December 22, 2020

A leitura do original em filosofia

Sobre ler no original: Se Tomás de Aquino não leu quem sou eu pra fazer essa demanda.

Mas falando sério: já fui mais purista com isso. Acho que existem algumas situações bem específicas em que faz diferença ler no original ou não. E geralmente tem a ver com análise do estilo ou qualquer coisa do tipo. Acho que mesmo em filosofia nem sempre é necessário.

É sempre bom lembrar que em filosofia ninguém lê no original mesmo nas metrópoles (fora exceções etc etc) e trabalhos interessantes não deixam de existir por conta disso. Acho inclusive que as vezes mais vale ler uma tradução do que no original se não se domina a língua.

December 16, 2020

O universalismo da filosofia

É engraçado como o pensamento filosófico surge na grécia como uma espécie de crítica da religião em nome de um universalismo mais universal e ainda assim existe um esforço sobre-humano de re-localizar a filosofia como exclusiva a uma tradição ocidental”

Eu até acho que existem especificidades do pensamento grego que se diferenciam das especificidades do pensamento egípcio, do pensamento chinês, do pensamento ameríndio. Agora acho que se a filosofia é interessante é por justamente aspirar navegar essas diferenças e não escolher.

December 16, 2020

Dois tipos de circulações ideias no Brasil

Fico com a impressão que o >>sistema de circulação de ideias/reflexões nacional<< oscila entre um pólo hiper centralizado, localizado em algumas publicações de renome, em que o acesso é apenas por indicação (ou um olheiro” te observa) e um pólo hiper fragmentado, artesanal.

Nesse segundo pólo a gente vê as pessoas que escrevem ralando para criar espaços, sem grana, mas também com uma circulação muito restrita, dependendo muitas vezes de um esforço sobre-humano dos editores (e é onde se vê abertura pra coisas diferentes, geralmente).

É uma coisa muito ruim as distâncias serem tão grandes. Não parece saudável (em termos de circulação de ideias) que as distâncias entre esses dois circuitos sejam tão grandes.

December 14, 2020

Etiqueta como uma forma de proteção do outro

Uma das razões que acho o papo de etiqueta nas redes importante é que é fácil nesse ambiente desrealizar a realidade do outro. Faz parte mesmo da infraestrutura da coisa sentirmos que é ok ignorar que pode haver uma pessoa do outro lado e sermos até involuntariamente agressivos.

E por um lado entendo, as redes tem esse efeito de tornar as coisas meio intangíveis. Mas acho que é nesse ponto que a etiqueta tem seu papel. Ela é uma espécie de gesto absolutamente ficcional, funda um espaço de convivência artificial na ausência de qualquer lastro mais íntimo.

Se eu quisesse viajar MUITO aqui eu diria que a etiqueta tem um efeito semelhante ao perspectivismo ameríndio, pois a partir dela se passa a considerar que todos os perfis podem ser humanos (essa semelhança deveria ser melhor desenvolviva mas acabei de acordar).

December 12, 2020

As distâncias que atravessam o sujeito

Eu tava conversando umas coisas com a @irrideo esses dias e que acho que me ajudou a situar alguns dos problemas que me movem. Acho que um dos problemas é justamente tentar entender o que (do lado do sujeito’) implica você ser atravessado por distâncias que te superam.

Inclusive acho que é uma questão de pensar o que é esse lado do sujeito’, que talvez seja não mais que um certo ponto de vista — independente de como ele é composto. Eu queria dizer um olho’, mas acho muito físico. Talvez por isso gosta da palavra alma mesmo.

Se em condições normais nosso ponto de vista é a abertura para se situar (ou melhor, a forma como as coisas aparecem já é a dimensão do nosso ponto de vista), o problema que me interessa, da desorientação, é quando justamente coisas parecem acontecer fora da nossa dimensão.

E sei que tem muitos problemas. Tem os riscos de localizar demais o sujeito, de lhe dar forma demais, de naturalizar certos aspectos ou até fazer o famoso decalque do transcendental sobre o empírico” que Deleuze menciona. Ainda assim existe um certo ponto de vista persistente.

E também a gente percebe rapidamente que as condições normais” não existem de fato. Pois qualquer tipo de relação com um outro já começa a nos jogar numa série de situações em que ficamos desorientados. A própria sofística como Platão descreve já tem disso nos seus simulacros.

Então acho que em alguma medida o movimento da filosofia é uma espécie de elaboração dos procedimentos que nos auxiliam a sair de si”, a conseguir se posicionar para além da alma que se é. Isso permitiria aumentar as formas de se orientar (mas não de modo absoluto, óbvio).

O que sobra para fazer eu diria é então tentar mapear as distâncias, os tipos de distância que atravessam e que parecem superar a nossa capacidade de dimensionar as coisas. É também aprender as formas de se relacionar com as distâncias sem anulá-las.

E talvez seja por isso que eu ache o tema do amor na filosofia algo tão central (obrigado Anne Carson). Pois é já um tipo de distância tão corriqueira, tão comum, mas que supera em muito nossa capacidade de comensurabilidade.

É na medida em que nos envolvemos de modo essencial com outro que a gente acaba vendo que uma série de contas não fecham. É estranho se perceber atado a algo que é fora de si, ver que há algo fundamental que faz a vida valer a pena e que só reflete em você indiretamente.

Pois o estranho do amor é que, em certo sentido, passamos a ser compostos por algo que está fora de nós, fora da nossa perspectiva. E a gente vê que é estranho pois nem sempre a gente consegue explicar o que” é o amor que sentimos por alguém, como aquilo nos afeta.

Acho que se o amor é tão central no Fedro e em O Banquete é pela maneira como ele é algo tão comum, uma experiência tão banal (no sentido de acontecer com qualquer um), mas que já apresenta esses problemas de desorientar nossa capacidade de nos situarmos adequadamente.

Acho que de algum jeito eu estou remoendo as coisas que a @giftcard_sad falou em sua aula terça passada sobre Frank O’Hara. E acho que tudo isso tem muito a ver com o que o O’Hara faz no Having a coke with you”, em que as distâncias amorosas parecem imortalizada.

December 12, 2020

As distâncias entre professores universitários e seus estudantes

A gente não fala sucifientemente bem sobre as distâncias entre uma classe de professores estabilizados e uma geração de doutores/doutorandos/mestrandos em situações de precariedade (freelas, contratos temporários ou nada mesmo). Acho que tem muita chance de dar atrito (já dá).

Acho que é importante até para que não haja mais fissuras, para que a defesa do campo acadêmico como um todo. Infelizmente o que vejo é a construção de ressentimento de ambos os lados, cada vez mais insensíveis (e uma insensibilidade que pesa demais do lado dos precarizados).

É fácil haver ressentimento, haver raiva. É muito fácil também que nesse momento em que a situação profissional muda (claro, não é a primeira vez que acontece na história, mas é a do momento) que os lados não se entendam. Mas acho que justamente por isso deve-se tentar entender.

E mais do que entender, acho que é preciso que se comece a pensar em formas de generosidade que não sejam subjetivas” (que não dependam de relações pessoais). É preciso talvez tentar pensar o que seria uma generosidade objetiva entre as gerações (pensando a partir da @irrideo).


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