January 6, 2021

O discurso teórico hipnótico

Tou postando isso aqui sem ter lido pois a primeira vez que vi a Mayana foi uma apresentação sobre o calcanhar de komarov e foi uma das experiências mais hipnóticas que já tive com um discurso teórico. Ela simplesmente conseguiu transmitir uma VIBE https://t.co/FyTaybaYsI

E eu tava até conversando sobre isso esses dia sobre como eu acho isso impressionante, invejável, essa capacidade de transmitir uma espécie de sensação” que conteria em si um certo clima” de uma visão de mundo”, de uma teoria”, de uma ideia” num discurso não-ficcional.

Pois mesmo que o texto seja bem construído, que tenha argumentos, eu lembro que o que me pegou ali e que vejo como uma espécie de objeto desejado da filosofia, foi a capacidade de concentrar e transmitir para além de argumentos explicitáveis uma certa >>impressão<< do real.

Tá tudo meio vago e meio esquisito o que tou falando, e acho que tem com também as razões de eu invejar esse tipo de discurso. Pois acho que o filósofo tende a desejar isso mas compensa da única forma que ele consegue, que é emitindo uma falação sem fim e com zero concentração.

É como se a única coisa que aquele que é filósofo consegue fazer (na minha tipologia) é continuar falando e falando e falando nesse burburinho incessante que espera produzir alguma parte daquele efeito que ele inveja se utilizando de procedimentos inversos ao discurso sintético.

December 30, 2020

Sobre o unitarismo platônico

A minha posição tende a ser unitarista pois eu acredito que o discurso filosófico aspira a uma certa atemporalidade (pelo menos da nossa experiência do tempo linear), aspira alcançar uma posição em que não importa a ordem intencionada mas as conexões que se tornaram possíveis.

Tem também uma outra coisa que tenho pensado, e que tem sido pelo contato breve com questões da oralidade homérica, da construção ao longo de séculos dos poemas, que é pensar o discurso filosófico como algo dessa ordem, algo que é construído independente de intenções pontuais.

O apelo ao homero seria também pra pensar outros procedimentos de criação que não estejam lastreados numa noção de um autor que controla todas as cordinhas mas que também não deixam de considerar que se tratam de obras complexas e que possuem um certo tipo de unidade.

Ambos os pontos preciso desenvolver em algum momento, mas acho que se a filosofia tem algum sentido é justamente por conseguir transitar para além do seu emissor original” (na verdade pra mim ela é a elaboração de espaços comuns), por conseguir constituir unidades de ninguêm.

December 29, 2020

Comentários sobre a virtude da generosidade

Gostaria de ter um tempo pra pensar na generosidade como uma virtude não apenas ética, mas epistêmica. Infelizmente estou pensando isso pois estou lidando com um frila agora que é o avesso disso.

Tem algo importante, acho, em confiar na aparência, mas também confiar que as pessoas talvez não estejam sendo estúpidas ou malvadas. Claro, isso não serve para todas as situações, mas a virtude do generoso (em sua forma mais radical) talvez esteja em ser uma espécie de idiota.

É impressionante o quanto a leitura do outro enquanto envolvido na má-fé parece predominar. Claro, se a coisa é operada nesses termos é que é um procedimento bem eficiente. O problema é que o mundo fica terrível quando só olhado nesses termos. Fica miserável demais.

E de novo, acho que tem um certo gesto meio idiota de insistir na generosidade. Em crer que o outro pode não estar te passando a perna, em crer que não há tentativa de engodo, em crer que o outro também está — à sua maneira — tentando construir um comum contigo.

Eu acho realmente que é algo bem difícil. Mas ao mesmo tempo não é algo que precise que você >de facto< acredite no outro, apenas >de jure<. Ou seja, trata-se muito mais de um gesto superficial, da etiqueta, do que propriamente uma crença na boa fé do outro. É um tipo de truque.

(Não defendo com isso que se abandone qualquer tipo de análise crítica, de olhar que tente enxergar a má fé ou qualquer coisa do tipo. Deus sabe que o mundo é horrível, cheio de gente horrível etc. Acho que falo evidentemente de almejar um certo equilíbrio que é difícil).

