September 2, 2020

Ação política e predicação

Delegar pros predicados a ação da organização política talvez seja uma das consequências inevitáveis de se estar inserido em redes sociais estruturadas em torno de perfis pessoais.

E a ideia de que os predicados por si só bastam talvez seja legitimada pois alguns predicados de fato são construídos e elaborados a partir de lutas e articulações concretas. O que faz com que até dê pra acreditar que eles possam fazer a luta e organização em nosso lugar.

Me parece que essas também são as condições contemporâneas para o surgimento de uma sofística contemporânea: ainda que a gente possa diferenciar aqui entre uma sofística de primeira ordem (ingênua?, como a da Priole, que acredita nos termos do debate) e uma de segunda ordem.

A de segunda ordem seria uma sofística que se concentraria na materialidade comunicativa

(ou seja, não está focado em argumentações, mas nas formas concretas de construção de predicados — por meio de tecnologia?). Ou seja, quem faz disparo em massa, por exemplo, seria sofista.

O problema é que justamente essa logologia — numa torção de filme de terror do termo da Cassin — age e faz a contecer sem nunca conseguir alterar a posição de finalidade que a predicação ganha na situação atual e que é o que faz aparecer também essas formas de logologia.

Ou seja, por um lado dá pra entender o porquê dessas formas de ação” surgirem. Por outro elas nos mantém presos na situação atual. A questão que aparece é, então, qual seria o socratismo para esse momento — ou seja, o caminho pedagógico que transcende a mera comunicação?

Além das duas formas de sofísticas que eu falei, talvez dê pra falar de uma terceira (?) que procura resolver os problemas do predicado de modo crítico”.

Diante das situações concretas de opressão e e invisibilização política, é provável que uma descrição discursiva se elabore.

A partir da elaboração de conceitos e ideias, vemos duas possibilidades. Ou são conceitos e ideias que reproduzem a invisibilização/opressão ou são conceitos e ideias que procuram dar nome e lugar para os grupos invisibilizados/oprimidos. Isso eu ainda acho largamente algo bom.

Não vou entrar no mérito da eficácia desse tipo de predicação (embora acho que o caso paradigmático seja o Marx nomeando o proletário num gesto que visibiliza e articula um campo oprimido/invisibilizado), mas acho que é muito fértil se não ficar no campo apenas da predicação.

O problema (e talvez seja aqui a terceira sofística) é quando se confunde as descrições, as predicações, os conceitos, pelas coisas e pelas relações que estão sendo articuladas (independente de serem articuladas bem ou mal). O problema é quando se acha que basta resolver aí.

Cria-se toda uma construção discursiva que (voluntariamente ou não, pois as vezes as pessoas estão presas nas redes do disucrso) que o máximo que se consegue fazer é rearranjar os conceitos, ideias e predicados em termos de bom ou mal e condenar quem se associar aos errados.

Isso tudo tá muito confuso, eu sei, acho que ainda não tá claro pra mim. Mas acho que é algo que as vezes acontece no campo progressista. A coisa se resume em identificar os predicados incorretos” (e isso é feito a partir de fato de descrições que podem ser problemáticas).

Uma vez identificado a ação se resume a se afastar o máximo possível desses predicados condenados e se associar aos predicados adequados. A gente vê isso na maneira como algumas pessoas se associam a algumas causas e rejeitam certos nomes sem que isso modifique suas ações.

E não é que as pessoas devam agir politicamente, que elas sejam obrigadas mudar suas práticas. Mas é que rola um conflito entre a pessoa se botar na posição de quem está agindo quando o máximo que ela consegue fazer é dizer que o autor tal é colonialista.

E mesmo que ele seja colonialista (e provavelmente vai ser, etc etc), parece que na maior parte das vezes o efeito fica por aí mesmo. No máximo uma espécie de reprimenda constante para quando as pessoas lerem ele (“não esqueçam”) ou, em casos radicais, uma luta pela não-leitura.


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