September 13, 2020

As dificuldades do pensamento entre escrita e conversa

Eu acho que é difícil ler pois quando a gente lê o texto é apenas um aceno ao que tá sendo dito. Mesmo quando o aceno se dá por um procedimento formal, o procedimento formal talvez não seja mais do que a tentativa de acenar para um outro tipo de coisa (não-semântica).

E nesse sentido a relação da filosofia com a escrita me parece uma via de mão dupla. Por um lado a escrita permitiu que se acenasse pra coisas cada vez mais complexas (não se poderia fazer brotar todas as implicações da crítica da razão puta de Kant numa conversa).

Por outro lado, por se tornar cada vez mais complexa, cada vez mais difícil de transportar, é mais fácil esconder o fato de que o texto não se confunde com o dito. Ainda que o dito precise de o texto tem uma disjunção ali que aparece sobretudo quando lemos e não entendemos.

Não sei se consigo desenvolver isso aqui, mas por um lado acho que a fala/conversa é um meio mais adequado pra produzir pensamento/esbarrar em ideias por permitir mais facilmente a saída de si. Por outro lado é inegável que a escrita seja o melhor suporte de recepção/transmissão.

O difícil eu acho é manter essa assimetria tensa e viva. Pois, como o texto do Kleist que não sai da minha cabeça diz, quando se escreve é mais difícil sair de si e testar a objetividade das ideias. Por outro lado a gente sabe como conversas somem facilmente se não as congelamos.

Pra pegar minha obsessão recente (Mladen Dolar) e para dar um tl;dr: a leitura de um texto talvez funcione com base no boato de que talvez *talvez* haja algo no texto que aponte para ideias que se sustentem para além do texto (e que possam, portanto, ser comunicáveis).


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