Mas acho que tem certos gestos superficiais, certos procedimentos, que podem ajudar. Algumas coisas são bem simples: não tomar o outro como se ele estivesse na sua cabeça, como se tivesse em mira suas expectativas (que só podem existir na sua cabeça).

Talvez tentar entender que divergências de vocabulário não são nenhum crime e que omissões no discurso tendem a ser mais frutos de uma incapacidade de abarcar tudo do que de qualquer crime contra o estado. Claro, isso não vale para tudo, mas vale para certas relações.

Eu acho que ser generoso talvez seja (e talvez eu seja socrático) entender que o outro nunca tenta agir a partir do mal, que o mal é em boa medida mais fruto de certas ignorâncias (claro, algumas desejadas, pois são cômodas!) do que de as pessoas serem terríveis.

E não é que não existam pessoas terríveis, também acho que existem. Mas acho que também a gente precisa ser generoso e entender que a gente também é no olhar do outro essa pessoa que pode aparecer como horrível. E é difícil aceitar isso, se aceitar partilhando do mal.

E acho que aceitar que o outro também participa do mal, também está envolvido nele sem por isso ser definido por ele talvez pode nos inspirar (momento desnecessariamente otimista?) a entender que ganhamos mais tentando entender o outro para além de sua participação nisso.

Acho que é esse gesto de generosidade que eu gosto, que eu admiro em outras pessoas. Uma tentativa de desvencilhar o outro do que os contamina e que só parece ser possível quando se percebe que você também não escapa da contaminação. Mas o bonito é como se dá a descontaminação.

Sabendo-se que está envolvido no mal, que você também cai nele, que você também é escroto, tem seus momentos horríveis vergonhosos, todos sabemos que temos desses), não é a partir de uma auto-higiene que se sai disso, pois justamente não temos dimensão do mal que nos envolve.

É ao aceitar que você não tem como se limpar que talvez uma espécie de compaixão pode aparecer. Que talvez você pode se dar o luxo (e de fato é um luxo, e por isso é difícil, por isso não dá também pra cobrar que as pessoas sejam generosas) de olhar o outro de modo benevolente.

Eu acho que é bonito pois esse olhar pro outro >para além da má fé< (e claro, apenas quando é possível! óbvio que tem situações que isso não deve ser feito) é algo que efetivamente trata o outro em sua melhor versão possível, de modo que ela de fato passe a existir.

Por isso não é muito questão de achar que o outro é bom ou mal, mas de tratá-lo (quando possível) de tal forma que ele seja compreendido da maneira mais generosa, >como se< ele estivesse articulando numa direção comum mesmo que não pareça.

O que acho é que quando se faz isso o outro acaba de certa forma se tornando (pelas práticas, pelas maneiras como se produz uma abertura, um espaço comum) em parte isso. Não quer dizer que a pessoa vá ser virtuosa de agora em diante, mas que ao menos nessa situação funcionou.

Enfim. Acho que a coisa espiralou de uma forma meio louca. Acho que é um pouco o cansaço (e cansaço com esse frila de agora). Ficam aí essas reflexões exageradamente otimistas e totalmente esburacadas.

December 29, 2020

A máxima de evitar opiniões

Ia cometer aqui algumas opiniões mais aí lembrei que elas já estão criptografadas em um texto que publiquei recentemente. Importante soterrar ao máximos nossas opiniões em mil jogos de espelho para que não consigam causar nenhum estrago (já que deixar de emitir elas é difícil).

Evitem dar opiniões. Quando não conseguirem, tentem escondê-las o máximo possível. Opiniões só trazem problemas, só geram polêmicas desnecessárias, só dificultam a elaboração de um espaço comum na linguagem que permita trocas entre diferentes.

December 27, 2020

O problema da mímesis diante da ausência de isomorfia natural

Acho que a mimesis é um problema/questão fundamental justamente porque não há uma isomorfia ou sistemas de equivalências prévios entre linguagens e códigos distintos. Isso vale pro campo das artes, mas pras ciências, pro pensamento, pra práticas políticas, amorosas etc.

