September 18, 2020

Um teste com a lógica da interpassividade de Pfaller

Vou fazer um exercício aqui a partir do que acho que tou entendendo da lógica do Pfaller no Illusions without owners”. Não tenho nenhuma pretensão de acertar. Mais do que acreditar”, tou só testando a lógica que ele emprega (e que posso ter entendido errado) e ver o que sai.

Se a interpassividade é a delegação de um consumo para uma mídia que consome no nosso lugar e também a delegação da crença de que há uma equivalência entre o nosso consumo e o consumo mediado para um público virtual, então dá pra pensar isso no campo da circulação da filosofia.

O que penso é que o uso de jargões efetua essa dupla delegação. Num primeiro nível pois restringir ao jargão nós estamos deixando para ele a experiência de pensar (ou seja, de ter que nos explicarmos). Por outro lado dizemos que fazemos isso para atalhar e simplificar a conversa.

Aí entraria a delegação de segundo nível? Depositariamos em outro a equivalência entre pensar e jargonizar? Talvez numa imagem meio vaga de tradição” ou de meio” que seria quem realmente acredita por nós que essas operações são iguais ainda que nós mesmos suspeitemos delas.

Aí a gente consegue jargonizar sem que necessariamente a gente se comprometa com acreditar que é fácil pensar.

De onde viria o prazer dessa delegação? Talvez do fato de que a gente não quer pensar, mas a única forma de conseguir evitar isso seja por meio dessa dupla delegação.

September 16, 2020

Os limites das discussões em nível de palavras

É doido como boa parte das discussões se constroem e se restringem ao nível da palavra (ou seja, se discute menos o que tá implicado quando falam pós-modernismo” e mais no uso inadequado da palavra). Claro que há usos inadequados, mas parece que todas as discussões ficam aí.

Por um lado sinto que tem uma falta de generosidade. Em vez de se atribuir ao outro uma capacidade (“ele deve estar vendo algo que não vejo?”), o mais comum é lhe imputar uma falta (“como ele não vê os erros que tá fazendo?”). O resultado é apenas fortalecer o eu.

E entendo, ainda mais num mundo em que somos simultaneamente banalizados (existem milhares que nem nós) e hiperdiferenciados (casa um é um cristal de neve singular com suas especificidades irrepetíveis). Mas isso parece ampliar as distâncias da socialização em níveis perigosos.

Então até entendo o porquê do tempo de nóia que se gasta com palavras” acabar sendo tempo não gasto com os conceitos (que não se reduzem ao seu significante). Ele permite que critérios visíveis de orientação se estabeleçam pela demarcação de nomes/predicados. Mas vale a pena?

September 13, 2020

As dificuldades do pensamento entre escrita e conversa

Eu acho que é difícil ler pois quando a gente lê o texto é apenas um aceno ao que tá sendo dito. Mesmo quando o aceno se dá por um procedimento formal, o procedimento formal talvez não seja mais do que a tentativa de acenar para um outro tipo de coisa (não-semântica).

E nesse sentido a relação da filosofia com a escrita me parece uma via de mão dupla. Por um lado a escrita permitiu que se acenasse pra coisas cada vez mais complexas (não se poderia fazer brotar todas as implicações da crítica da razão puta de Kant numa conversa).

Por outro lado, por se tornar cada vez mais complexa, cada vez mais difícil de transportar, é mais fácil esconder o fato de que o texto não se confunde com o dito. Ainda que o dito precise de o texto tem uma disjunção ali que aparece sobretudo quando lemos e não entendemos.

Não sei se consigo desenvolver isso aqui, mas por um lado acho que a fala/conversa é um meio mais adequado pra produzir pensamento/esbarrar em ideias por permitir mais facilmente a saída de si. Por outro lado é inegável que a escrita seja o melhor suporte de recepção/transmissão.

O difícil eu acho é manter essa assimetria tensa e viva. Pois, como o texto do Kleist que não sai da minha cabeça diz, quando se escreve é mais difícil sair de si e testar a objetividade das ideias. Por outro lado a gente sabe como conversas somem facilmente se não as congelamos.

Pra pegar minha obsessão recente (Mladen Dolar) e para dar um tl;dr: a leitura de um texto talvez funcione com base no boato de que talvez *talvez* haja algo no texto que aponte para ideias que se sustentem para além do texto (e que possam, portanto, ser comunicáveis).

September 11, 2020

O caráter dissociativo da conversa na filosofia

Fico pensando se a gente não bota fé demais na escrita filosófica como meio mais adequado pra filosofia (e bem, não é ninguém dizendo, mas o fato de que toda filosofia que chega pra nós é mediada pela escrita) por conta da sua transmissibilidade fácil/enganosa.

Pensando muito nesse texto desde que li: https://t.co/sJ2Mq3B1iw?amp=1

Tenho pensado que a fala, pelo caráter dissociativo, pelo fato de que ela vai pra locais que nem sempre direcionamos, acaba sendo uma ferramenta mais interessante pra nos fazer pensar (pois pensar é, pra mim, também sair e si). A escrita é controlada *demais*, não se sai de si.

