September 10, 2020

Filosofia e boatos (a partir de Mladen Dolar)

A partir do Dolar dá pra dizer que aparentemente a filosofia é o que acontece quando boatos se convencem de que não são apenas boatos. Ao mesmo tempo, se a gente reduz o boato a ele ser uma falsidade (isto é, se a gente ajuíza definitivamente), caimos num cinismo batato?

Se eu entendi o difícil é manter vivo uma possibilidade de que os boatos não se decidam sobre sua validade. Manter então o boato como o que se insinua sem justificativa, mas de modo que a ausência de justificativa também não implique que ele seja falso — daí colar facilmente (?).

Com isso talvez dê pra retornar para a filosofia sem cair numa versão barata da morte de deus? Se a filosofia é uma forma superior de fofoca (como diz o Dolar), uma fofoca que, com base em boatos, se convence de não ser apenas boato, então seu futuro como falsidade está aberto.

*Pode ser* que aquilo seja algo. Pode ser que estejamos falando de algo que toca na verdade. Ainda que essa própria aposta seja feita sem qualquer justificativa, e sim apenas a partir de uma possibilidade que conseguiu colar por ser boato.

incipit socratismo platônico.

September 10, 2020

Filosofia e boatos (a partir de Mladen Dolar)

A partir do Dolar dá pra dizer que aparentemente a filosofia é o que acontece quando boatos se convencem de que não são apenas boatos. Ao mesmo tempo, se a gente reduz o boato a ele ser uma falsidade (isto é, se a gente ajuíza definitivamente), caimos num cinismo batato?

Se eu entendi o difícil é manter vivo uma possibilidade de que os boatos não se decidam sobre sua validade. Manter então o boato como o que se insinua sem justificativa, mas de modo que a ausência de justificativa também não implique que ele seja falso — daí colar facilmente (?).

Com isso talvez dê pra retornar para a filosofia sem cair numa versão barata da morte de deus? Se a filosofia é uma forma superior de fofoca (como diz o Dolar), uma fofoca que, com base em boatos, se convence de não ser apenas boato, então seu futuro como falsidade está aberto.

*Pode ser* que aquilo seja algo. Pode ser que estejamos falando de algo que toca na verdade. Ainda que essa própria aposta seja feita sem qualquer justificativa, e sim apenas a partir de uma possibilidade que conseguiu colar por ser boato.

incipit socratismo platônico.

September 10, 2020

Comentário sobre Zama de Lucrecia Martel

Uma coisa que eu amo no Zama da Lucrecia Martel é que ela parece captar muito bem o que é o nacionalismo no Brasil (ainda que não seja sobre o Brasil). Um lugar que o sentimento de pertencimento envolve um ódio que você só quer fugir dali o mais rápido possível.

Isso não é uma crítica a quem quer fugir, mas é de fato maravilhoso como você encontra aos montes na esquerda e na direita os defensores do Brasil (cada um com seu projeto político mais ou menos conservador, mais ou menos progressista) que fazem isso enquanto metem o pé.

Por isso não sei se é defeito moral, falso nacionalismo, falso amor à pátria. Talvez tenha algo a ver com como isso emerge aqui, com como quando a desgraça da colonização tava começando o que existia era só laço comercial e estatal (cf. Karatani).

September 10, 2020

A centralidade da escrita na história da filosofia

Hot take: a filosofia é muito mais gramacêntrica do que fonocêntrica (justamente por conta do jogo de preservações que se dá pela escrita e que acabam limimando o caráter conversacional da filosofia — que quando muito aparece em diálogos petrificados).

Claro, posso amenizar esse take e dizer que quando acusam ela de fonocêntrica estão falando de outra coisa (e de fato). Mas ao mesmo tempo é só olhar a tradição. Pilhas e pilhas de texto enquanto toda elaboração enquanto fala desaparece imediatamente.

A própria atividade, nesse sentido, passa a se conceber a partir da mediação da escrita. Se no helenismo talvez a gente possa imaginar as coisas diferentes, parece que ao menos desde a modernidade a escrita determina a esfera do pensável.

September 9, 2020

Sentir-se correndo atrás em leituras

Gostaria de em algum momento não me sentir correndo atrás com as minhas leituras. O doido é saber que isso é tudo coisa da minha cabeça, que tem inúmeras projeções acontecendo, que tá tudo bem e que não preciso dar conta de tudo pra fazer algo ok/legal. Mas é difícil, né?

Por um lado acho que na mesma medida que a internet facilita o acesso, ela multiplica tanto a demanda e o desejo por certas coisas (sendo estimulado por essa massa que confunde todo mundo num super-leitor) que me pergunto se compensa (compensa). Mas talvez não seja apenas isso.

No fundo acredito que isso tem a ver com entender melhor como me relacionar com o que eu posso extrair de cada leitura, já que de fato não estou atrasado nem nada, de entender que já dá pra fazer muita coisa e que qualquer déficit ou é parte da finitude ou é não-essencial.

September 9, 2020

Leitura e atenção

A diferença entre ler um texto e estudá-lo fica terrivelmente perigosa quando você começa a ficar viciado no ato de prestar atenção’. A diferença entre textos que você quer se demorar e os que você quer ler rápido fica mais difícil de realizar quando você tá nessa compulsão.

O resultado é que cada texto vira um mundo, cada detalhe deve ser entendido (cada frase). A ideia de poder sublinhar, de tentar entender e a possibilidade de descobrir pérolas acabam fazendo você refém de textos que pra você seriam marginais pelas simples promessas do detalhe.

E nem é que seja determinável de antemão quais textos se deve ler com calma, quais se deve ler descompromissadamente (e todo o meio termo entre esses pólos). Mas é por isso que talvez seja fácil cair nessa situação: pois nada garante de antemão onde se deve situar um texto.

E isso parece uma versão redobrada pra dentro da prática de leitura do velho paradoxo” do olhar. Leio para (também) entender o mundo, mas quanto mais leio menos acabo olhando pro mundo. Não me satisfaço, porém, com a saída fácil que é tomar leitura como exclusão do mundo.

Acho que em alguma medida a leitura faz parte do mundo e se aquilo não é uma operação subtrativa é porque algo da grandiosidade do mundo está conseguindo ser operacionalizado (o que não significa representado em sua magnitude).

Se a gente volta pro problema do texto é a mesma coisa. A leitura com atenção revela seus segredos, ainda mais que o próprio texto, pelas suas escalas e níveis de leitura acaba ganhando uma totalidade para além das nossas capacidades de síntese. O que vira crivo então?

Acho que por isso o desejo aparece, o interesse. O problema (aí que o diabo habita) é que é quase como se o seu desejo, seu interesse, também se formasse não apenas ao longo da leitura mas com a promessa dos detalhes que surgem ao longo da leitura (que podem inclusive não rolar).

Enfim, suspeito que seja aí também que o drama e a possibilidade do vício pela atenção aparecem. Pela dificuldade de identificar as partes que valem a pena prestar atenção por apontarem aos aspectos relevantes que são mobilizados a partir desses detalhes.


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