O que entendo por mimesis é então o campo de elaboração e criação de equivalências que nesse processo acaba avaliando e testando (e ampliando, ao menos do que achávamos possível) aquilo que pomos em contato.

Como acontece na literatura parece dar uma dimensão do que é isso. Não são apenas os procedimentos literários que vão se mobilizando para dar conta de aspectos da realidade (que por sua vez não aparecem em si”, mas sempre a partir de outros procedimentos), para apresentá-los.

A própria maneira que eles aparecem nesse procedimento (e que tem a ver com a natureza do procedimento explorado enquanto linguagem/procedimento possível ) acaba também revelando aspectos que só seriam possíveis pois uma nova equivalência foi instituída.

Acho que é nesse sentido que há uma mão-dupla na operação mimética. Transpor certos aspectos da vida (que existia em outros códigos/procedimentos) para o literário torna possível a coisa se dar de outras formas, aparecer como outra coisa sem que por isso seja qualquer coisa.

December 23, 2020

Como me sinto pertecendo ao Brasil

Cada dia que passa acho que o Machado de Assis é uma referência não apenas enquanto ilustre carioca, mas também como forma de receber certas tecnologias coloniais do romanesco. É uma coisa que gostaria de pensar mais, mas como ele desloca o romance para outros fins é brilhante.

Eu acho que a maneira como me sinto europeu” é à maneira machadiana. Uma espécie de suspeita com aquilo que não te pertence e não foi feito pra ti mas que também não se pode fazer sem pois é o material que se tem (visto que o resto ou foi apagado ou também lhe é mais externo).

Claro, isso é algo que diz respeito a mim (à minha experiência na colônia), a como eu me navego ainda mais que de fato me sinto tão distante de certas tradições que existem no Brasil como das tradições européias.

Acho fundamental novos debates que acontecem aqui, inúmeras discussões e tradiçôes que tem se fortalecido aos poucos na medida em que ganham mais espaço e mais discursividade (= na medida em que se falam mais), mas também acho que seria falso de minha parte me atrelar a elas.

Sempre lembro como na minha defesa de dissertação (sobre perspectivismo nietzschiano e ameríndio) uma das pessoas da banca sugeriu que eu fizesse a minha tese a partir apenas de pensadores indígenas. É engraçado, não tenho nada contra isso, mas no meu caso vi que seria estranho.

(Bem cômico como se ignorou que na minha dissertação não procurava mostrar como um perspectivismo era melhor que o outro, mas que se complementavam a partir de problemas diferentes — mas na prática a dissertação é uma merda como quase todas as dissertações)

Não é também questão de qualquer lugar de fala que estava ali, mas simplesmente uma sensação de que aquilo não me contemplava. Claro, acho que uma tese histórica ou qualquer coisa do tipo, uma análise de um outro (que pode ser Espinosa ou Kopenawa) é absolutamente válido.

O que me deixou meio cabreira é que naquela hora, se a ideia era tentar entender e situar certos problemas que eram relevantes para mim, eu senti (embora se elaborou com o tempo) que assim como os europeus eram outros (e por isso suspeitava), acho que também eram os ameríndios.

Não fazia o menor sentido eu me atrelar nesses pensamentos com o mesmo modus operandi que se lidava com o pensamento europeu (era um pouco o que estava sendo sugerido involuntariamente) pois continuaria com um pensamento bastante des-situado, fora de lugar de um jeito ruim.

E claro que acho que pra várias pessoas a sugestão poderia ser acolhida e faria sentido. Mas pra mim a coisa caiu de modo vazio, como se Kopenawa e Espinosa fossem igualmente distantes de mim. E é aí que sinto que o Machado entra. Me parece uma figura mais próxima do meu local.

Me pergunto o que teria sido da minha tese se eu tivesse me tocado” do quanto o modo de proceder Machadiano é o que eu procurava. Ao mesmo tempo acho que os fracassos” da minha tese foram o que me levaram a retomar o Machado (enquanto ethos/pathos) como modelo explícito.


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