiva, orientação/desorientação, contornos, bem, mal, justiça. A Cusk é uma moralista fina, que retoma esses termos e questões todos sem tratar eles como velharia recuperada de um armário esquecido.

A Cusk consegue — com o gesto de se esvaziar — produzir um discurso sobre o sujeito e suas verdades que é ao mesmo tempo singular (os contornos dessa história não dizem respeito à mais ninguém) mas generalizável (pois as formas da singularidade do sujeito são inteligibilizadas).

August 17, 2020

Sobre a auto-refutação de cada dia

Volta e meia eu penso nessa ideia. Acho que é importante. Agora também importante pensar o que significa isso na hora de escrever um texto. Escrever um texto traz o temor de uma certa imortalidade que é completamente irreal e que acho que é o que acaba atravancando a escrita.

Pra mim, pelo menos, que sempre tenho medo de que o que eu vou escrever não vai estar >suficientemente sustentado<, que depois de escrever (e talvez publicar) vou acabar descobrindo algo que vira de ponta a cabeça o que pensei, é importante se lembrar do elenchos socrático.

A refutação virtual não deve servir como temor para o que se escreve pois a verdade do que se escreve, quero acreditar, não estaria em compreender uma situação de modo exaustivo, mas de alguma forma estar engajado no movimento desdobrável de caminhar em direção ao verdadeiro.

Isso significa que as falhas e os limites de um texto não devem ser problemas, mas são justamente os indicativos de um percurso inevitável, de uma refutação que está sempre por vir e que deveria ser incorporado na dinâmica do texto como seu processo de verdade.

O que força, claro, a repensar outros critérios para avaliar um texto que não sejam apenas um temor de eventualmente descobrir uma referência que mude completamente seu ponto de vista (e vai rolar). Acho que aí de fato há um desafio na hora de escrever algo.

Isso inclusive obriga a trazer mais responsabilidade para o que se diz. Como se diante da impossibilidade de prever os caminhos do elenchos, o que sobrasse fosse justamente tentar aceitar de modo pleno o que é que efetivamente está movendo a investigação.

Tudo muito vago aqui, apenas estou tentando juntar algumas ideias a partir de alguns comentários que o @toujourmicelio e a @giftcard_sad fizeram outro dia para me acalmar de algumas neuras.

August 16, 2020

O não-lugar em que a filosofia ocorre

Pensando no Mênon e acho que o efeito da filosofia é difícil de mensurar pois ele não ocorre em algum lugar”. Acho que por mais que os estóicos (por ex, já que são os mais engajados nesse aspecto) elaborem uma série de exercícios para produzir a boa vida, não é exatamente isso.

Eu acho que a coisa é uma espécie de produção/variação de perspectiva. Uma certa conversão do olhar fruto do próprio deslocamento. Agora claro, quem nos desloca não é a filosofia (e isso eu acho que é da ordem da prática). O papel da filosofia seria o que então? Atentar pra isso?

Também não tenho certeza, mas é uma das razões de eu gostar tanto do texto do Gerard Lebrun sobre Platão. Eu sinto que o que se desenvolve é uma espécie de aprendizado sobre como navegar entre diferentes perspectivas, como tornar menos doloroso.

O que não significa acabar com o sofrimento, acho que isso não é algo que tem fim, acho que é algo que de fato dá trabalho” (e muitas vezes gera outros problemas pelo tanto que sensibiliza). Não é fácil justificar como a filosofia torna alguém mais feliz.

Ainda assim, voltando pro Mênon, acho que tem uma certa experiência que ao menos torna as coisas mais visíveis por meio desse diálogo da alma consigo mesma (o que não significa que seja algo solipsista, pois o contexto socrático é sempre dialógico).

Enfim, acho que no fim é uma certa forma de olhar pras coisas sem que a forma que a gente olhe ou o que a gente olhe esteja pré-determinado. É uma posição complicada (que acho que ajuda a explicar as >errâncias< e variações na história da filosofia).

Pois acho que é um lugar esquisito em que nem se arroga uma lei geral (e mesmo a lei moral de Kant, tomada como exemplo de universalismo provinciano máximo, tem uma certa beleza pelo seu caráter radicalmente vazio) e nem uma aceitação de uma singularidade inefável.

É como se tivesse uma certa resistência ao irredutivelmente singular pela incorporação do caráter social dentro do pensamento (o dialogismo, a abertura para a tentativa de construir sentido coletivamente) sem que também se satisfaça em universalidades chapantes (daí as aporias).

August 16, 2020

Elogio a um tipo de professor atualmente impossível

Eu acho que essa janela já se fechou e foi até bem curta, mas dá pra entender bastante o que tem de atraente na figura do professor que devota completamente seu tempo para aula e trocas com alunos. É uma figura sedutora ainda mais pelo tanto que ela se esconde do jogo do tempo.

Infelizmente essa janela foi muito curta e geralmente quem esteve em condições de realizar esse modo de vida esteve aquém dessa vida possível. Ainda assim tem algo de incrível em ser alguém que resume o saber ao seu caráter apenas socializamte.


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