Pensando agora aqui, por conta de umas coisas que o Dolar fala sobre Freud (no Futuro de uma ilusão), se um dos casos dessa falação” própria da filosofia não é descrita pelo Kant quando fala de razão. Que a razão kantiana é justamente uma das imagens desse pensar saindo de si.

A dialética transcendental é a razão indo pra análise?

Pensando isso a partir destas páginas de Mladen Dolar:

citação de “A voice and nothing more” de Mladen Dolar-1citação de “A voice and nothing more” de Mladen Dolar-1

citação de “A voice and nothing more” de Mladen Dolar-2citação de “A voice and nothing more” de Mladen Dolar-2

September 11, 2020

A falação na filosofia

Quando falo falação”, tou pensando na forma como o Sócrates vai forçando as pessoas a falarrm, dando corda pra doxa e isso acaba sendo o que revela o pensamento como o que resiste.

Tem também algo que tou pensando com a livre associação na prática da análise. Claro que não acho que é a mesma coisa, mas tava pensando nas condições especificas dessa falação do Sócrates que fazem com que se caia na atividade da filosofia.

E entendendo aqui tb como o Socrates é um interlocutor sem ideia (no sentido corriqueiro, não no platônico), entao isso acaba jogando a falação das partes pra algo que não é simplesmente o reforço das opiniões.

September 10, 2020

As dificuldades do esclarecimento

Pensando muito no texto do Kant sobre esclarecimento e devo admitir que concordo que na maior parte das vezes os esclarecidos” estão mais trabalhados em manter a distância entre o esclarecimento e os que preferem a passividade do que qualquer outra coisa.

É como se esclarecer”, nesses casos, fosse na verdade uma contínua projeção de ausência de inteligência no outro para marcar a sua posição no circuito da inteligência. Sobretudo quando se marca continuamente a dificuldade” da verdade (“venham, mas saibam que é perigoso”).

Claro que pensar é difícil, que dá trabalho, mas botar as coisas nesses termos só é possível pois o tipo de esclarecimento” que oferecem não é uma passagem da passividade pra atividade, uma compreensão de uma liberdade que já condiciona a escooha da passividade.

O que parece ser oferecido como esclarecimento é simplesmente a iluminação de algumas questões pontuais, um conhecimento sobre alguns temas específicos que em tese permitiriam a pessoa se localizar a partir da bondade e sabedoria donesclaredir ao revelar detalhes do mundo.

O problema é que ao lidar apenas com temas contingentes, evita-se tocar no ponto que realmente importa: que é que a capacidade de esclarecimento é inerente, que quem está na posição passiva está lá em certa medida por escolha. O esclarecimento adequado seria o que revelasse isso.

E é por isso que acho que esse esclarecimento do tipo deixa eu te ensinar algumas coisas” cola, pois ele reforça a escolha pela passividade por parte de quem consome, pois de fato é mais cômodo ser tutelado pelo outro, já que pensar é de fato cansativo.

Não surpreende que essa estrutura se veja replicada sobretudo nas elites, em quem tem poder e condições para gozar da passividade. Acredito (talvez esteja aqui desvirtuando Kant, mas quem se importa), a heteronomia tende a ser rejeitada sobretudo em quem é vítima de opressão.

Como se ela não estivesse em condições (por conta das circunstâncias que a cercam) de abrir mão de se posicionar no mundo de forma mais ativa.

Por isso que suspeito de várias iniciativas que vejo por aí de educação na internet, pois raros são os casos em que o buscado é a autonomização dos envolvidos (e acho que, como Kant marca, a autonomização aconteceria também com o tutor).

Na maior parte das vezes parece uma situação em que o que é transmitido” é a manutenção de uma estrutura em que quem está na posição de aprender pode reforçar seu desejo de não aprender ao delegar para o educador a tarefa de pensar por ele.

E nem acho que isso seja um gesto consciente da parte dos envolvidos, já que somos envolvidos por camadas de auto-ilusão. Mas acho que qualquer tipo de esclarecimento interessante é apenas um que esclarece sobre a própria capacidade de liberdade dos envolvidos já existente.

É aquele bon mot kantiano (e bem, tudo o que falei é aplicado aos casos em que se sustenta um esclarecimento”, não se aplica a tudo que se ensina): não se ensina filosofia [conteúdo], mas se ensina a filosofar [assumir sua posição de capaz de pensar que já existe].

Infelizmente o @toujourmicelio não aparece na minha tl, mas li depois essa mini-thread e acho que essa cultura de react é próxima ao tipo de esclarecimento que critico: https://twitter.com/toujourmicelio/status/1311101520209993729?s=21

Não é também questão de achar que é fácil sair dessa dinâmica, como ele aponta, já que o problema é que a escolha pela heteronomia/autonomia não se dá num nível consciente mas é uma espécie de escolha constituinte do nosso ser (algo existencial”?).


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