December 23, 2020

Como me sinto pertecendo ao Brasil

Cada dia que passa acho que o Machado de Assis é uma referência não apenas enquanto ilustre carioca, mas também como forma de receber certas tecnologias coloniais do romanesco. É uma coisa que gostaria de pensar mais, mas como ele desloca o romance para outros fins é brilhante.

Eu acho que a maneira como me sinto europeu” é à maneira machadiana. Uma espécie de suspeita com aquilo que não te pertence e não foi feito pra ti mas que também não se pode fazer sem pois é o material que se tem (visto que o resto ou foi apagado ou também lhe é mais externo).

Claro, isso é algo que diz respeito a mim (à minha experiência na colônia), a como eu me navego ainda mais que de fato me sinto tão distante de certas tradições que existem no Brasil como das tradições européias.

Acho fundamental novos debates que acontecem aqui, inúmeras discussões e tradiçôes que tem se fortalecido aos poucos na medida em que ganham mais espaço e mais discursividade (= na medida em que se falam mais), mas também acho que seria falso de minha parte me atrelar a elas.

Sempre lembro como na minha defesa de dissertação (sobre perspectivismo nietzschiano e ameríndio) uma das pessoas da banca sugeriu que eu fizesse a minha tese a partir apenas de pensadores indígenas. É engraçado, não tenho nada contra isso, mas no meu caso vi que seria estranho.

(Bem cômico como se ignorou que na minha dissertação não procurava mostrar como um perspectivismo era melhor que o outro, mas que se complementavam a partir de problemas diferentes — mas na prática a dissertação é uma merda como quase todas as dissertações)

Não é também questão de qualquer lugar de fala que estava ali, mas simplesmente uma sensação de que aquilo não me contemplava. Claro, acho que uma tese histórica ou qualquer coisa do tipo, uma análise de um outro (que pode ser Espinosa ou Kopenawa) é absolutamente válido.

O que me deixou meio cabreira é que naquela hora, se a ideia era tentar entender e situar certos problemas que eram relevantes para mim, eu senti (embora se elaborou com o tempo) que assim como os europeus eram outros (e por isso suspeitava), acho que também eram os ameríndios.

Não fazia o menor sentido eu me atrelar nesses pensamentos com o mesmo modus operandi que se lidava com o pensamento europeu (era um pouco o que estava sendo sugerido involuntariamente) pois continuaria com um pensamento bastante des-situado, fora de lugar de um jeito ruim.

E claro que acho que pra várias pessoas a sugestão poderia ser acolhida e faria sentido. Mas pra mim a coisa caiu de modo vazio, como se Kopenawa e Espinosa fossem igualmente distantes de mim. E é aí que sinto que o Machado entra. Me parece uma figura mais próxima do meu local.

Me pergunto o que teria sido da minha tese se eu tivesse me tocado” do quanto o modo de proceder Machadiano é o que eu procurava. Ao mesmo tempo acho que os fracassos” da minha tese foram o que me levaram a retomar o Machado (enquanto ethos/pathos) como modelo explícito.


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