As distâncias que atravessam o sujeito
Eu tava conversando umas coisas com a @irrideo esses dias e que acho que me ajudou a situar alguns dos problemas que me movem. Acho que um dos problemas é justamente tentar entender o que (do lado do ‘sujeito’) implica você ser atravessado por distâncias que te superam.
Inclusive acho que é uma questão de pensar o que é esse lado ‘do sujeito’, que talvez seja não mais que um certo ponto de vista — independente de como ele é composto. Eu queria dizer um ‘olho’, mas acho muito físico. Talvez por isso gosta da palavra ’alma mesmo.
Se em condições normais nosso ponto de vista é a abertura para se situar (ou melhor, a forma como as coisas aparecem já é a dimensão do nosso ponto de vista), o problema que me interessa, da desorientação, é quando justamente coisas parecem acontecer fora da nossa dimensão.
E sei que tem muitos problemas. Tem os riscos de localizar demais o sujeito, de lhe dar forma demais, de naturalizar certos aspectos ou até fazer o famoso “decalque do transcendental sobre o empírico” que Deleuze menciona. Ainda assim existe um certo ponto de vista persistente.
E também a gente percebe rapidamente que as “condições normais” não existem de fato. Pois qualquer tipo de relação com um outro já começa a nos jogar numa série de situações em que ficamos desorientados. A própria sofística como Platão descreve já tem disso nos seus simulacros.
Então acho que em alguma medida o movimento da filosofia é uma espécie de elaboração dos procedimentos que nos auxiliam a “sair de si”, a conseguir se posicionar para além da alma que se é. Isso permitiria aumentar as formas de se orientar (mas não de modo absoluto, óbvio).
O que sobra para fazer eu diria é então tentar mapear as distâncias, os tipos de distância que atravessam e que parecem superar a nossa capacidade de dimensionar as coisas. É também aprender as formas de se relacionar com as distâncias sem anulá-las.
E talvez seja por isso que eu ache o tema do amor na filosofia algo tão central (obrigado Anne Carson). Pois é já um tipo de distância tão corriqueira, tão comum, mas que supera em muito nossa capacidade de comensurabilidade.
É na medida em que nos envolvemos de modo essencial com outro que a gente acaba vendo que uma série de contas não fecham. É estranho se perceber atado a algo que é fora de si, ver que há algo fundamental que faz a vida valer a pena e que só reflete em você indiretamente.
Pois o estranho do amor é que, em certo sentido, passamos a ser compostos por algo que está fora de nós, fora da nossa perspectiva. E a gente vê que é estranho pois nem sempre a gente consegue explicar “o que” é o amor que sentimos por alguém, como aquilo nos afeta.
Acho que se o amor é tão central no Fedro e em O Banquete é pela maneira como ele é algo tão comum, uma experiência tão banal (no sentido de acontecer com qualquer um), mas que já apresenta esses problemas de desorientar nossa capacidade de nos situarmos adequadamente.
Acho que de algum jeito eu estou remoendo as coisas que a @giftcard_sad falou em sua aula terça passada sobre Frank O’Hara. E acho que tudo isso tem muito a ver com o que o O’Hara faz no “Having a coke with you”, em que as distâncias amorosas parecem imortalizada.